A COMARCA | NOTA DA SEMANA: É “toiro” lindo!

Não sou adepto, ou sequer aficionado, da tourada e talvez por isso, ou por causa disso, nunca assisti ao vivo a este tipo de espetáculo.

Não obstante, guardo na retina algumas transmissões de corridas de touros na televisão pública (RTP), isto quando esta tinha coragem para as transmitir e das quais destaco a atuação dos grupos de Forcados.

Na realidade, se há momento que recordo e em que prestava alguma atenção durante as transmissões televisivas era esse mesmo, o momento da pega do touro.

Nesses instantes percebia-se a dimensão da coragem dos Forcados que, apenas com as mãos e verdadeiro espírito de equipa e de grupo, enfrentavam, e enfrentam, com valentia o animal bravo, aguentando a investida deste.

Contudo, e apesar da minha pouca simpatia pela tourada, enquanto espetáculo cultural, tenho que dizer que, desde 26 de Agosto, e após as imagens da manifestação realizada junto à Praça de Touros do Campo Pequeno, em Lisboa, decidi passar a ser um defensor da Tourada à Portuguesa.

E porquê?

Simplesmente porque não posso aceitar que, a coberto de uma causa pela qual nutro simpatia e me revejo, neste caso a defesa dos animais, seja propalado e incentivado um discurso de ódio contra aqueles que gostam, legitimamente, da tauromaquia.

Não posso deixar de me indignar que se recorra a processos judiciais em curso e em investigação, relativos a alegados maus tratos a animais por parte de um certo toureiro, para justificar o ataque a quem gosta de assistir a touradas e a um Setor que tem sido “enxovalhado” na praça pública.

Não posso calar o meu desacordo por uma pretensa definição do que é cultura e do que não o é, tendo por base uma vivência urbana que esquece a existência de um Portugal Rural que tem que ser respeitado.

Paradoxalmente, quando se fala na defesa dos valores ambientais, essa mesma vivência urbana esquece que a preservação desses valores depende, também, da existência e preservação de um mundo rural, o qual tem sido tão maltratado ao longo das últimas décadas.

Com efeito, assistimos a uma deriva sem precedentes, por parte de alguns setores da Sociedade Portuguesa, no qual se incluem alguns Partidos Políticos, na tentativa de estabelecer uma (re)definição de uma série de aspetos da nossa vivência social.

Ora se pretende reescrever a História, legitimando-se a vandalização de monumentos nacionais, ora se deseja definir o que é cultura aceitável, ora se procura determinar que género sexual deve ser valorizado em determinado contexto, enfim, temos assistido a tudo isto, e mais, nos últimos tempos.

Existe pois, uma pretensa intelectualidade que deseja definir e estabelecer uma agenda de prioridades e de alterações da vida em Sociedade, mas cuja relação com os problemas sociais existentes e a realidade do País é pura ficção na atualidade.

A cultura tem o seu próprio tempo, e esta vai evoluindo ao seu ritmo, e a tourada em Portugal não está alheia a esse processo, esta é hoje distinta da que se verificava há séculos passados, fruto dessa mesma evolução e da assimilação de novos valores.

A corrida de touros à portuguesa é distinta da espanhola, ou das praticadas na américa latina. Na nossa não há touros de morte e temos os Forcados.

O quadro legal vigente em Portugal reconhece esta realidade e reconhece a tourada portuguesa como uma manifestação cultural, enraizada na tradição de várias comunidades.

Por outro lado, e não menos importante, se há hoje touros em liberdade a correr por várias herdades alentejanas, isso deve-se à existência de touradas.

Se o cavalo lusitano tem a preponderância que lhe é reconhecida no mundo equestre, para tal também contribuiu a tourada.

Aspetos que muitos defensores dos direitos dos animais esquecem, ou simplesmente desconhecem…

Preocupante, isso sim, é existirem crianças do sexo feminino que sejam mutiladas nos seus órgãos genitais por razões de ordem cultural.

Preocupante, isso sim, é que existem casamentos negociados e acordados, envolvendo menores, em determinadas comunidades, com fundamentos em razões culturais.

Em suma, pretende-se acabar com a tourada em Portugal, enquanto elemento cultural e a expressão de uma tradição, mas em contrapartida, outras expressões ditas de culturais e enraizadas em determinadas comunidades e aceites por outros povos, continuam a ocorrer no nosso País, à revelia da Lei Nacional, mas sem que a mesma indignação seja suscitada junto dessa mesma pretensa intelectualidade urbana, para quem animais e Seres Humanos é a mesma coisa.

Lamento, mas não são a mesma coisa, que o digam as crianças mutiladas nos seus órgãos genitais e as crianças obrigadas a casar por acordo entre famílias.

NUNO GOMES (Director de A VOMARCA DE ARGANIL)