ENTREVISTA A JOSÉ CARLOS ALEXANDRINO ELEITO DEPUTADO (INDEPENDENTE) POR COIMBRA PELO PARTIDO SOCIALISTA: “O objectivo que tenho é dar voz a muitos daqueles que não têm voz”

Com raízes humildes, quando nasceu disseram a sua mãe que ia ser um rapaz de sorte porque tinha dois remoinhos no cabelo, aprendeu a soletrar as primeiras letras nas colunas de A COMARCA, fez o exame da quarta classe e foi trabalhar para uma fábrica de serração de maneiras no seu Ervedal da Beira, só mais tarde é que foi estudar, chegou a presidente do Agrupamento de Escolas da Cordinha, foi presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Beira Centro, até vir a ser eleito presidente da Câmara  Municipal de Oliveira do Hospital e depois vice-presidente e presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra e agora foi eleito deputado (independente) das listas do Partido Socialista pelo Círculo Eleitoral de Coimbra. Eis José Carlos Alexandrino Mendes.

E foi “contra as expectativas e contra aquilo que as sondagens apontavam e  aquilo que tenho a dizer é que o Partido Socialista teve um grande resultado”, como considera José Carlos Alexandrino, ao referir-se aos resultados eleitorais da legislatvas de 30 de Janeiro, acrescentando ainda que “de qualquer maneira é sobretudo o reconhecimento do trabalho do Governo de António Costa, do Governo do Partido Socialista em tempos muito difíceis como os da pandemia, com todos os problemas que foram colocados ao próprio funcionamento  do país”, que acabaram por levar os socialistas a alcançar a maioria absoluta na Assembleia da República.

Relativamente ao seu próprio caso, José Carlos Alexandrino disse que “não me sinto vitorioso por mim próprio, porque estas eleições tem muito a ver com a dimensão nacional e com a escolha do Primeiro Ministro”, mas mesmo assim não deixou de considerar importante os resultados obtidos no Círculo Eleitoral de Coimbra ao eleger mais um deputado, o quinto, lugar que o antigo autarca vai ocupar no Parlamento, dizendo ao nosso jornal que “a ideia que eu levo para a Assembleia da República é ser uma voz daqueles que até hoje não tiveram voz”.

A COMARCA (AC) – Não acha que o seu trabalho como presidente da Câmara de Oliveira do Hospital e como presidente da CIM – Região de Coimbra acabou por contribuir para a sua eleição como deputado por Coimbra?

JOSÉ CARLOS ALEXANDRINO (JCA) – Sem modéstia a mais, penso que sim, mas também percebi que a nossa cabeça de lista, Marta Temido, tem uma grande relação com as pessoas simples, as pessoas simples gostam dela e que acabou por ser um valor acrescentado em relação à nossa lista, mas de qualquer maneira acredito que eu possa ter tido alguma influência, sobretudo nos concelhos do alto distrito, onde sou mais conhecido e onde tenho tido o reconhecimento público do trabalho que fiz como presidente da Câmara de Oliveira do Hospital, mas como eu digo, não vejo que pudesse ter sido o meu nome a influenciar suficientemente para a vitória do PS,  porque estas eleições  escolhem mais o Primeiro Ministro do que propriamente os deputados. Mas sinto-me reconfortado pelo resultado obtido e que acaba por dar um conjunto de maiores responsabilidades e a ser uma voz que me identifica muito com estes nossos concelhos”.

E sendo essa a ideia que leva para a Assembleia da República, José Carlos Alexandrino considera que “estes concelhos ao alto distrito não têm tido voz nem representação na Assembleia da República e, por isso, “o objectivo que tenho é dar voz a muitos daqueles que não têm voz nesta Assembleia da República. E diria outra coisa, serei um defensor mesmo das pessoas que têm reformas absolutamente miseráveis no nosso país e que é fundamental melhorar. Sou um defensor que as reformas com 200 ou 300 euros, com os custos que a vida tem hoje, devem ser aumentadas porque são insuficientes até para a sua sobrevivência”, recordando que enquanto “autarca promovi políticas sociais para essas pessoas, porque percebi as suas dificuldades para se governarem, depois de algumas terem mais de 40 anos de trabalho. E isso envergonha-nos, envergonha o país se não olharmos por essas pessoas com estes rendimentos depois de uma vida de trabalho”.

AC – Sendo uma estreia como deputado, mas com certeza vai levar a sua experiência de autarca para a Assembleia da República, não só na defesa dos mais necessitados, mas também na defesa deste nosso interior?

JCA – Sem dúvida. E o que penso fundamentalmente é que há um conjunto de políticas que, através dos tempos e dos diferentes Governos, têm prejudicado estes territórios, até pelo próprio número de eleitores. Mas não posso deixar de reconhecer que este Governo de António Costa ao criar um Ministério da Coesão e que com sua Ministra Ana Abrunhosa, a quem deixo uma palavra de parabéns pelo muito que já fez, mas não fez com certeza aquilo que deseja fazer de ir muito mais além, muito já fez também por estes territórios do interior. E esse não deixará de ser também o meu compromisso enquanto deputado, porque há aqui um conjunto de problemas para resolver e um dos quais, fundamental nestes territórios, é o problema de demografia e da inclinação do interior para o litoral. Este é talvez um dos maiores desafios e que não vai, não se resolve com paliativos ou com medidas simplistas, o que precisamos e temos que ver é que, quando chegam grupos económicos para se instalar no nosso país, os organismos oficiais do sector tudo têm que fazer para que não fiquem só no litoral. As empresas que geram lucros não vêm para cá só pelos nossos lindos olhos, vem para cá de houver medidas de fundo, como a isenção de impostos durante cinco anos, se houver boas acessibilidades. Não posso deixar de recordar que enquanto presidente da Câmara de Oliveira do Hospital, perdi uma grande empresa de capital internacional, porque fizeram contas do tempo que demoravam de Oliveira do Hospital até à fronteira e acabaram por se instalar entre a Guarda e a Covilhã. E então percebi a importância que tem o IC 6. Precisamos de medidas que ajudem a devolver a vida a estes territórios. Precisamos de devolver a vida a estes territórios e a qualidade de vida às suas populações.

AC – Uma qualidade de vida que passa necessariamente por criar condições, a todos os níveis, para que as pessoas se possam fixar e ter aqui o seu futuro?

JCA – Estes territórios hoje tem uma qualidade de vida muito superior aos territórios do litoral. É uma qualidade de vida muito mais saudável e a pandemia também veio mostrar isso, mas precisamos de fixar as pessoas, precisamos de empresas que nos tragam desenvolvimento, também a nível salarial. E a minha opinião é que o país tem estado muito refém do ordenado mínimo que, como tem acontecido noutros países tem evoluído. Nós sabemos que isso não se pode fazer de repente, porque não se pode aumentar o ordenado mínimo sem ter em conta o impacto que tem nas nossas empresas. Há empresas que não estão preparadas para isso, que se tem de readaptar gradualmente, tem de ser um processo gradual, mas não podemos esquecer também hoje o país vive um drama ao continuar a perder jovens muito bem preparados para outros países onde legitimamente vão ganhar maiores salários, onde têm mais e melhores condições de vida e de futuro. Esta é uma das minhas grandes preocupações, o problema da demografia, mas estamos também a pagar este preço pelo facto de se fecharem os serviços públicos em diferentes concelhos, em que se fecharam escolas do 1.º ciclo com menos de 16 alunos, estamos a pagar um preço de uma visão centralizadora de Estado e não uma visão de todo o território nacional. E isso tem sido fatal para o desenvolvimento, mas não posso deixar de dizer que os nossos grandes centros precisam da nossa água, do nosso ar puro e por isso não deixa de ser necessária essa solidariedade, porque o investimento no interior é um investimento de valorização do próprio país.

AC – Mas para isso e como reconheceu, é necessário então resolver os problemas tão importantes como as vias de comunicação, a saúde, a educação?

JCA – Estes territórios estão hoje um pouco melhor do que ontem, mas ainda há muitos problemas por resolver, mas eu acredito que há já um conjunto de políticas que possam vir a devolver a esperança às pessoas de terem oportunidades nas suas terras. Um desses problemas foi o IC 6, uma das minhas lutas enquanto presidente da Câmara, mas acredito que finalmente o problema está resolvido com a conclusão do projecto da sua continuação. Sou dos que acredita que vale a pena sempre lutar, mesmo que nos sintamos derrotados, mas encontrei um Ministro da tutela como nunca tinha encontrado, Pedro Nuno Santos, que foi muito determinado e colocou o IC 6 a andar e que vai ser uma realidade até Folhadosa. Mas depois todo este povo tem de fazer uma reivindicação para que chegue até à fronteira. Era fundamental.

AC – Contudo não deixa de haver uma outra via importante para esta região, que é a Estrada Nacional 342, mas a sua requalificação acabou por parar, há anos, na Lousã, mesmo depois de há anos ser apresentada a sua continuação até Arganil?

JCA – Eu quero dizer que no nosso programa distrital, aprovado pelo Partido Socialista nacional, é um compromisso do Primeiro Ministro António Costa resolvermos o problema da 342. Já vem tarde, mas tarde é aquilo que nunca acontece. Mas também é um compromisso do Governo o problema da estrada que liga a Pampilhosa da Serra ao IC8, conseguida pelo anterior presidente da Câmara, José Brito, e a realizar em duas fases. É de justiça que se diga que isto, foi também uma grande conquista de um grande autarca do PSD e a quem quero aqui deixar uma palavra de homenagem, que foi José Brito, pelo trabalho fantástico que fez dentro daquele mar de dificuldades da Pampilhosa. Mas há também a ligação da A 13 ao IP3 com a possibilidade de vir até ao IC6, porque precisamos de trazer aquela auto-estrada para desalavancar até a ligação a Lisboa e até porque é uma auto estrada que dá muito prejuízo ao país e nos precisamos de lhe dar movimento. E para todos estes projectos não posso deixar de reconhecer todos os Municípios que integram a CIM que pagou todos esse pré-estudo que foi feito, pela grande manifestação de solidariedade para com estes territórios. Não esqueço ainda que há aqui um outro problema que é a ligação da Zona Industrial de Poiares ao IP 3. É fundamental e será um dos meus compromissos com Poiares.

AC – Mas sabemos que além destes há outros compromissos seus também na área da saúde?

JCA –  Sou solidário também com a construção da Maternidade de Coimbra. Faz-nos falta. Outra coisa que devemos fazer é recuperar os Covões como um Hospital de referência para termos mais e melhores respostas a nível da saúde, porque apesar do gigante que são os Hospitais da Universidade de Coimbra, ganha-se escala mas perde-se proximidade. Como poderei falar do Serviço que Atendimento Permanente que foi retirado a Oliveira do Hospital e que é uma reivindicação e uma exigência dos oliveirenses. 

AC – E porque falamos em saúde, numa visita que fez recentemente ao antigo Hospital Condessa das Canas, deixou a promessa que seria o embaixador junto do Governo no sentido de vir a olhar para aquela Unidade e ser posta ao serviço dos Cuidados Paliativos que não existe e que tanta falta faz nesta região?

JCA – Sem dúvida nenhuma, é um compromisso meu e não costumo prometer para depois esquecer aquilo que disse. Dou os parabéns ao provedor da Misericórdia de Arganil, professor José Dias Coimbra por quem nutro uma grande estima, pelo excelente trabalho que tem na Santa Casa e fiquei muito contente de ver o que vi, porque sem dúvida nenhuma que nós precisamos daquelas camas ao serviço da Rede Nacional de Cuidados Paliativos. Tem condições excelentes e espero que seja a dr.ª Marta Temido como Ministra da Saúde a encontrar a solução para aquela Unidade e a presidir à sua inauguração. Mas também vi um excelente trabalho na Santa Casa da Misericórdia de Poiares, não tinha a dimensão da obra que está a ser feita e que visitei  e quero dizer-lhe que, nas minhas funções como deputado e para ser a voz daqueles que não têm voz, preciso de ir ouvindo algumas pessoas a fazendo reuniões também com as IPSS , ouvindo as suas preocupações e reivindicações, fazendo com todos uma política de proximidade.

AC – Para tudo isto não deixa de ser necessário também muito dinheiro, mas apesar de algumas preocupações dos nossos autarcas, há esperança que esse dinheiro venha através da tão falada basuca para ajudar a concretizar muitos projectos nesse nosso interior?

JCA – Eu gostaria que esse dinheiro fosse bem distribuído e distribuído ao contrário, que fosse distribuído em maior quantidade por estas zonas que mais precisam dele e se esse dinheiro não servir para construir o futuro, não adianta. Eu sou-lhe sincero, tenho algumas dúvidas que esse equilíbrio venha a acontecer, mas estarei atento, mas não posso deixar de reconhecer também que às vezes faltam projectos, precisamos também de boas ideias e de bons projectos e há aqui muitas IPSS que tem legitimidade para se candidatarem a essas verbas, já para não falar nas próprias autarquias. E por isso não podemos perder essa oportunidade de ter verbas muito elevadas e depois as desperdiçarmos como aconteceu no primeiro Quadro Comunitário que serviu para enriquecer empresários, mas não serviu para criar postos de trabalho. Mas isso é história que já não interessa.

AC – Acredita que nos próximos quatro anos, com a maioria absoluta, o Governo vai ter oportunidade de cumprir as promessas com que se apresentou ao eleitorado e não ter o poder absoluto deixando a pregar do deserto os deputados da oposição?JCA – Eu penso que a maioria absoluta não dá um poder absoluto, como António Costa já o referiu, porque as maiorias absolutas dão a seguir, muitas vezes, derrotas eleitorais em eleições seguintes, porque deixou de se ouvir quem se deve ouvir e que é o povo. E os seus legítimos representantes são as pessoas eleitas. E um partido vive muito também da critica interna sobre si próprio. Sabe, nós morremos quando todos dizem bem de nós e se esquecem de criticar aquilo que está mal. E isso é a morte de qualquer um na política.