A moeda que foi rejeitada

Alguém me despertou:

 A Susana tem três filhos por baptizar e passa martírios com eles. Lá fui com uma vizinha interessada em trazer luz para aquela situação.

Uma cozinha, arrumada e limpa onde crepitava uma fogueira que aquecia e iluminava. Adivinhava-se um jantar apetitoso!

A garota mais nova é um encanto de criança. Seis anitos, olhos brilhantes que cegam qualquer pessoa; um sorriso que cativa a criatura mais fria. Os outros, o Jorge e o André são duas adolescências remexidas que não entendem a mãe nem a mãe os entende a eles. E aí reside o inferno daquela casa. O pai abandonou-os deixando apenas os quadros de violência doméstica que marcaram os filhos que se agarravam às pernas do pai que destruía a pobre Susana com pancada.

Descemos à terra queimada para encontrar caminho que desse para uma solução libertadora. Falou um de cada vez. A Susana declarou que no dia seguinte iria ao tribunal para ver se o mais velho ficava internado, já que não conseguia fazer nada dele e na escola era a mesma coisa.

Dir-se-ia que a revolta incarnou ali, em carne viva, a ponto de levantar o braço à mãe e aos irmãos. São os dezasseis anos!

Tentei auscultar os corações batendo em ritmo apaixonante… Como quem quer procurar um argumento contra aquela frieza, o Jorge atalha: olhe, no Domingo ia para a missa, cheguei a meio do caminho e voltei para trás…

Nesse dia o Tiago não pôde ir. O Tiago é o companheiro que em nome da amizade e cumprindo o seu projecto de catequese, quer arrancá-lo ao caminho dos transviados. E tomou conta dele.

Daí a dois dias não me contive; apareci por lá e falámos como velhos amigos.

Que tal correu a audiência?

– Muito mal. O Miguel, que é o pai, está longe e longe vai ficar. Há quem diga que ele trabalha, mas tem já outra mulher e outros filhos: E nega-se a dar a estes seja o que for.

O Sr. Dr. Juiz ficou de mandar indagar o que o Miguel faz e o que ele ganha realmente . Marcou-se por isso uma nova audiência.

À saída do tribunal, o André que assistiu ao julgamento, distante e frio…  (o Miguel  não o quis reconhecer com uma palavra ou um simples beijo), ia  a  retirar-se, cabisbaixo, com a mãe, quando o pai  se aproximou tirando do bolso uma moeda ou duas…

– “Toma lá, rapaz, é para ti. Nessa altura o André deixou que os seus 14 anos entrassem em ebulição e virou costas, rejeitando decididamente a oferta envenenada.

No tribunal fez-se silêncio… o  André deu o braço à mãe e num relâmpago abandonou a sala de audiências.  O pai, esse, retirou-se a seguir, comprometido e humilhado.

No Domingo seguinte, os três foram à missa e à catequese, levados pelo Tiago, o companheiro que os ama.

Lá para a Páscoa, teremos Festa e espero que hão-de gritar-se as aleluias batismais da Purificação.

O Senhor ressuscitou! Aleluia! Aleluia!

A. Borges de Carvalho