NOTA DA SEMANA: Não há guerras limpas, apenas guerras sujas!

Foto: DR

Volvidos vinte anos, chegou ao fim a presença militar norte-americana, e seus aliados da NATO, no qual se inclui Portugal, em solo afegão.

Depois de tanto tempo, importa recordar os motivos que levaram a essa “ocupação” do Afeganistão, e neste caso é bom recordar que esta ocorreu na sequência dos atentados perpetrados pela Al-Qaeda às torres gémeas em Nova Iorque, naquele que ficou conhecido como o 11 de Setembro e que tirou a vida a quase três mil americanos.

A invasão do Afeganistão, mais do que uma retaliação pelos atentados, ocorreu pela necessidade de impedir que esse País continuasse a dar guarida e proteção a grupos terroristas islâmicos, e funcionasse como campo de treino dos seus combatentes.

Ocorreu ainda, porque os “Talibãs” se recusaram a entregar Osama Bin Laden às autoridades americanas, à data principal suspeito desse violento ataque que tirou a vida a inúmeros cidadãos norte-americanos e que mais tarde veio a ser eliminado no Paquistão, em Maio de 2011.

Durante estes últimos vinte anos o mundo ocidental viveu refastelado, comodamente, na poltrona da democracia, e muito provavelmente porque havia militares no Afeganistão a combater pela defesa do nosso estilo de vida, tal como em outros pontos do globo terrestre.

Com esta retirada, há muito prevista, ficam as imagens de horror de pessoas a procurarem sair do Afeganistão por todos os meios e, nessa tentativa, a serem atacadas pelos Talibans.

As imagens do aeroporto de Cabul incomodaram a moral de muitos daqueles que, durante anos, criticaram a presença norte-americana e o envolvimento da NATO no combate aos extremistas.

Parece que, afinal, “o imperialismo americano” era a única coisa que garantia os direitos de muitos Seres Humanos no Afeganistão, especialmente das mulheres.

Mas esta “retirada”, que mais pareceu uma debandada, tal a forma atabalhoada como Joe Biden a autorizou (nem Donald Trump faria pior), era inevitável.

Desde logo, porque os americanos há muito que estavam fartos de gastarem os seus dólares numa vã tentativa de mudar a generalidade das mentalidades de um País “medieval”, e depois, porque esse mesmo País deixou de ter interesse estratégico.

Quiçá, devessem ter saído mais cedo do Afeganistão, logo após a captura e morte de Osama Bin Laden, o que não sucedeu, muito provavelmente por questões de consciência, na medida em que havia uma moral que justificava a presença das forças militares.

E essa moral era a defesa dos direitos humanos, especialmente das mulheres, mas até estes têm um custo e são muito poucos os países capazes de aguentarem a defesa militar dos direitos humanos por vinte anos.

Durante estas duas décadas, que ao contrário do que foi anunciado, não foi um Vietnam para os americanos, a começar pelo número de baixas nas suas tropas, assistimos a críticas constantes e permanentes sobre a forma como a guerra no Afeganistão era conduzida, especialmente por parte de uma esquerda burguesa que tem na língua os direitos das minorias, mas que acabou sufocada pelo “veneno” dessa mesma língua.

Agora, os pretensos moralistas dos direitos, liberdades e garantias, perceberam que é preciso “sujar as mãos” para que sejam mantidos os valores da democracia e que nem todos têm essa capacidade para lutar na linha da frente contra aqueles que, arcaicamente, querem a destruição do mundo ocidental.

Agora, esses intelectuais da moralidade libertadora, perceberam de que nada vale encher a boca de palavras eruditas e discursos filosóficos se não existir a coragem para, quando é preciso, lutar-se pela democracia.

Agora, percebe-se o que todos sabiam, mas que poucos são capazes de o assumirem – não há guerras limpas, nem nunca houve.

A guerra é suja, sempre foi e sempre o continuará a ser.

A nossa esperança é a de que esta seja sempre ganha por quem reconhece os valores dos direitos humanos e não o contrário.

Infelizmente, o Afeganistão foi o exemplo cabal de que os direitos e as liberdades são um exclusivo de uma pequena parte de países, e que estes são, na realidade, uns privilegiados.

Se pegarmos no mapa-mundo e marcarmos os países que vivem em democracia plena, provavelmente perceberemos que, em termos de dimensão territorial e populacional, as ditaduras são dominantes e tendem a aumentar.

Não tenhamos pois, mais a ilusão de que nunca chegará o momento em que a batalha civilizacional nos tocará a nós. Na realidade, há muito que ela já decorre!

E durante vinte anos decorreu a nove mil quilómetros de distância…lá longe no Afeganistão.

Texto: NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)