
Em 1987 o grupo musical Rádio Macau lançou o seu terceiro álbum intitulado de “O elevador da Glória”, do qual fazia parte uma faixa com esse mesmo nome, celebrando um dos maiores ícones da capital portuguesa.
O ascensor da Glória, como inicialmente se designava, é uma estrutura inaugurada em 24 de Outubro em 1885 e ligava (liga) a baixa da cidade lisboeta (Praça dos Restauradores) ao Bairro Alto (Jardim de S. Pedro de Alcântara), através dos 275 metros da Calçada da Glória.
O engenheiro responsável pela construção do elevador da Glória foi Raul Ronson Mesnier de Ponsard, português de origem francesa, nascido no Porto a 2 de Abril de 1849 e falecido no dia 26 de Maio de 1914 em Moçambique.
Fez o liceu no Porto, e apesar de se ter formado na Universidade de Coimbra, Faculdade de Ciências, em Matemática e Filosofia, foi em França que se formou em Engenharia Mecânica.
Do seu “portfólio” fazem parte outras obras emblemáticas como o elevador do Bom Jesus em Braga, o elevador da Nazaré nessa mesma localidade, assim como os elevadores da Bica, de Santa Justa, da Graça, da Estrela, estes todos em Lisboa, entre tantos outros.
O sistema do elevador da Glória assentou numa lógica de pesos e contrapesos, respeitando a lei da gravidade, em que duas cabines localizadas em pólos opostos, sobem e descem alternadamente, em pouco mais de 3 minutos.
Este sistema funciona ao longo de 140 anos, com pontuais interrupções a e ajustamentos a algumas inovações dos tempos, preservando, no essencial, os princípios que suportaram o projeto de construção do elevador.
Em 2002 essa estrutura foi classificada como monumento nacional, e decorrente dessa classificação, a preservação das suas características tornou-se essencial para manter esse estatuto.
No entanto, ao longo dos últimos anos, Portugal assumiu que o seu desígnio para a promoção de um suposto desenvolvimento económico radicava na atividade turística.
Lisboa, à semelhança de outros pontos do País, transformou-se num destino turístico, e os seus pontos de interesse alvo dos milhões de visitantes, entre os quais estava o elevador da Glória.
Depois do lamentável acidente que retirou a vida a 16 pessoas, até ao momento, as alcateias de comentadores, cheirando a carnificina, invadiram o espaço televiso e jornalístico procurando os culpados e as razões para o acidente.
Primeiro, o alvo foram as inspeções e operações de manutenção, e a suposta ausência destas, depois, confirmada a sua existência, passou a ser a qualidade das mesmas, ou falta dela, a serem apontadas como justificação para o triste acontecimento.
Logo a seguir vieram as teorias da conspiração radicadas em preconceitos ideológicos derivados da externalização desses serviços, teorias estas muito influenciadas pelas forças sindicais que assim viram uma oportunidade de combater o despotismo do sistema capitalista.
De seguida, veio a análise aos contratos de manutenção, onde a redução do custo global com esses serviços foi apresentado como uma forma de desleixo e incúria e nunca visto da perspetiva de eficiência e maior controle na gestão desses custos.
Neste último caso importa referir que todas as manutenções e inspeções obedecem a um conjunto de regras e procedimentos que são obrigatórios de cumprir, sob pena de retirada de competências profissionais a quem as executa, isto caso não as cumpra.
Pois bem caros leitores, para mim tudo se ficou a dever a uma coisa muito mais simples, o acidente ocorrido no elevador da Glória deveu-se à incapacidade de compatibilizar a utilização de um monumento nacional, construído para dar resposta a um determinado nível de utilização, face à exponencial utilização decorrente do turismo.
O desgaste a que tal estrutura passou a ser sujeita, e o esforço que sobre a mesma incidia, não é, nem nunca foi, compatível com o peso da história da engenharia mecânica que sobre si recaia.
A Preservação da história implica respeito pela mesma, e uma das formas de respeito é saber quais os limites da utilização e acesso à mesma.
Prevenir acidentes como o do elevador da Glória, isto se o quisermos manter como monumento nacional, implica repensar todo o modelo de atividade turística para o nosso País, e sobre isto tenho as maiores dúvidas que venha ser feito, afinal há muito que deixámos de ter outros setores de atividade verdadeiramente competitivos e passámos a ser um espaço de mera prestação de serviços!
Espero que as vidas perdidas na Calçada da Glória não tenham sido em vão.
NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)