EDITORIAL

António Lopes Machado

Na Bahia e no Prado com Joaquim Francisco

 

Já não estava nos meus planos voltar ao Brasil, mas o amigo Joaquim Francisco insistiu e eu acabei por completar a dúzia de vezes que atravessei o Atlântico para viajar por estas terras de Vera Cruz, um Brasil imenso que tem sempre coisas novas para ver e conhecer.

Volto à Bahia, desta vez fazendo parte de um grupo simpático: Joaquim Francisco, António José Francisco e dr. Paulo Vicente, e estes com as suas respectivas companheiras.

Na Bahia, ou melhor, na cidade de Salvador, que será sempre a Bahia, embora este seja o nome do Estado, nunca se vê tudo numa só visita. Esta foi a terceira e ficaram-me ainda algumas coisas que gostava de ter visto.

A última vez que lá estive, a companhia agradável da Doutora Regina Anacleto, após um Encontro em Fortaleza promovido pelo comum e saudoso amigo João Alves das Neves, ajudou muito. E julgo saber que a Doutora Regina Anacleto aqui estará dentro de dias para fazer uma conferência para que foi convidada.

Para quem chega à Bahia, do muito que há para ver, dois pontos não podem ser excluídos: o Centro Histórico, com o Terreiro de Jesus, a Praça da Sé, o Pelourinho e a igreja de S. Francisco; e a Barra com a ponta do Farol e Forte de Santo António, os saveiros a passar junto às praias sempre cheios e a ilha de Itaparica em frente.

E alguém nos marcou o hotel aqui – o “Mar Azul” – mesmo no centro da Barra, com velhos fortes de um lado e do outro, para onde se prolongam as Avenidas Oceânica e a 7 de Setembro (dia da independência), uma a prolongar-se até Itaporã e a outra até à igreja do Senhor do Bonfim, uma das mais concorridas para agradecer os milagres conhecidos.

Para o lado da Avenida 7 de Setembro seguem-se alguns velhos fortes, ainda com canhões muito corroídos, como o que assinala a entrada dos holandeses, que procuraram apoderar-se da Bahia, mas logo escorraçados no ano seguinte, em 1625.Mais adiante é o Forte de S. Diogo, que assinala igualmente a entrada dos holandeses em 29 de Maio de 1624 e junto do qual está uma coluna esculpida em pedra de lioz portuguesa encimada pelo escudo português, e por detrás um bonito painel de azulejos que retrata a chegada do governador Tomé de Sousa. É moderno, de 2004, e foi oferecido pela colónia portuguesa.

Talvez por ser domingo, não há naquelas praias da Barra um palmo de areia livre. A Avenida encostada à praia é um mar de gente. Grupos de rapazolas não são mais do que aqueles a que Jorge Amado chamou “Capitães da Areia”.

Da Barra até ao Terreiro de Jesus tem que se subir muito, mas hoje com muito mais facilidade do que no tempo em que ali começou a construir-se a cidade de Salvador, conforme ordem de D. João III levada pelo primeiro governador em 1549, com os escravos negros chegados à Bahia em 1538, transportando tudo às costas e à cabeça desde o porto da Barra até ao alto por uma ladeira quase a pique.

Na Praça da Sé, de uma Sé que já não existe porque foi destruída por exigências de urbanizações, mas as igrejas por aqui “são muitas e diz-se que em Salvador há uma para cada dia do ano”, mas talvez não sejam tantas. Onde havia a Sé, está agora a Basílica Catedral. Quase todas as igrejas no seu barroquismo dos séculos XVII e XVIII, mas de todas a mais rica e mais conhecida é da Ordem de S. Francisco, também chamada a igreja do ouro, preciosidade artística pela sua talha dourada, os altares, as imagens dos santos e os anjos, cobertos de ouro, construída nos primeiros anos do século XVIII, ao lado da Igreja da Ordem Terceira, também rica em painéis de azulejos azuis nos claustros, uma e outra com imagens da vida de S. Francisco e de cenas lisboetas.

Mas o Centro Histórico inclui o Largo do Pelourinho, muito ligado à escravatura e com a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, construída pela Irmandade a que os pretos tiveram acesso.

Descemos a Rua Gregório de Mattos e logo se nos depara um grupo batendo nos tambores e fazendo enorme barulho, que não era mais do que o anúncio da chegada do Carnaval, que mete samba e capoeira de origem africana que na Bahia tem grande impacto, mas que no início dos festejos carnavalescos, os pretos não podiam participar, tal como no futebol.

No centro do Largo em vez do tronco de pedra ou de madeira em que tão castigados eram os escravos, está agora montado um enorme palco para o Carnaval.

Diz-se que para conhecer a Bahia não se pode deixar de ler alguns livros de Jorge Amado, sermões do padre António Vieira (a maior figura luso-brasileira do século XVII) e ler alguns versos de Gregório de Mattos. Aqui no Pelourinho, temos a Fundação Jorge Amado e o Museu Afro-brasileiro, que nos fala naturalmente do muito que sofreram aqui os escravos, que fazem parte da história da Bahia e muito deram com a sua força de trabalho para a importância que tem hoje esta cidade conhecida como a Capital da Cultura, em que se distinguiram especialmente grandes músicos.

Descer o Elevador Lacerda e ir ao Mercado Modelo, junto ao embarcadouro para as ilhas de Itaparica e do Forte de S. Marcelo, não podia esquecer, mas na Bahia nunca se vê tudo. Eu, por exemplo, nunca fui ao Rio Vermelho, onde Jorge Amado tinha a sua casa e se passou a história do Caramuru entre Diogo Alvares Correia, que esteve em vias de ser comido pelos índios e acabou por casar com a filha do chefe Paraguaçu e que foi baptizada cristãmente como Catarina.

Mas devemos deixar sempre alguma coisa para a próxima vez, mesmo que não haja próxima vez.

O DIRECTOR