A dr.ª Fátima Ramos, de Miranda do Corvo, foi eleita pelo Círculo Eleitoral de Coimbra pelo Partido Social Democrata deputada à Assembleia da República.
E ao voltar ao Parlamento, onde esteve como deputada de 2015 a 2019, Fátima Ramos deixa a promessa, “vou continuar a erguer a minha voz em defesa deste nosso interior” durante o mandato para que foi eleita que, como disse ao nosso jornal, “não será fácil”, até pelo facto dos resultados eleitorais do passado dia 30 de Janeiro, que deram a maioria absoluta ao Partido Socialista.
“Mas o povo é soberano”, considera Fátima Ramos, que mais do que a promessa e além da experiência de deputada ao longo de quatro anos, leva também consigo para a Assembleia da República a experiência de autarca, durante três mandato, como presidente da Câmara Municipal de Miranda do Corvo, uma experiência que, como considera, deveria ser a experiência da maioria dos deputados, conhecendo mais de perto as populações, as suas necessidades, preocupações e problemas, as realidades e assimetrias que continuam a existir sobretudo no interior no nosso país que continua também e cada vez mais inclinado para o litoral.
Essa é uma realidade que, em cada campanha eleitoral, é sempre um dos temas que não são esquecidos, mas o que é facto é que os tempos passam e parece que tudo continua na mesma, mesmo apesar de ser obrigação de um deputado contrariar essa tendência, para isso foi eleito pelo povo que, independentemente das forças políticas que o elegeram, o vai representar no Parlamento. E é esse o compromisso deixado por Fátima Ramos na entrevista dada ao nosso jornal e a quem começamos por perguntar:
A COMARCA (AC) – Que comentário faz sobre os resultados eleitorais de 30 de Janeiro?
FÁTIMA RAMOS (FR) – Em relação ao que se passou sobre os resultados eleitorais, em primeiro lugar há um mérito que foi a abstenção ter diminuído e embora tenhamos níveis de abstenção extremamente elevados, ou seja quase metade da população não votou, mas apesar de tudo isso houve um ligeiro acréscimo do número de votantes e, para que exista uma boa democracia, é fundamental que as pessoas votem nas eleições, independentemente do partido em que votam, deixando para os outros a decisão sobre o seu futuro e o futuro dos seus filhos e netos. Em segundo lugar, não escondo, sinto desilusão pelos resultados eleitorais que obtivemos e sinto desilusão porque continuo a acreditar que Portugal tem condições para ser um país muito mais próspero, com maior produtividade, com mais riqueza criada, com melhores salários e melhor nível de vida, com menos carga fiscal e com melhores serviços públicos. Acredito na capacidade de trabalho dos portugueses, os portugueses que emigram são normalmente acarinhados pelos países para onde emigram, o que significa que temos um povo extremamente trabalhador, mas nós assistimos a um empobrecimento do país ao qual se junta o envelhecimento da população, por várias causas, por um lado por falta de nascimentos, por outro lado pela emigração a que se junta o despovoamento do interior, ou seja, temos um país cada vez mais centralizado nas grandes áreas metropolitanas como Lisboa e Porto, enquanto o resto o país perde população, diria mesmo que estamos perante um desastre completo. Somos o quinto país mais envelhecido do mundo e o terceiro da Europa. Somos um país que se projecta de forma desigual e por isso temos a desertificação, particularmente na nossa região, no nosso distrito de Coimbra. Estamos cada vez mais pobres, com menos população. E isto causa-me uma grande preocupação.
AC – Mas não acha que agora e com a maioria na Assembleia da República, Governo tem condições para inverter esta situação?
FR – Eu queria ter esperança que o Governo que agora vai tomar posse possa fazer diferente, possa de facto inverter este ciclo, mas sinceramente estou com muito receio, porque nos últimos 26 anos tivemos Governos socialistas durante 20 anos, o PSD esteve basicamente seis anos do quais quatro de políticas da troika em que basicamente teve de cumprir um memorando que também tinha sido negociado pelo Governo socialista anterior, pouco ou nada foi feito e quando olho para o actual Primeiro Ministro que apesar de prometer que vai dialogar, que não vai ser autoritário, que vai governar de outra forma, que vai governar muito bem, o que eu sei é que durante estes anos todos que passaram e agora nos últimos seis anos, o que tivemos foi estagnação, com o país a atrasar-se sucessivamente, a ter cada vez mais uma dívida pública maior, temos cada vez mais um Estado mais gordo, com mais funcionários públicos, com uma cada vez maior carga fiscal, onde as pessoas estão cada vez mais asfixiadas, na realidade vejo um país sem norte, que me preocupa.
AC – Como representantes do povo, não é aos deputados que cabe contrariar esta situação, fazendo valer as suas propostas, fazendo ouvir a sua voz?
FR – O que eu posso prometer às pessoas é lutar, com veemência, pela melhoria das condições do nosso interior e pela melhoria da qualidade de vida das pessoas, especialmente das pessoas que mais precisam. É isso que eu prometo, erguer a minha voz sempre na defesa deste nosso interior, mas não sei se vou conseguir que o Governo me ouça e ouça os restantes deputados do PSD. Apesar das promessas de António Costa, eu também espero sinceramente que as cumpra e que entenda e que ouça aquilo que são algumas vozes que lhe vão transmitir o que é o desespero de uma população que está no interior, onde predominam cada vez mais as pessoas mais idosas, de onde os jovens fogem à procura de melhor nível de vida noutros locais, quer seja nos grandes centros, quer seja no estrangeiro, sobretudo. E não obstante o Partido Socialista ganhar, é bom que as pessoas saibam que, com o Partido Social Democrata e com o dr. Rui Rio, era possível fazer diferente no nosso país. E por isso não posso deixar de ter aqui uma palavra de apreço e de gratidão perante as suas bases, perante os filiados e os simpatizantes, pelos candidatos como Fernando Tavares Pereira que gostava de ter comigo na Assembleia da República, pela forma como se envolveram nesta campanha e pela esperança que mostraram e pela forma como que acreditaram que, com o dr. Rui Rio e com o PSD, era de facto possível fazer diferente no nosso país.
AC – Não teme que com uma maioria absoluta também possa haver a tentação de poder absoluto?
FR – Como é lógico, o que eu queria é que o PSD tivesse vencido as eleições, porque acredito que o projecto do PSD era mais reformista e que poderia inverter este ciclo de decadência que o país tem vivido, mas a ser assim e atendendo aos resultados que existiram, é preferível que o Partido Socialista tenha alcançado a maioria, porque assim tem todas as condições para governar e para mostrar o que vale. Vamos ter muitos milhões do Plano de Recuperação e Resiliência e vem um novo Quadro Comunitário, o 20 30 para o país e o que eu espero, sinceramente, é que o Partido Socialista contrariamente ao que fez nomeadamente no mandato de José Sócrates, que governe bem e saiba gerir com justiça todos estes milhões, que não esqueça as terras do interior, que distribua estes dinheiros da forma correcta, que ajude a economia, que ajude os pequenos empresários, que não desvalorize a iniciativa privada e o meritório trabalho das IPSS e das Misericórdias, que capte dinheiro para o país para que de facto deixemos de estar na cauda da Europa como temos estado, para que os nossos jovens deixem de emigrar como tem emigrado. Da minha parte, chamarei a atenção para todas estas necessidades e para uma adequada fiscalização e rigor na aplicação desses fundos comunitários.
AC – Apesar de ser o representante do povo, um deputado da oposição, perante uma maioria absoluta, não está a pregar no deserto na Assembleia da República?
FR – Da minha experiência de deputada durante quatro anos, na altura vi que o PSD procurou, quer através de projectos de recomendação, quer através de outras iniciativas legislativas, apresentar várias sugestões ao Governo e, infelizmente, uma grande maioria dessas sugestões nunca foram concretizadas, mesmo que por vezes alguns desses projectos de recomendação fossem aprovados mas não eram implementados na prática E posso dar-lhe vários exemplos, nomeadamente da Estrada Nacional 342, extremamente importante que faz a ligação do litoral ao interior que, com a construção da A 13 e com o nó de Lamas em Miranda do Corvo ainda ganhou mais importância se tivesse o projecto de requalificação que deveria ter, porque além de encurtar muito o caminho em relação a Góis e a Arganil e depois à própria ligação ao IC 6, era fundamental que tivesse continuidade. Várias vezes alertei para isso, sem esquecer a luta pelo Ramal da Lousã onde neste momento estão a decorrer as obras para a implantação do Metro Bus que espero que tenham continuidade e sejam concluídas, além da defesa de um aeroporto em Monte Real para servir a Região Centro. Fui uma voz muito activa na defesa das pessoas que ficaram sem os seus bens nos incêndios de 2017, sem comunicações telefónicas, sabe muito bem qual a sua solidão em não conseguiram telefonar para a família, para os amigos. Depois a luta pela continuação da IC6, outra vergonha, mas temos mais, a A13 que parou à entrada de Coimbra e era para ter continuidade com a ligação ao IP3 que deveria ser uma auto-estrada para a Viseu e onde continuamos e ter portagens de um nível mais elevado das várias auto-estradas que existem, em concelhos de baixa densidade, dos mais pobres do país em termos de desenvolvimento. Portanto, existem muitas promessas por parte dos Governos socialistas e muita sensibilidade para o interior, mas que na prática não se notam.
AC – Vai continuar então a debater-se para a resolução desses e de outros problemas?
FR – Mesmo pregando no deserto continuarei a alertar. Podem ouvir-nos ou não, mas a nossa consciência fica sempre aliviada quando o fazemos.
AC – Não acha que é uma falta de respeito não ouvir um deputado, mesmo eleito por outro partido, quando está a defender o povo que o elegeu?
FR – É uma falta e respeito e é por essa falta de respeito que o número de abstenção é o que é, porque é chocante nós termos um partido com uma maioria no poder e depois a oposição que vê os seus projectos reprovados por mais válidos que sejam, ou quando não são aprovados vão para uma qualquer gaveta e não são concretizados. Por isso é natural que as pessoas ao saberem isso se questionem. Acho que há deputados que defendem apenas aquilo que são os seus interesses partidários, esquecendo tudo o que é a necessidade de um povo que os elegeu.
AC – O peso da votação terá alguma influência?
FR – Sinceramente não sei, mas espero que o interior não seja para esquecer. O país deve e tem de ser governado como um todo, porque senão arriscamos dentro de pouco tempo a ter em 30 por cento do território 90 por cento da população. Isto é de uma gravidade imensa. E muitos desses deputados não tem sensibilidade para o interior, gostam de ir ao interior e vê-lo como aquele espaço de saudade onde estão algumas pessoas, muito bonito, mas depois quando estão a tomar algumas decisões pensam sobretudo nas grandes áreas metropolitanas. Senão vejamos como tem sido feita a distribuição dos fundos comunitários que deveriam ser, sobretudo, para ajudar o interior, para ajudar os territórios de baixa densidade a progredirem e a terem um nível de vida igual ou similar ao dos outros territórios. E o que é que temos tido?
AC – Mas acredita que a tão proclamada basuca vai ajudar a ultrapassar este problema, vai ajudar o interior?
FR – Sinceramente e pelo que vejo, acho que vamos ter muito pouco no interior. Espero estar enganada, porque se o Governo gerir bem esse dinheiro e tudo aquilo que está subjacente à sua vinda para o país, deve servir para recuperar aquilo que são os atrasos das regiões menos desenvolvidas, mas para isso não deixa de ser necessário inverter as políticas que tem sido feitas, é fundamental que o Governo dialogue com os outros partidos, nomeadamente com aquele que é o segundo partido mais votado no país que é o PSD. Espero que as políticas agora sejam diferentes, pensando até e essencialmente na nossa juventude, porque sem jovens o que é que o futuro do nosso país? É um desastre completo.
AC – Para ajudar no cumprimento da sua missão enquanto deputada, foi importante o facto de ter sido presidente da Câmara?
FR – A experiência autárquica é sem dúvida muito enriquecedora. Significa que tem de ser alguém próximo das pessoas, alguém que ouve as pessoas, que assume compromissos perante as pessoas e que depois procura concretizar. Um autarca é alguém que conhece muito bem o seu território, conhece muito bem as dificuldades das pessoas. O saber estar e o saber compreender as dificuldades de um povo, E essa não deve deixar também de ser a missão de um deputado, de um político que deve assumir a política como uma missão e que é tentar contribuir para que as pessoas vivam melhor no seu país. É esse o meu desejo e o meu compromisso para os próximos quatro anos perante a população e agradeço que todas as pessoas deste território, quando sentirem que algo a está a perturbar e que é injusto, que me deem conhecimento desse problema, dessa situação. Eu não prometo que os resolva, mas é importante que os conheça como deputada, para os levar depois à casa da democracia que é a Assembleia da República.