Nascido em Touriz, da freguesia de Midões, Fernando Tavares Pereira é um dos oito irmãos que, desde muito cedo, começou a “estudar” na escola da vida, em “aulas” de trabalho, muito trabalho duro ajudando os pais, “eu com 5 anos ia com o meu pai para Arganil, para a Feira do Mont’Alto, onde estávamos duas noites e três dias a vender laranjadas e pirolitos, cervejas, que também vendíamos no meio da vila, mas aqui a GNR ia tirar-nos de lá para não fazermos concorrência ao café do Teatro, que ainda hoje existe”, recordando que “a Feira do Mont’Alto era das maiores feiras da região, mas infelizmente tem perdido essa grandeza ao longo dos anos”.
Mas além da Feira do Mont’Alto, Fernando Tavares Pereira recorda ainda que “também fazíamos a romaria da Senhora das Preces, do Senhor das Almas, de Santa Eufémia, fazíamos tudo o que era feiras de ano e nesses tempos, apesar de difíceis, havia uma coisa muito boa, a dignidade e o respeito uns para com os outros, coisa que infelizmente hoje escasseia, é só para alguns”. E foi isso que, desde muito novo, aprendeu, “a dignidade e o respeito (com responsabilidade e muito trabalho) são os valores que sempre procurei praticar na minha vida” e, para isso, considera que “a escola ajuda, mas não é tudo, porque quem não tem educação em casa, infelizmente não pode ter respeito para com os outros. E ao nível do trabalho a melhor escola é a da vida, onde eu como tantos outros aprendi”. Primeiro a ajudar o pai nas feiras, na agricultura, depois e com apenas 10 anos, “fui aprender a profissão de serralheiro”, ao mesmo tempo vendia seguros, “ajudava ainda o meu pai no restaurante que tinha, ia buscar os frangos, matava-os para depois serem cozinhados, servia o café às pessoas e recordo até que uma vez me pediram um cachorro e eu não sabia o que era um cachorro, só passado algum tempo é que vim a saber. Até nisso se via a nossa interioridade, a realidade do nosso interior”.
Em 1975 e depois de ter trabalho numa serralharia, em Tábua, Fernando Tavares Pereira, com o irmão Manuel, estabeleceu-se por conta própria com uma serralharia em Midões, “em 1980 acabámos a sociedade e, desde essa altura até hoje, com altos e baixos”, esse seu ramo de actividade acabou por se expandir a outras áreas de negócios que viria a dar lugar ao Grupo TAVFER, que “é actualmente uma referência em áreas tão distintas como a inspecção de veículos, (…) comércio e serviços, nos seus vinhos premiados mundialmente, nos sectores do turismo, imobiliário, saúde, agroflorestal, na indústria e energia, na segurança no trabalho e higiene alimentar”e que estão espalhados pelo país e pelo estrangeiro.
A COMARCA (AC) – Foi um longo o caminho até aqui chegar?
FERNANDO TAVARES PEREIRA (FTP) – Foi longo, de facto, este caminho, mas não posso deixar de referir que, eu como tantos outros, estudámos na escola da vida onde aprendemos com as dificuldades, com muito trabalho, até aos sábados e domingos, sem férias, com esforço, e tudo isso me ensinou a ser aquilo que hoje sou, sem deixar de recordar que quando fiz o exame da quarta classe, em Tábua, fiz também uma cópia de tudo o que tinha feito na prova escrita, que acabei antes dos meus colegas e depois trouxe para mostrar à professora que apenas me disse, tens aqui uma falta, mas se fizeste isto estás aprovado. Isto foi falado em muitas escolas e eu não fui estudar porque somos 8 irmãos. Mais tarde fiz um curso comercial por correspondência, aprendi algumas coisitas, de resto foi sempre a trabalhar na minha área, onde não são só rosas, também tem os seus espinhos e a sorte procura-se, não aparece, mas felizmente tentei e tenho conseguido vencer, mesmo perante tantas adversidades, tantas perseguições. Há uma coisa que é importante, nós antigamente sabíamos porque é que não podíamos falar, hoje não sabemos o que é que podemos dizer. Para mim é mais complicado que aquele tempo, porque hoje quem não é por mim é contra mim. Hoje não temos democracia, estamos numa democracia que não existe. E isso faz-me mesmo lembrar, tinha eu então 18 anos e trabalhava em Tábua, na serralharia, pedi aumento de ordenado, foi-me prometido que no mês que vem ia ser aumentado, mas passou esse mês e veio outro e como não recebesse esse aumento nunca mais lá apareci e depois de ter andado 8 meses no pinhal a colher resina, decidi então ir para Angola, fui ao então Fundo de Desemprego, em Coimbra, onde me perguntaram se tinha carta de chamada e passaporte e, perante essa exigência, eu na minha inocência interroguei se aquilo não era português, até que passado algum tempo o meu pai foi abordado por alguém para eu ter cuidado com o que dizia, caso contrário ia para a cadeia.
AC – Mas nunca deixou de dizer o que pensa?
FPT – Não, ainda há algum tempo estava em Lisboa a tratar de um assunto e um director geral de um organismo público perguntou-me qual era a minha formação, os meus estudos e eu respondi-lhe que eram a minha educação, a minha dignidade e o respeito pelos outros, aquilo que o senhor não tem, porque se tivesse não me fazia essa pergunta. Não posso deixar de reconhecer a importância das Universidades, imprescindíveis para o conhecimento e para o desenvolvimento e crescimento da sociedade, de um país que sem cultura não pode ter futuro, mas não posso deixar de reconhecer também que independentemente da formação académica de cada um, todos devem merecer a mesma dignidade, o mesmo respeito e até as mesmas oportunidades.
AC – Porque fala em oportunidades, o seu concelho tem sabido aproveitar o desejo que sempre manifestou em ali instalar as suas empresas?
FTP – Não, nem sempre assim foi e não posso deixar de referir que, em 1981, vim a Tábua saber se havia um terreno disponível para ali construir a FERTAPER. Para mim não houve terreno, entretanto fui a Oliveira do Hospital onde na altura era presidente da Câmara o dr. António Simões Saraiva e desde logo me foi disponibilizado o terreno para ali instalar a empresa. E lá está ainda hoje e onde tenho empregados desde essa altura a trabalhar comigo e que considero como família. E há uma coisa que é importante, todos eles têm casa própria o que quer dizer que eu os ajudei e eles me ajudaram a mim. Eu nunca me esqueço do bem que me fazem.
AC – Mas mesmo assim nunca quis deixar de querer ajudar no desenvolvimento de Tábua?
FTP – Eu sempre quis isso, só que quando chegava não havia oportunidade e por isso também a instalação de outra empresa em Gouveia, a adega que quis fazer em Touriz, fiz o desaterro, o projecto que até foi aprovado o apoio, só que na verdade acabou por não acontecer, o que quer dizer que lamentavelmente, tirando algumas coisas com que fiquei em Tábua, com muito esforço meu, mas para tudo aquilo que quis fazer as portas estiveram sempre fechadas. (…) Não sei se queriam o desenvolvimento ou se não queriam, mas há uma coisa que é muito importante, já cheguei a ter no concelho cerca de 200 funcionários e quando dizem que não fiz nada por Tábua é mentira, porque ainda tenho hoje cerca de 80 ou 90 funcionários e pago mais impostos do que que pagam todas aquelas que pessoas que falam sobre isso e que estão no executivo camarário. E por isso quero dizer que Tábua deve-me muito por aquilo que tenho feito, que tenho promovido e que tenho trazido também no apoio às empresas. Há coisas que não esqueço, embora haja muitos que se esquecem daquilo que fiz.
AC – Apesar desse esquecimento Fernando Tavares Pereira não deixou de estar sempre disponível para ajudar associações, instituições, mesmo as pessoas do seu concelho e fora dele?
FTP – Como já lhe disse somos oito irmãos e a vida era difícil, é sempre difícil quer se queira quer não. E nós apesar de trabalharmos muito também fomos ajudados. E eu nunca me esqueci das ajudas que nos deram, por isso posso dizer-lhe que nesta região não haverá uma pessoa como eu e as minhas empresas a apoiar pessoas, associações, colectividades. Quando me batem à porta nunca ninguém foi sem nada, desde Viana do Castelo até Faro, mas também não posso deixar de dizer que quando passei por períodos difíceis só um amigo ou outro, são poucos, manifestaram a sua disponibilidade para me apoiarem, porque a maior parte esqueceu-se. Lamento, mas mesmo assim não deixo de ser uma pessoa de fé.
AC – Fé que o levou a percorrer, a pé, os caminhos de Fátima.
E a emoção embargou-lhe a voz, mas Fernando Tavares Pereira não deixou de dizer que é seu propósito voltar a percorrer esses caminhos.
AC – Além da sua absorvente vida empresarial, há uns anos ainda arranjou tempo para ser candidato a presidente do Sporting Clube de Portugal?
FTP – Sempre tive uma paixão pelo Sporting, para o qual tinha um projecto para dignificar o meu clube do coração. Mas antes disso, fui presidente do Tourizense, que ajudei a subir à Terceira Divisão Nacional de Futebol. Tanto fiz pelo clube da minha terra, tanto o apoiei, mas o tratamento que me têm dado tem sido muito triste. No campo está uma placa onde estão gravados os nomes dos presidentes, mas o meu nome não consta lá. O meu nome incomoda muita gente pelo trabalho que faço. É uma mágoa que tenho e não esqueço.
AC – Pela segunda vez candidato à Câmara Municipal, foi eleito vereador, mas pouco tempos depois e depois da tragédia dos incêndios, acabou por renunciar ao mandato para liderar o MAAVIM – Movimento Associativo de Apoio às Vítimas do Incêndio de Midões. O que o levou a tomar essa decisão?
FTP – Na altura, não era para me candidatar, mas com dois meses de antecedência acabei por avançar com a minha candidatura às eleições autárquicas. Diziam que era sete a zero, mas na realidade dos sete fomos eleitos três. Tomei posse como vereador e no dia da tomada de posse aconteceu a tragédia dos incêndios. Ainda fui a duas ou três reuniões de Câmara, mas para mim as pessoas valem mais do que tudo aquilo que possa existir na vida. Ainda na Câmara e perante a tragédia comecei a verificar que se esqueceram de quem tinha necessidades e nós, vendo isso, criamos o Movimento que acabou por se substituir às instituições públicas do Estado, às Câmaras Municipais e eu acredito que se não criasse este Movimento, todas essas instituições, as autarquias fariam pouco ou muito pouco para apoiar e ajudar as pessoas que ficaram sem nada, algumas mesmo na miséria. Eu deixei a vereação e contrariamente a alguns, dei muito do meu bolso. E pedi para darem e ainda hoje perco tempo, que não é tempo perdido, a ajudar muita gente que nada recebeu ainda do Estado, do Município. Fizemos um trabalho digno, que nos orgulha.
AC – Contudo, não deixou de ser acusado de deixar a Câmara para se aproveitar do Movimento?
FTP – Aproveitar o meu tempo, aquilo que era meu, para apoiar as pessoas e as famílias que esqueceram, não é um aproveitamento é um dever que era dos eleitos que deviam estar na primeira linha e não estiveram. Ainda hoje há pessoas à espera das ajudas que deveriam ter vindo e não vieram. Há muita coisa que devia ter sido feita e não foi. Ainda há processos a decorrer em Tribunal. A MAAVIM não é reconhecida pela Câmara Municipal de Tábua como era seu dever. Eu mesmo tenho um processo a decorrer em Tribunal contra então Ministro Capoulas Santos por difamação. Quando o Governo e as Câmaras esquecem pessoas com necessidades, quando ainda há pessoas que estão na miséria, então onde é que estamos?
AC – Perante tantas contrariedades, o que o levou então a ser novamente candidato à Câmara de Tábua?
FTP – Vendo o atraso que o concelho de Tábua tem eu sinto a obrigação – e outras pessoas como eu – de irem para a rua e dizer que já basta do desprezo a que o concelho está votado. O PDM é uma vergonha, em qualquer aldeia não se pode fazer uma casa, um pavilhão e é com a destruição das aldeias que o concelho progride? Tem de ser dadas condições para que as pessoas possam fazer uma casa num terreno que os pais lhe deixaram, se possam fixar. Se formos a ver muitos dos problemas do interior são por culpa das Câmara Municipais.
AC – E se for eleito vai resolver esse problema?
FTP – Esse é um dos problemas que tem de ser revisto para que se possa fazer algo diferente, mas também não posso deixar de me referir a outro grande problema e que queremos resolver no concelho, que é a deficiente cobertura do saneamento básico, numa altura em que todos os concelhos têm essa cobertura completa ou quase completa. Este é um dos piores problemas que existem, há uma aldeia, o Loureiro, onde o saneamento são as águas pluviais a correr pelas ruas. Há programas e apoios comunitários para ajudar resolver estes e outros problemas. É agora ou nunca e acho que quem está a liderar os destinos do Município estar a deixar perder estas oportunidades.
AC – Mas não deixam de haver outros problemas, outras áreas, que merecem a sua preocupação?
FTP –Naturalmente que sim, a reabilitação das aldeias para a qual há apoios ou até a instalação de uma simples torneia pública de água que não existe, como não existem na vila sanitários públicos, é uma vergonha; onde há falta de estacionamentos porque se não houver estacionamentos na vila o comércio não vende; o Mercado Municipal dos melhores desta região só que as condições são das piores, onde não há uma cobertura, no exterior, com 12 metros para proteger as pessoas do sol e da chuva, onde também a extracção de fumos na zona da restauração é deficiente, bem como todo o espaço envolvente onde só se veem buracos é outra das nossas preocupações. Coisas tão simples onde se gasta pouco dinheiro. Mas também se fez um campo desportivo e não se fizeram passeios para as pessoas. O interior, como Tábua, perdeu pessoas e se não fossem os estrangeiros residentes hoje só tínhamos cinco vereadores na Câmara Municipal. Temos uma empresa que tem mais de 2 mil trabalhadores e o que é que a Câmara fez para as pessoas se fixarem? Assim como o apoio à natalidade, vamos dar um apoio até 3 mil euros para que as pessoas se fixem, para que Tábua não perca a sua população, sem esquecer a terceira idade que precisa de melhores transportes, de ser apoiada pelas Juntas de Freguesia e para isso as vamos habilitar, no que se refere não só à cedência de transporte mais económico, mas também para lhes levarem medicamentos, o que seja necessário para o seu bem-estar.
AC- Tudo isso envolve muito dinheiro…
FTP – Como disse,com pouco podemos fazer muito tendo as pessoas certas nos lugares certos para fazer o que é necessário. Porque se gasta tanto dinheiro quando são as eleições para depois as obras que são feitas à pressa serem mal feitas? Mas se as fizermos com planeamento, faz-se tudo e com certeza esse dinheiro não deixa de ser muito mais bem aproveitado. Como aquela obra na Ronqueira onde se gastou tanto dinheiro e que ainda nem sequer o bar está aberto, onde falta estacionamento. Vendo o que acontece no concelho ao lado, eu fico triste. E como aconteceu nos incêndios de 2017, a falta de água nas bocas de incêndio ainda hoje assim continua. Tudo isto queremos resolver, como vamos recuperar o património que existe nas aldeias onde, aproveitando a experiência e o saber dos reformados, pretendemos criar cursos práticos de serralheiro, carpinteiro, pedreiro, electricista, mecânico, profissões que praticamente já não existem e que podem responder às necessidades imediatas das pessoas e ajudar à sua fixação.
AC – Mas com certeza que, apesar de todos estes problemas, a sua candidatura não esquece outros sectores-chave para o desenvolvimento do concelho?
FTP – Com certeza que não, temos uma ideia e um projecto bem definido para Tábua no que se refere a sectores tão importantes como a saúde, a educação, o turismo, a cultura, o associativismo e até a continuação do IC 6, onde não houver bons acessos não há desenvolvimento. E se eu ontem saí de vereador para ajudar as pessoas, hoje assim quero continuar ao ser eleito como presidente da Câmara Municipal de Tábua, para tornar Tábua um concelho acolhedor e mais atraente no integral cumprimento do slogan da campanha “Coragem para mudar”.