Em conversa com o nosso jornal, o professor José Dias Coimbra, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Arganil, começou por nos dizer que “ao entrar nos 122 anos de publicação, A COMARCA não pode deixar de homenagear o saudoso director, João Castanheira Nunes, e recordar os 100 anos do seu nascimento”.
Uma homenagem que, depois da suspensão de A COMARCA em 10 de Junho de 2009, começou com o seu ressurgimento, quase dois anos depois, pelas mãos e iniciativa do professor José Dias Coimbra que, como recordou, “foi das coisas lindas da minha vida” mas, para isso, foi necessário também “pedir a 60 amigos e arranjar cerca de 50 mil euros para criar uma Fundação e adquirir o título deste jornal que, ao longo dos anos, teve grandes obreiros como João Castanheira Nunes, sem esquecer todos aqueles que ali conheci, e que teve uma força muito grande na ajuda ao desenvolvimento e ao progresso de Arganil e da região”.
“Era uma injustiça deixar que o título fosse vendido em leilão, no Tribunal, por dez reis de mel coado a outra gente, com outros fins que não fossem aqueles que há 121 anos levaram à fundação do jornal A COMARCA DE ARGANIL. Honra seja feita a esses 60 amigos que ajudaram a criar a Fundação que, por força da lei, acabaria por ser extinta, passando depois a propriedade do jornal para a Santa Casa da Misericórdia de Arganil. E isso orgulha-nos. Orgulha-nos este jornal, que continua resplandecente e sempre na primeira linha na defesa dos interesses da Beira Serra e já um pouco para além dela, como nos orgulha o incentivo e o reconhecimento, pelo nosso trabalho, dos assinantes, dos anunciantes, dos colaboradores, dos amigos, dos autarcas. Estou satisfeito”, disse o professor José Dias Coimbra.
Por isso e mais uma vez, o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Arganil não deixou de salientar que, “em dia de aniversário, além de não esquecermos todos aqueles, gente ilustre, que fundaram e serviram ao longo dos anos este jornal, não poderíamos deixar de recordar e honrar a memória do homem, da grande personalidade que deu força e alma à A COMARCA DE ARGANIL e que foi João Castanheira Nunes que, há 100 anos, nasceu em Arganil”.
Mas foi também há 66 anos que chegou a Arganil, vindo da Pampilhosa, do concelho da Mealhada, um jovem professor primário que, desde logo e como nos disse, se apercebeu que “era uma terra que vivia com muitas dificuldades. Nessa altura tinha 40, 50 alunos, das quatro classes e desses sabes quantos tinham sapatos? Muito poucos, os outros eram tudo pé descalço, chegavam à escola, no Inverno, com os pés molhados, com uma sacola feita dos sacos do adubo, cheios de frio. Isso preocupava-me e como antes de vir para Arganil tinha estado como professor em S. João da Madeira – estive lá pouco tempo, meio ano mais ou menos, fui substituir um professor que estava doente – e também dava aulas aos adultos, na Sanjo, uma grande sapataria que ali havia e lembrei-me, se eu telefonasse ao meu amigo, dono da sapataria, e lhe pedisse 40 ou 50 pares de sapatos, dizendo que na minha escola não tinha alunos calçados. E então não é que calcei a rapaziada toda? Foi uma alegria, porque só os filhos do juiz e do médico é que tinham sapatos. E não posso deixar de recordar que, uns anos depois, estava no aeroporto de uma cidade dos Estados Unidos da América e um antigo aluno, que não digo o nome propositadamente, veio ter comigo e me diz, olha o meu professor aqui, foi o senhor é que me deu os meus primeiros sapatos, nunca esqueço isso. Foi agradável ouvir isto”, disse o professor José Dias Coimbra.
“Havia fome, havia tuberculose em Arganil. Tinha quatro ou cinco alunos que os pais estavam no sanatório. Mas mesmo assim Arganil foi uma terra que me agradou, imenso, no aspecto cultural, humanitário” e, por isso, além de professor já moderno para a época, não só pela preocupação em calçar os alunos, de com eles conviver, jogar a bola (bons tempos), desde logo e além de aqui constituir família e onde nasceram os seus filhos, não deixou de se envolver também na vida social da vila, servir nas direcções das suas associações como a Casa do Povo, fundou o Rancho Infantil, fez parte dos corpos sociais da Associação dos Bombeiros e, anos mais tarde, acabaria por ser nomeado presidente da Câmara Municipal de Arganil pelo Governador Civil de Coimbra. Era assim ao tempo.
“O meu antecessor foi o marido da grande senhora, de uma ilustre família, D. Arminda Sanches, o coronel Álvaro Duarte da Silva Sanches, um homem duro, muito exigente”, referiu o professor José Dias Coimbra que, depois de tomar posse e mesmo com as limitações próprias da época, “alguma coisa foi feita, porque em Arganil, na comarca de Arganil, em toda a Beira Serra, as Comissões de Melhoramentos é que faziam os melhoramentos no meu tempo de presidente da Câmara. E faziam mesmo. Recordo, por exemplo, a Liga de Melhoramentos da Benfeita, durante anos e anos é que fazia a exploração e o abastecimento de água até que um dia essa responsabilidade acabou por ser foi assumida pela Câmara. A maior parta das aldeias que foram electrificadas no concelho pela Hidro Eléctrica de Arganil, de que era responsável o saudoso eng. Barata Garcia, eram as Comissões de Melhoramentos que pagavam a electrificação. A Câmara não tinha meios para isso. Fizeram um excelente trabalho. Recordo-me das reuniões que fiz na Casa da Comarca de Arganil, em Lisboa, com os seus dirigentes, como e de entre outros o saudoso José Lourenço e outros grandes presidentes da Casa, e com os dirigentes das colectividades regionalistas para tratar de assuntos relacionados com as suas aldeias, para resolver os seus problemas e das suas gentes que ficavam imensamente gratas pelo apoio possível dado pela Câmara Municipal que, ao tempo, teve como grande suporte as Comissões de Melhoramentos”.
E foi no tempo do professor José Dias Coimbra como presidente da Câmara Municipal que, como recordou, o Piódão começou a ficar conhecido, “um dia entra no meu gabinete o arquitecto Eugénio Correia, que era inspector superior de Obras Públicas e não me conhecia e me diz, o senhor vai ser o presidente da Câmara mais falado em todo o Mundo, porque o meu projecto vai ser também badalado em todo o Mundo. Não foi fácil, porque era preciso fazer o contrário daquilo que os emigrantes estavam a fazer, quando tinham algum dinheiro a primeira coisa era caiar a sua casa. E então qual era o projecto do Piódão, era retirar toda essa cal e reboco das casas e deixar o xisto à vista. E então a Câmara começou por dar um subsídio a quem retirasse essa cal, que chamávamos a lepra branca, e a retirar a telha marselha e manter também a cobertura com xisto. E ainda hoje e depois destes anos todos, não me conformo ao chegar ao Piódão e ainda ver lá telha. Não faz sentido. Mas o Piódão ganhou ainda um prédio internacional pela electrificação, feita com projectores e que, pela sua originalidade, ficou de facto conhecido em todo o Mundo. Orgulho-me do trabalho que fizemos, não só no Piódão, mas também na Fraga da Pena, na Mata da Margaraça que hoje integra a Paisagem Protegida da Serra do Açor e que, ao tempo, esteve para ser vendida para serem cortadas as suas árvores. Era um crime, porque aquilo é uma preciosidade”.
Acontece o 25 de Abril de 1974 e, como aconteceu também por todo o país, o professor José Dias Coimbra é obrigado a deixar a presidência da Câmara Municipal onde se manteve durante seis anos e recorda que, “nesse dia, na última reunião de Câmara, eu e os vereadores assumimos que devíamos deixar um voto de gratidão ao Professor Marcelo Caetano, Presidente do Conselho e grande Regionalista e pessoa desta região por aquilo que ele e a família fizeram por estas terras, ao seu sobrinho eng. Rui Sanches, que era Ministro das Obras Públicas e das Comunicações e que concedeu imenso dinheiro para ajudar aos melhoramentos nas nossas aldeias. E sabes que é que isso custou ao professor Coimbra, 72 dias na Penitenciária. Onde até arranjei amigos, como o então capelão, padre Carlos Cosme, que me meteu debaixo da porta da cela um boletim para concorrer a uma escola. E concorri a uma escola de Coimbra, da Pedrulha, onde fui colocado depois da minha saída da prisão, porque o que estava escrito por quem patrocinou a minha prisão é que nunca mais volte a Arganil”.
Depois da escola da Pedrulha, o professor José Dias Coimbra concorre à Escola do Magistério, “ali conheci a minha segunda esposa e orgulho-me do trabalho que ali fiz, até que o professor Vieira de Carvalho, que foi presidente da Câmara da Maia, me telefona e me diz, ó Coimbra, esses gajos da Revolução não percebem nada, deixaram lá uma alínea que nos vai permitir concorrer nas novas eleições democráticas. E em 1980, concorro à Câmara de Arganil e ganhei. O povo assim o quis”.
Era o chamado advento do Poder Local e também Arganil, novamente pelas mãos do professor José Dias Coimbra a liderar a Câmara Municipal, entra numa nova fase de progresso e desenvolvimento, “tenho muito orgulho do Poder Local de que fui co-fundador através da Associação Nacional dos Municípios de que fiz parte, com o então presidente e meu amigo Torres Pereira. E o segredo foi sempre muito trabalho, muita dedicação e não posso deixar de reconhecer que aquilo que foi muito importante é que, nos anos 80, críamos em Arganil muitos centenas de postos de trabalho, com o incentivo e apoio dados à criação de novas empresas, como a Solex, a AMMA. Foi a revolução industrial para a qual contribuiu também, não podemos esquecer, o grande industrial e arganilense Alberto Cruz Almeida, com as suas empresas, particularmente de painéis solares. E também conseguimos trazer uma indústria de confecções para Pomares, em Coja havia a grande empresa que era a Cerâmica da Carriça, em Arganil a Cerâmica Arganilense, os Costas Ferreira, o Abel Fernandes e outras a complementar toda a dinâmica empresarial e a contribuir para criar riqueza no nosso concelho. E foi nesse tempo ainda que, depois de um processo complicado e controverso, mesmo arriscado da cedência de terrenos à Junta de Freguesia, tivemos a sorte de criar a zona industrial no Sarzedo e agora, quando passo ali e vejo a nova zona industrial o lado daquele que eu fiz, sinto uma enorme satisfação e dou os meus parabéns ao actual presidente da Câmara, dr. Luís Paulo Costa. Espero e fico satisfeito é que hajam mais empresas para ali se fixarem”.
“Mas não me posso esquecer do vice-presidente da Câmara e meu colaborador Luís Gomes, que foi incansável em tudo isto, também na criação do Parque de Campismo do Sarzedo, do seu restaurante e do campo de ténis, que foram um sucesso, mesmo uma referência do concelho”, disse-nos o professor José Dias Coimbra, que não esquece ainda outra grande revolução, também muito importante, a cultural e educativa, com a criação do ensino preparatório e técnico em Arganil e para isso, recorda, “tivemos a ajuda de duas ilustres personagens, o dr. Proença de Figueiredo, de S. Pedro de Alva e Director Geral do Ensino Secundário, e do dr. Antonino Henriques, da Moura Morta, director da Escola Técnica Avelar Brotero, de Coimbra, e com o meu amigo dr. Alberto Ferreira e com o meu grande amigo João Castanheira Nunes, desenvolvemos um projecto lindíssimo que foi a criação do ensino técnico e secundário em Arganil, onde apesar de já haver o ensino particular criado por esse grande homem que foi o dr. Homero Pimentel, mas que não era acessível a todas as pessoas. E isso não podia ser. Agora eu espero que Arganil, dentro de algum tempo, faça a justa homenagem ao dr. Alberto Ferreira, dando o seu nome à Escola Secundária de Arganil. Não pode ter outro nome, seria injusto”.
Depois de 10 anos como presidente, eleito, da Câmara Municipal, o professor José Dias Coimbra foi, como disse, “empurrado para provedor da Misericórdia”, uma casa que conhecia bem e que já tinha servido como secretário quando era provedor o saudoso eng. José Pires Nogueira. “A Santa Casa da Misericórdia de Arganil foi sempre servida por provedores de muita categoria, como Albano Pires, padre Adelino Dias Nogueira, eng. Pires Nogueira, Carlos Ribeiro, um homem cheio de força e talento e que foi também um excelente presidente da Câmara. O mais plebeu que existiu como provedor fui eu, filho de um ferroviário. E como é que um plebeu está estes anos todos na Santa Casa”, para onde veio “pela mão do comendador Duarte Martins. E não posso esquecer o trabalho feito nesse tempo, particularmente no velho Hospital Condessa das Canas, pelo enfermeiro Guilherme Ferreira Rodrigues, pelas irmãs religiosas da Congregação Filhas de S. José, pelos médicos, com o dr. Fernando Valle à cabeça, dr. Pimentel, dr. Vasco de Campos, dr. Adolfo Rocha (Miguel Torga), mais tarde o dr. Parente dos Santos, o dr. Armando Cosme, o dr. Virgílio Reis Nunes, o dr. Barreto Leite. A todos a Misericórdia já prestou a justa homenagem”.
Como provedor, o professor José Dias Coimbra tem feito um trabalho meritório, conhecido e reconhecido, em primeiro lugar em favor dos utentes, daqueles que mais precisam, mas também na preservação e manutenção do património da instituição, como aquela que é a menina dos seus olhos e agora designada Mata das Misericórdias, sem deixar de estar sempre preocupado com mais e melhor no que diz respeito à assistência das pessoas, sendo disso exemplo a criação da Unidade de Cuidados Continuados (Hospital dr. Fernando Valle) e agora a grande obra que, no antigo Hospital e em fase de conclusão, é destinada aos cuidados paliativos, o Hospital de Beneficência Condessa das Canas.
“Quando se está a falar de eutanásia, quando se está a por o problema, tem que se falar logo em cuidados paliativos. Falar em eutanásia é um crime. E nós na Beira Serra não temos uma estrutura como esta dos paliativos e para quem está permanentemente a precisar de nós. E então o local é privilegiado, é aquele Hospital que nos orgulha e onde nasceram tantas crianças”, disse o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Arganil, que a terminar a nossa conversa não deixou de recordar ainda que “fui eu que fundei os Lions Club de Arganil, a ideia nasceu de mim e sabes qual é o seu lema, ‘servir e não servir-se’. E eu graças a Deus, não tenho fortuna mas tenho a satisfação de ter passado toda a minha vida a servir porque, como diz o velho ditado, quem não serve para servir, não serve para viver. E o que me fica de tudo isto, é que vale a pena fazermos alguma coisa pelos outros”.