Hoje, 9 de Junho, o ilustre arganilense Engenheiro Amândio Travassos Galvão faria 100 anos.
Nasceu no Prazo, na pitoresca e sui generis moradia cor-de-rosa, sobranceira ao casario da vila, bafejada pelo ar puro dos pinheiros da Mata do Hospital, mirando a capelinha da Senhora do Mont’Alto, aureolada pelo luar em noites de lua cheia.
Era descendente, por parte de sua mãe, D. Maria Susana, do conceituado ramo da família Travassos do Carapinhal – Vila Nova do Ceira, que mais tarde se espalhou, o que não teria sido difícil dado que esta Senhora tinha 12 irmãos, tornando-se este ramo sobejamente conhecido, principalmente no Rocio, o coração de Lisboa.
Seu pai, António Galvão, profundo conhecedor da realidade de Arganil, sua terra natal, Provedor da Santa Casa da Misericórdia, Presidente da Comissão Municipal de Turismo, deixou o seu nome ligado a grandes melhoramentos tais como os arruamentos, mesas e outras obras na Mata do Hospital Condessa das Canas, o aformoseamento do Mont’Alto e a escadaria existente desde o sopé do Monte, cujo ambicioso projecto abraçou com toda a sua alma, mas que, infelizmente, não pôde finalizar, porque o seu grande
coração parou cedo de mais.
Homem de cultura e de larga visão não esqueceu a remodelação da Feira, com a expectativa de que se tornasse a festa anual de Arganil, como veio a acontecer posteriormente. Interessou-se vivamente pela música e pelo teatro-amador.
A Santa Casa tentava substituir por um edifício próprio, o antigo “Barracão”, onde se realizavam as récitas e se exibiram boas companhias de teatro. Iniciou a obra, mas sem o subsídio prometido pelo Estado
não podia concluí-la. António Galvão apelava à união de todos os arganilenses, amigos da sua terra para que colaborassem e levassem a cabo tal iniciativa.
De facto, em 1954, a verdadeira força e união dos arganilenses, o seu verdadeiro amor ao torrão natal, como vaticinava o saudoso vereador, conseguiu erigir um autêntico monumento, uma das mais emblemáticas casas de espectáculo da região, o Teatro Alves Coelho.
A Santa Casa, dona do majestoso imóvel, não tem dinheiro para o restaurar, apelando constantemente por ajuda a quem de direito. Promessas vãs e o imponente edifício com os magníficos baixos-relevos de Aureliano Lima e as pinturas de Guilherme Filipe, vai caindo lentamente! Onde estão os
“cabeçudos beirões”?! Onde está a força da mensagem de António Galvão?!
Arganil acompanhou, em lágrimas, até à última morada, este dinâmico e sempre presente Vereador da Cultura. Quis perpetuar a sua memória, atribuindo o seu nome à rua onde viveu e, homenageou-o, numa
lápide, colocada no jardim, que seria a última etapa da escadaria que nos conduziria até à Virgem, nossa Padroeira.
Povo simples, exprimiu desta forma, a sua enorme gratidão ao Visionário que sonhava tornar este rincão num polo turístico de alta qualidade.
A sua viúva, D. Susana Travassos, com inimagináveis sacrifícios, continuou a dar aos seus quatro filhos, uma educação esmerada.
Amândio Galvão, muito mais novo do que os irmãos, foi estudar como eles, para o Colégio de S. Pedro, em Coimbra. Não foi fácil a separação da mãe querida a quem um sentimento profundo o ligou sem tréguas.
Inteligente, responsável, astuto, irrepreensível, surgia-nos sob a aparência duma inquietante timidez.
A sua figura era para mim intocável no fortuito vaivém da sala de leitura da Biblioteca Nacional. Foi-me apresentado, um dia, quando nos cruzámos, na minha rua. Desde então, cimentou-se entre nós, uma amizade até à sua morte.
Os artigos que ele publicava em “A Comarca de Arganil” tornavam-me orgulhosa por ter nascido aqui.
As giestas amarelas e brancas, as urzes, a beleza dos montes e vales, as almas das gentes alegres, escaroladas como as pedras dos buliçosos regatos, a verdadeira história deste mundo rural, cheio de encanto, aparecia no desenrolar amoroso do fio de tinta azul que escorria do seu coração. Amândio Galvão, passou os últimos quase trinta anos da sua vida, pesquisando e escrevendo sobre Arganil. E que manancial nos deixou:
- Os Opúsculos:
“EM TORNO DAS ORIGENS DE ARGANIL”
“VEIGA SIMÕES” – Algumas Notas biográficas
“ARGANIL, A FESTA E A FEIRA”
“NOTA ACERCA DO ESTADO DE DESENVOLVIMENTO DO ENSINO PRIMÁRIO PÚBLICO NA REGIÂO DE ARGANIL NO ANO DE 1864” - As Obras publicadas de grande interesse para Arganil:
“BREVE EVOCAÇÃO DE VEIGA SIMÕES NO ANO DO SEU CENTENÁRIO”
“FIGURAS NOTÁVEIS DE ARGANIL”
“PARA A HISTÓRIA DO ARGUS” – PARTE I (em colaboração)
“CRÓNICAS DA MINHA TERRA”
“NOVAS CRÓNICAS”
“PASSEIO CULTURAL PELO CENTRO HISTÓRICO DE ARGANIL” – encantador livrinho de bolso ilustrado por Carlos da Capela.
(Encontra-se à venda no Centro Paroquial, oferecido pelos familiares, sendo o produto para ajuda das obras da igreja. Uma primeira edição foi oferecida aos alunos das Escolas).
Escreveu ainda artigos na Revista ARGANÍLIA
Eis o Engenheiro Amândio Galvão após a sua reforma, numa dedicação imparável e incansável a Arganil!
Como preito de mérito e gratidão, o Município atribui-lhe Medalha de Mérito (prata) em 10 de Junho de 1998.
Mas quem foi, afinal, Amândio Galvão além do arganilista que acabámos de descrever?
(Baseio-me, nesta modesta partilha, em “MEMÓRIAS QUE UM AMIGO ME DEIXOU”, discreta homenagem e gratificante oferta da sua viúva, Maria Celeste Galvão).
Acabado o Curso de Regente Agrícola, ingressa no Instituto Superior de Agronomia.
Admira o insigne pensador António Sérgio, cujo brilhantismo ideológico sempre o irá nortear.
Ainda estudante de Agronomia, assina as listas do Movimento de Unidade Democrática, tendo sido perseguido pela PIDE.
É aluno brilhante dos insignes PROFESSORES Henrique de Barros e Carlos Manuel Baeta Neves, entre outros.
Inicia a sua carreira como técnico de gabinete da FNPT (Federação Nacional de Produtores de Trigo).
Exerce as funções de técnico na Inspeção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais.
Ingressa na fundação Calouste Gulbenkian, técnico do Departamento de Gestão e Cooperação Agrícolas do Centro de Estudos de Economia Agrária, CEEA.
Participa, na Inglaterra e em França, em sessões de estudo promovidas pela OECE (Organização Europeia de Cooperação Económica).
Faz estágios de CONTABILIDADE na Suíça.
Participa na XII ª CONFERÊNCIA DA AIEA em LYON, num Seminário sobre ANÁLISE E PLANEAMENTO DA EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA em Angola, no SIMPOSIUM EUROMEDITERRÂNICO SOBRE INVESTIGAÇÃO EM ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAIS, na XIVª CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DOS ECONOMISTAS DE AGRICULTURA, em MINSK.
Notáveis as conferências na UREMEG (Universidade de Minas Gerais, na Universidade de S. Paulo, em MINSK, além das que faz em Portugal.
Dá vários cursos nos Açores.
É assessor do MINISTÉRIO DE AGRICULTURA E PESCAS.
No âmbito da sua vida profissional publica, além das conferências, algumas obras que refiro a título de exemplo, para não me alongar:
“CONTABILIDADE AGRÍCOLA GLOBAL” primeiro livro que em Portugal abordou o tema. Teve 2ª edição e foi adoptado como livro de texto nas Escolas portuguesas de Regentes Agrícolas e na “Escuela Técnica de Peritos agrícolas de Sevilha”. Integra a bibliografia recomendada no INSTITUTO SUPERIOR DE AGRONOMIA de Lisboa.
“LE REHAUSSEMENT DES QUALIFICATIONS EXECUTIVE ET ADMINISTRATIVE DANS LA PRODUCTION ET LA COMMERCIALISATION DES PRODUITS AGRICOLES”. Editado em Moscovo em 1970.
“IMPROVING THE OPERATIONAL AND MANAGERIAL QUALIFICATION IN THE PRODUCTION AND MARKETING OF FARM PRODUCE”. Editado em OXFORD.
Viaja pelos Açores, Espanha, França, Inglaterra, Suíça, Bélgica, Alemanha, Áustria, Ucrânia, Rússia, Libéria, Angola, Cabo Verde, Guiné. Conhece as cidades mais emblemáticas do Brasil.
Homem de uma cultura invulgar continua, como o seu Pai, a honrar Arganil pelo legado cultural que lhe deixou.
Quem, como eu, teve a dita de com ele privar, jamais o esquecerá e, por admirável gratidão, comungando este amor incondicional pelo nosso torrão natal, terá o dever de perpetuar a sua memória, não a deixando estagnar nos escaparates.
Maria Olívia Nogueira
Arganil, 9 de Junho de 2022
(Obs. O texto não respeita o Novo Acordo Ortográfico)