Ao longo das últimas semanas temos vindo a registar, em diversos momentos públicos, diferentes opiniões sobre a questão da deslocalização do Centro de Saúde de Arganil, tendo já tomado posição, quer representantes da oposição socialista e quer o próprio Presidente da edilidade camarária, sobre este assunto, razão pela qual, e em exclusivo, realizámos entrevista junto do Provedor da Misericórdia, António Carvalhais da Costa, versando esta temática.
E sendo a Misericórdia de Arganil uma das visadas em diversas dessas declarações públicas, nomeadamente na Assembleia Municipal de 25 de Abril, marcada não apenas pela temática da construção do novo Centro de Saúde, mas também pela presença de um movimento de defesa da continuidade no espaço que atualmente ocupa, tendo para isso entregue uma petição subscrita por perto de 50 firmas e um abaixo-assinado com cerca de 1100 assinaturas, torna-se salutar conhecer o posicionamento da Instituição arganilense em relação a este tema que tem suscitado tanto interesse, designadamente após a decisão, por parte da autarquia, da construção de um novo equipamento.
CA: Como encara a decisão anunciada pela Câmara Municipal de deslocalização do Centro de Saúde e da SUB/Urgências do atual local para um novo edifício a edificar?
Provedor: Como é óbvio, enquanto cidadão, mas acima de tudo enquanto Provedor da Misericórdia de Arganil, entendo essa decisão como sendo do foro político-partidário, razão pela qual a aceito com sentido democrático e, dessa forma, tenho que a respeitar.
No entanto, tal não significa que concordo com essa decisão, antes pelo contrário, discordo profundamente da mesma e não posso deixar de dizer que a opção tomada, quer em termos políticos e quer em termos partidários, tem rostos.
Assim, no campo político o seu principal rosto é o do atual Presidente da Câmara Municipal de Arganil, Dr. Luís Paulo Costa.
Já no âmbito partidário, do lado do PSD o rosto é o da respetiva Presidente da Concelhia, Dr.ª Elisabete Oliveira, e do lado do PS a responsabilidade cabe inteiramente ao Sr. Paulo Teles Marques, Presidente dessa estrutura local e atual vereador da oposição.
Contudo, destaco que essa minha discordância radica, essencialmente, no facto de entender que a saída do Centro de Saúde e da SUB, vulgo urgências, do núcleo central da vila, será a machadada final para acabar com a vivência e centralidade que a sede do concelho, ou de qualquer concelho, deverá ter.
Sendo uma opção exclusivamente político-partidária esta terá seguramente consequências, sejam elas eleitorais ou económicas, validando ou penalizando essas escolhas. Estas são as regras da democracia, e eu, enquanto Provedor, aceito e respeito.
CA: Mas que razões aponta para essa discordância com a decisão tomada?
Provedor: Bem, essas razões são de vária ordem e não têm que ver unicamente com o posicionamento da Misericórdia sobre este assunto em particular, senão vejamos.
Hoje em dia, os centros urbanos, especialmente os respetivos cascos históricos, têm a sua vivência alicerçada no pequeno comércio e no acesso a serviços, que, conjuntamente com o retorno dos residentes, asseguram a vitalidade indispensável desses espaços.
Ora, nos últimos anos assistimos a obras de requalificação no centro da vila de Arganil, ao incremento e estímulo da recuperação de imoveis, à concentração de serviços bancários e outros, ou mesmo à construção de equipamentos destinados aos mais vulneráveis como é a Casa dos Afetos, todos na expetativa de que os serviços existentes, como o Centro de Saúde e as Urgências, se mantivessem como alavancas nessa dinâmica de reforço do casco histórico.
Ao invés disso, a anunciada saída vai interromper essa tentativa de revitalização, colocando em risco muitos negócios e investimentos realizados.
Por outro lado, tem sido também anunciada a intenção de deslocalização do Quartel dos Bombeiros ARGUS, o que por si poderá significar uma outra perda, representando um rombo muito significativo no combate à desertificação da vila de Arganil, aspetos que associados à demora na recuperação do Cineteatro Alves Coelho, poderão originar a “tempestade perfeita” para dizimar cerca de 50 comerciantes e empurrar os arganilenses para fora da sua vila.
Importa perceber que, na atualidade, os territórios urbanos estão segmentados por cinturas com diferentes áreas de atuação.
Assim, no círculo mais externo dos territórios urbanos temos as zonas industriais, a seguir a estas temos uma rede viária de interligação que permite a deslocação de um segundo círculo, composto por áreas residenciais de onde partem as pessoas para trabalhar, e por fim, no núcleo dos centros urbanos, concentra-se o pequeno comércio e, cada vez mais como política de revitalização desse mesmo núcleo, um crescente número de residentes cuja permanência, ou retorno, é estimulada pela manutenção de um vasto leque de serviços públicos, ou privados, de proximidade.
Nós em Arganil fazemos o contrário! Razão pela qual poderemos vir a assistir, ainda mais, ao declínio da vida no centro da vila de Arganil.
Depois, ao longo dos últimos anos tem havido uma tentativa de disfarçar isso com eventos mais ou menos vistosos que, em bom rigor, pouco deixam aos comerciantes e pouco fica nos dias subsequentes a esses eventos.
Combater o abandono dos centros urbanos e os seus cascos históricos faz-se através da conjugação de três componentes: habitação, comércio e serviços, pois são estes três aspetos que asseguram a regularidade necessária à permanência de pessoas e são estas que asseguram a vida desses centros, razão pela qual a continuidade do Centro de Saúde e Urgências são essenciais.
Por outro lado, e já do lado da Misericórdia, a saída do Centro de Saúde e das Urgências será perniciosa, não apenas porque afasta, fisicamente, a prestação de cuidados de saúde a uma população por natureza mais vulnerável como são os idosos, mas também porque desmembra um “cluster” que estava a ser criado, conjugando os setores público e social no desenvolvimento de novas respostas vocacionadas para a saúde.
Recorde-se, que na mesma zona funcionam hoje o Hospital Dr. Fernando Valle, com camas de cuidados continuados, uma Unidade de Medicina Física e de Reabilitação, o Centro de Saúde e as Urgências, tendo a Misericórdia investido mais de 3 milhões de euros, sem qualquer apoio público, requalificando o antigo Hospital de Beneficência Condessa das Canas tendo em vista colocar aí novos serviços de saúde, para os quais realizou candidatura a camas de paliativos, convalescença e longa duração.
Já para não falar de que foi através das obras realizadas pela Misericórdia que foi solucionado o problema do saneamento do Centro de Saúde e das Urgências e que se arrastava há vários anos, intervenção esta que não cabia à Santa Casa.
Sucede porém, que a saída das estruturas públicas, ao invés de reforçar esse “cluster” na região, vai antes enfraquece-lo e desenganem-se aqueles que pensam que irão ter novos serviços no putativo Centro de Saúde a construir.
O espaço que atualmente é ocupado, quer pelo Centro de Saúde e quer pelas Urgências é suficiente e dá resposta, e só não funciona melhor porque, ao longo dos últimos anos, com particular incidência nos últimos dois a três anos, houve um desinvestimento no funcionamento das áreas de laboratório, RX, entre outras.
O Estado, por via da ARSC, desresponsabilizou-se de coisas tão simples como fazer a manutenção do sistema de AVAC, do circuito de aquecimento, do desentupimento, por exemplo, das caleiras, da substituição e reparação da luminária, entre tantas outras coisas.
Por isso, quando ouço dizer que chove no edifício, ou é muito quente no verão e frio no inverno, apetece-me perguntar: porque razão as manutenções das componentes técnicas e do edifício não ocorreram no tempo devido?
Até mesmo a questão das acessibilidades é um falso problema, na medida em que durante os anos de 2020 e 2022 o grosso das obras realizadas na reabilitação do antigo hospital obrigou ao encerramento da entrada principal do acesso às Urgências, tendo sido o acesso às mesmas feita por uma alteração temporária do sentido do trânsito e não há registo de constrangimentos nesses acessos.
Ou seja, durante o maior condicionamento que existiu as acessibilidades funcionaram.
Coisa diferente é ter sido articulada com a Misericórdia uma proposta de regulação do trânsito para o acesso às Urgências, e só no dia 15 de Maio do corrente ano é que foi comunicada a implementação dessa proposta, ou seja, volvido mais de um ano. Por isso não falem de dificuldades nas acessibilidades às urgências.
Já para não falar do condicionamento na avenida principal de Arganil, no espaço entre a Câmara e o Cineteatro, priorizando o acesso pedonal, em detrimento da circulação das viaturas o que poderá criar constrangimentos no acesso ao atual Centro de Saúde e SUB / Urgências.
E este condicionamento veio a ser implementado já depois da realização do grosso das obras de intervenção na galeria da Ribeira de Amandos…Ou seja, gastaram-se milhares de euros de reforço da avenida principal de Arganil para, no final, ser priorizada a circulação pedonal em detrimento de viaturas!
Será que avenida cairia com a circulação pedonal?
Já para não falar da questão do estacionamento, situação que a Misericórdia, em reunião com o Sr. Presidente da Câmara, se disponibilizou para solucionar através do aumento dos lugares de estacionamento.
Deixe-me ainda dizer-lhe, e é a minha opinião, que o abandono a que votaram o Centro de Saúde e as Urgências destina-se a justificar o encerramento destas últimas num futuro próximo.
Eu acho que a construção de um novo Centro de Saúde servirá apenas como “isco” para o encerramento, a médio prazo, da SUB / Urgências de Arganil, começando por afastar os públicos mais vulneráveis da porta de entrada desta, culminando no esvaziamento e definhamento lento a que temos vindo a assistir desse serviço.
Na sequência desse esvaziamento, questiono então:
Quantas noites a urgência da SUB funcionou no mês de Março sem pessoal auxiliar?
Porque faltam reagentes no laboratório de análises e peliculas no RX?
Ficaram aqui algumas questões que têm na base o gradual definhamento das Urgências, cabe aos responsáveis políticos procurar as respostas, mas também as soluções!
Por fim, não posso deixar de recordar que os estudos técnicos que suportaram a instalação das urgências em Arganil, em detrimento de outros Municípios na região, têm já, pelo menos, uma década, e neste período de tempo muito mudou, quer em termos demográficos e quer em termos de acessibilidades.
Por exemplo, o nosso Concelho perdeu um número significativo de população que poderá, entre outras coisas, implicar a redução do número de vereadores a eleger e, consequentemente, o respetivo orçamento camarário.
Razão pela qual, qualquer mudança, até das instalações físicas do Centro de Saúde, poderá originar a saída das urgências e recorde-se, também, que a SUB/Urgências e o Centro de Saúde são respostas diferentes e sob a responsabilidade de entidades distintas.
Esta é outra confusão que anda por aí, misturam-se Centro de Saúde e Urgências como se fossem a mesma coisa, mas não são.
Nesse sentido, afirmo que o entendimento da Misericórdia é a de que foi aberta uma caixa de pandora cujas consequências para a continuidade das Urgências em Arganil ainda estão a desenhar-se no horizonte e era escusado!
CA: Então mas Sr. Provedor esta situação da deslocalização do Centro de Saúde e das Urgências não poderá ter que que ver com litígios judiciais?
Provedor: Obviamente que não. As situações judiciais que resultam de processos interpostos pela Santa Casa contra a ARSC decorrem há mais de quatro anos, e foram originados devido à irredutibilidade dessa entidade pública em cumprir e honrar os compromissos existentes e sobre os quais nunca desejou falar e encontrar uma solução consensual.
A Misericórdia fez o que lhe competia, contra a sua natureza, mas defendendo os interesses da Instituição, mas também da comunidade, e se as urgências ainda não fecharam ao longo destes últimos anos, no meu entender, foi porque a Misericórdia não abdicou de fazer cumprir os contratos assinados e que, num Estado de Direito, ainda deverão ter algum valor.
(Continua nas páginas seguintes)
Num dos processo a ARSC foi condenada a pagar à Instituição as rendas que, unilateralmente, entendeu não pagar, e que, vejam bem, apesar da sentença transitada em julgado em Setembro de 2023, ainda não as regularizou.
Para o público ter noção, a ARSC deixou de pagar o que era devido, e estava contratado desde 1981, logo no ano de 2020, prolongando-se até à presente data, com a agravante de que essa postura sucedeu em plena Pandemia de COVID-19, afetando gravemente a tesouraria da Instituição, especialmente quando era necessário adquirir equipamentos de proteção individual (EPI), realizar testes, adquirir material de desinfeção, assegurar postos de trabalho entre tantas outras coisas.
A este propósito gostava de realçar que durante esse período a Misericórdia não entrou em “Lay of”, mantendo todos os postos de trabalho, ao contrário de outras entidades…e assumiu essa estratégia em defesa da comunidade e da coesão social.
Em bom rigor, desde 2020 que a Misericórdia, por via indireta, financia o funcionamento dos serviços de saúde em Arganil, na medida em que deixou de receber as verbas que lhe eram devidas, mas que terão sido usadas em algum outro lado, certamente na prestação desses mesmos cuidados, embora se desconheça quais…
Já num segundo processo, ainda em curso, a ARSC, ao invés de se sentar e encontrar uma solução, como aliás o Tribunal assim deu a entender, vai ao saco do PRR e arranja, como alguns políticos cá do burgo disseram, “um presente de Natal para Arganil”…eu acrescento envenenado!
No meu entender, tenho a sensação que tudo isto foi propositado para ser atingido um fim, na medida em que a solução do problema não era difícil, sendo antes viável e poupava dinheiro.
A não ser que o dinheiro do PRR seja para desbaratar e tirar da cartola Centros de Saúde à medida do “freguês”, será? Em bom rigor, era importante perceber-se quais os critérios que estiveram subjacente à inscrição de uma verba no PRR para um novo Centro de Saúde.
Terá sido por causa de um Processo Judicial que visava repor o cumprimento dos contratos assinados e os compromissos assumidos? Se assim foi, não deixa de ser, no mínimo, estranho!
Vejamos então, tivemos uma audiência a 5 de Dezembro de 2023, a qual foi suspensa por três meses para que se chegasse a um acordo, no entanto, nunca existiu disponibilidade da ARSC para esse consenso e muito menos para reunir, mas logo no dia 16 de Dezembro, em sessão da Assembleia Municipal, é feito o anúncio de que o PRR vai financiar um novo Centro de Saúde, tendo sido assinado, posteriormente, o acordo de transferência de competências para o Município de Arganil! Então isto significa o quê?
Qual é a responsabilidade dos políticos?
Por outro lado, ao longo destes anos a Câmara Municipal de Arganil, através do seu Presidente foi devidamente informado, formal e informalmente, quer através do Provedor e do Vice-provedor, da situação do processo.
A título de exemplo, tivemos reunião agendada para os dias 14 de Fevereiro, 14 e 18 de Março, deste ano, com o Presidente de Câmara, onde analisámos, entre outros assuntos uma possível proposta de acordo para que fosse possível a continuidade do Centro de Saúde e da SUB / Urgências no local onde estão.
Aliás, na continuidade dessas reuniões a Misericórdia aprovou um mandato para que a Mesa Administrativa tivesse, formalmente, todos os poderes para encerrar o processo mantendo os serviços em causa no mesmo local onde se encontram.
Por outro lado, no dia 3 de Abril, o Vice-provedor informou, telefonicamente, o Dr. Luís Paulo Costa, da formalização do mandato pela Assembleia Geral da Misericórdia nos termos da proposta apresentada pela Mesa Administrativa.
Reitero que essa mesma proposta era já do prévio conhecimento da Câmara Municipal de Arganil, por intermédio do seu Presidente, tendo este, à data, manifestado disponibilidade para ajudar à respetiva concretização em reunião a realizar com a ARSC e a ULS de Coimbra.
Escusado será dizer que, publicamente e em termos gerais, a dita proposta foi divulgada neste mesmo jornal, com uma mensagem clara de que a Misericórdia e a Câmara procuravam uma solução, bastando para isso revisitar a edição em causa, ou pelo menos era essa a nossa perceção!
Essa reunião com todas as entidades esteve agendada para o dia 15 de Abril, tendo sido adiada, a pedido da Câmara Municipal, mas não da Misericórdia.
Agora, importa que os leitores se recordem do seguinte, no dia 5 de Abril é publicado no Diário da República a abertura de concurso para o projeto do novo Centro de Saúde e no dia 8 do mesmo mês o vereador da oposição, arq. Miguel Pinheiro, reforça que o processo de deslocalização está decidido e que, inclusive, já existe um eixo de localização!
É bom que tenhamos todos a noção de que os avisos de abertura de concursos publicados no Diário da República, no mínimo, têm de ser remetidos com 15 dias de antecedência, o que significa que quando a Misericórdia realizou a sua Assembleia Geral, no dia 28 de Março, o concurso já tinha sido aprovado.
Qual foi o papel da Misericórdia nisto tudo? Pessoalmente posso considerar que fomos enganados!
Mais ainda, e puxando um pouco a fita do tempo e analisando as atas das reuniões de Câmara verificamos que: em 28 de Novembro de 2023 foi anunciado pelo executivo, com a concordância da oposição Socialista, que se preconizava a construção do novo Centro de Saúde; depois, o projeto funcional viria a ser elaborado logo após a Assembleia Municipal de Dezembro de 2023, sendo remetido à ARSC e onde se incluía já uma possível localização do novo equipamento.
Significa pois, que o engano da Misericórdia vinha de trás e que nunca houve qualquer vontade para um acordo que possibilitasse manter os equipamentos no local onde ainda se encontram.
Por isso eu afirmo, a questão dos processos judiciais nada têm que ver com a opção da deslocalização do Centro de Saúde e da SUB / Urgências, estes apenas foram usados como uma “cortina de fumo” que serviu o PS e o PSD de Arganil para tomarem uma decisão que é político-partidária e que a devem assumir enquanto tal.
Partidos esses que foram devidamente informados da situação, quer no dia 3 de Janeiro e quer no dia 17 de Janeiro, do corrente ano respetivamente, e ambos os Partidos foram alertados para o que estava em jogo, não apenas para a Misericórdia, mas de igual modo para a comunidade, para a Região e para o erário público, isto no caso de os contratos existentes não serem cumpridos. Ora, nessas datas, os representantes locais desses Partidos já tinham optado pela deslocalização, mas não tiveram a coragem e a frontalidade de nos informar disso!
Por último, e não menos importante, como poderão os representantes políticos do Concelho de Arganil invocar os processos judiciais contra a ARSC como argumento para o lançamento do projeto de um novo Centro de Saúde, optando pela sua deslocalização, quando o próprio acordo de transferência de competências estabelece que todos os processos em curso, ou anteriores a essa transferência, são da responsabilidade dessa mesma ARSC?
Na realidade, a Câmara Municipal de Arganil, e os políticos que a compõem, usam a “camuflagem” da existência dos processos judiciais, apenas porque não existe a coragem para assumir que estamos perante uma opção político-partidária, invocando-se terceiros para justificar essa opção – estamos pois, perante uma clara falta de coragem no processo de decisão, conforme aliás se depreende do que foi afirmado na Assembleia Municipal de 25 de Abril, quando o Dr. Luís Paulo Costa referiu não estar disponível para “herdar” processos judiciais, esquecendo o que foi firmado no protocolo de transferência de competências e no qual ficou estabelecido ser da responsabilidade da ARSC as eventuais consequências desses processos!
Reitero, os processos judiciais contra a ARSC nada têm que ver com a deslocalização do Centro de Saúde, usar esse argumento é enganar as pessoas e, muito em particular, os eleitores.
CA: Face a tudo isto como reage então à decisão de construção de um novo Centro de Saúde e SUB, deslocalizando-os do espaço que atualmente ocupam no centro da vila de Arganil?
Provedor: Reajo com surpresa primeiro, estranheza em segundo e por último com uma enorme desilusão.
Surpresa por todo o que já aqui explanei, designadamente que estávamos a tentar consensualizar uma solução para a resolução da situação e somos apanhados, literalmente, na curva com uma decisão consumada por parte da autarquia, incluindo executivo e a oposição do PS.
Ou seja, a opção, no nosso entender e desde o princípio, já estava tomada de forma consciente, conforme o anúncio realizado na Assembleia Municipal de 16 de Dezembro, mas a que a Misericórdia sempre deu o benefício da dúvida, até ao dia em que as provas públicas se tornaram demasiadas ostensivas e irrefutáveis sobre essa mesma decisão.
Estranheza, na medida em que andámos a fazer reuniões com o Presidente da Câmara, onde, aparentemente, parecia existir uma vontade para manter os serviços nos atuais locais e onde chegou a ser aventada pela Misericórdia a possibilidade do investimento inscrito no PRR ser canalizado para o reforço das Urgências, fosse em equipamento, competências técnicas e manutenção dos espaços, mas que depois percebemos que nada disso era viável face ao histórico de decisões tomadas sem que dessas fosse dado conhecimento à Santa Casa.
Estranheza ainda, pelo facto de termos informado, presencialmente, as estruturas locais dos Partidos políticos sobre a situação em apreço, e nunca nos ter sido transmitido, com a clareza que se impunha, que a decisão estava tomada e que era uma opção politica.
E por fim, uma profunda desilusão.
Desilusão pelo sentimento de engano, desilusão por mais uma machadada no centro da vila e no seu Casco Histórico e desilusão por ter sido dito tanta coisa que não corresponde minimamente à realidade.
E as pessoas que são os rostos da decisão de deslocalização destes serviços de saúde têm como obrigação refletir sobre o sentimento silencioso que a petição e o abaixo-assinado, da responsabilidade de um movimento de cidadãos, vieram a revelar.
Pelo que sei, na data do dia 25 de Abril foram entregues cerca de 1100 assinaturas de cidadãos e perto de 50 firmas contra a saída do Centro de Saúde e a SUB do espaço atual, questiona-se então: o que significa isso e que leituras fazem os responsáveis políticos locais?
Por outro lado, a nova localização do Centro de Saúde, que à data em que dou esta entrevista, ficará ou após as duas grandes superfícies comerciais (Lidl e Continente) no sentido Arganil – Sarzedo, ou entre estas, passará a funcionar como uma barreira psicológica em que as pessoas que irão aos serviços de saúde, aproveitarão para realizar as suas compras nessas superfícies e seguirão para casa, ou seja, nem terão qualquer necessidade de entrar sequer no centro da vila!
CA: Percebendo existir aqui alguma mágoa na forma como sente que a Misericórdia foi tratada, como serão no futuro as relações com a Câmara Municipal de Arganil?
Provedor: Deixe que lhe diga que tomar conta dos destinos de uma Instituição como a Misericórdia não pode estar subordinada a estados de alma, pois no final do mês temos contas para pagar e serviços para prestar.
Ainda temos faturas para pagar ao empreiteiro que realizou as obras de reabilitação do antigo hospital, e cujas verbas devidas pela ARSC são essenciais para isso, assim como o empréstimo que contraímos para esse efeito e em que, mais uma vez, a ARSC nos falhou com o apoio contratualizado para a dita obra de requalificação.
Obviamente, as decisões tomadas reforçam a legitimidade da Instituição para exigir tudo aquilo a que tem direito, inclusive, e caso se concretize a saída do Centro de Saúde e a SUB / Urgências, o devido ressarcimento pelo incumprimento das expetativas resultantes dos acordos e contratos celebrados no passado para a construção e ampliação do então Centro de Saúde, e este não é um pormenor de somenos.
Aliás, este será, provavelmente, o primeiro problema do próximo Presidente de Câmara, seja o atual ou seja outro, é que o protocolo de transferência de competências assinado pelo Município acautela os processos judiciais em curso ou anteriores a essa transferência de competências na área da saúde, mas não os novos que resultarem do incumprimento dos acordos e contratos no âmbito da questão do Centro de Saúde, e registe-se que a decisão de deslocalização é exclusiva da autarquia e não da ARSC.
Se isso vier a suceder também não será por falta dos alertas já realizados, quer junto do Partidos Políticos, PS e PSD, e quer junto do Dr. Luís Paulo Costa, à semelhança do que fizemos aquando da sentença favorável à Misericórdia no caso do não pagamento das rendas devidas a esta Instituição, condenando a ARSC a repor as mesmas e quem lhe viesse a suceder.
Dizer-se ainda, que não deixámos de fazer esse alerta no passado dia 3 de Maio, em reunião realizada em Coimbra com a ULS, a ARSC e a Câmara Municipal de Arganil, onde saudámos a disponibilidade do Presidente do Conselho de Administração da ULS de Coimbra para tentar encontrar aqui uma solução relativa a algumas questões pendentes e que esperemos, a bem de todos, realizarmos uma convergência.
Embora, reitero, a não continuidade do Centro de Saúde e das Urgências no atual local esteja já decidida pela autarquia.
No entanto, a nossa relação com a Câmara Municipal de Arganil será feita no quadro do normal relacionamento institucional, onde desejamos manter, ou reforçar, as parcerias e, de igual modo, não sermos prejudicados, ou penalizados, por defendermos, não apenas os interesses e direitos da Misericórdia, da comunidade que serve, mas também por defender uma conceção estratégica para o desenvolvimento da vila de Arganil onde estamos localizados e inseridos.
Obviamente, esperamos ter os apoios que entendemos merecer e aqui recordo que aguardamos resposta ao pedido de apoio para as obras que realizámos com a reabilitação do Hospital Condessa das Canas; a concretização da requalificação do Cineteatro Alves Coelho; o apoio politico à instalação de respostas no âmbito dos Paliativos, Convalescença e Cuidados Continuados; entre tantas outras matérias.
Afirmo que sempre entendemos, e respeitámos, o papel do Presidente da Câmara Municipal, e sempre nos colocámos do lado das soluções, mas considero que não merecíamos deixar de obter as respostas e as decisões com a frontalidade que se impunha.
Seguramente o concelho ganhará sempre mais se entre o Poder Local e as Instituições da Sociedade Civil coexistir uma sintonia de objetivos e estratégias para o bem de todos.
Dito isto, continuaremos a trabalhar com a Câmara, fazendo questão da presença do Presidente de Câmara e do apoio deste nas várias iniciativas que desenvolvemos, trabalharemos ainda, com todos os Partidos Políticos, com a comunidade, mas sem que isso implique abdicarmos do nosso pensamento e da nossa linha de atuação, e nessa linha de atuação a memória dos que me precederam, dos que trabalharam e trabalham na Misericórdia e dos seus beneméritos, tem muito peso, razão pela qual somos uma Misericórdia e não uma outra entidade qualquer, com todo o respeito que estas nos merecem.
C.A: E por falar em futuro, qual será o futuro do reabilitado Hospital de Beneficência Condessa das Canas e se há, ou não, data prevista para sua entrada em funcionamento?
Provedor: Essa é uma das situações que nos preocupa de sobremaneira, desde logo porque estava prevista a abertura de candidaturas ao PRR no início de 2022 para o alargamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, designadamente no campo dos Paliativos, o que não veio a suceder.
Posteriormente, essa data foi avançada para o final de 2022, o que também não veio a verificar-se, transitando essa perspetiva para o arranque de 2023, o que também não veio a concretizar-se, e só apenas no último trimestre desse ano é que as candidaturas foram abertas, tendo a Misericórdia submetido a sua.
Neste momento, continuamos a aguardar decisão sobre a nossa candidatura, sabendo de antemão que a nossa pretensão é incómoda para muita gente, especialmente porque prevê a possibilidade de entrada em funcionamento de uma Unidade vocacionada para Cuidados Paliativos, cuja dimensão da intervenção geográfica é muito significativa e estando em jogo, de acordo com o plano regional, apenas 10 camas para adultos na Região Centro.
A eventual aprovação, conjuntamente com as outras tipologias associadas à candidatura apresentada – Convalescença e Longa Duração – causará alguma relutância a quem defende a concentração na capital de distrito dessas respostas, ou a quem não viu com bons olhos a nossa defesa intransigente dos nossos direitos.
Já para não falar de que a ARSC poderá ainda ter um papel na decisão da candidatura, e, não quer dizer que seja o caso, muitas vezes a máquina do Estado não gosta de ser afrontada…é como aquele provérbio: eu não acredito em bruxas mas que as há, há!
Não obstante esses constrangimentos, a candidatura da Misericórdia procurou diferenciar-se pela poupança de fundos, tendo solicitado cerca de 400 mil euros, bem abaixo de outras na casa de milhões de euros de investimentos. Estamos portanto, expetantes.
Importa contudo, realçar que o Hospital ainda não abriu por fatores externos à Instituição e relacionados com os atrasos no lançamento de candidaturas, face ao que estava inicialmente preconizado.
No entanto, seja no âmbito do PRR, ou seja noutra modalidade, será encontrada uma solução, contra ventos e marés diga-se em abono da verdade.
Os arganilenses, logo que seja possível, terão em funcionamento o seu Hospital, especialmente agora que o Centro de Saúde irá ser deslocalizado, podendo esse funcionamento passar, entre outras coisas, por uma parceria com privados, através da oferta e acesso a diversas especialidades médicas.
Mas também aqui não pretendemos precipitarmo-nos, temos urgência na abertura do antigo Hospital, a começar por força da pressão financeira que a manutenção do seu fecho coloca na tesouraria da Instituição, mas sempre com o cuidado que este tipo de processos e de decisões carecem.
Não podemos fazer o que criticámos nos outros, ou seja, decidir sem ponderar as alternativas e o seu impacto, presente, mas também futuro.
O nosso compromisso atual e em relação ao Hospital de beneficência Condessa das Canas, é o de desenvolvermos uma resposta que vá ao encontro das necessidades da população, não descartando nenhum modelo de desenvolvimento dessa resposta, incluindo a oferta privada.
Será curioso que quem tanto enche a boca com a defesa do Serviço Nacional de Saúde, tenha sido responsável por anular essa presença no emblemático edifício, onde residem as memórias de quem tanto fez por esse mesmo SNS…a história fará sempre a sua justiça, de uma forma ou de outra.
Não será por acaso que o busto do Dr. Fernando Valle está junto ao Hospital de Beneficência Condessa das Canas, mais propriamente junto ao seu antigo consultório, tendo de frente o edifício com o seu nome…busto que foi ali colocado com o apoio
da Misericórdia.