António Carvalhais da Costa é uma figura no panorama local da Beira Serra, com uma vida pessoal ligada a diversas organizações da Sociedade Civil, nomeadamente no campo da economia social e da solidariedade, nas suas mais variadas expressões organizativas.
Como dirigente esteve, e está, ligado a diversas Instituições como a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Arganil, à Associação Filarmónica de Arganil, ao Lions Clube de Arganil, à União Recreativa Sarzedense, entre outras.
Foi ainda membro fundador da Confraria Gastronómica do Bucho, e seu Presidente da Mesa da Assembleia Geral, integrou a Rádio Clube de Arganil e faz parte dos órgãos sociais da Caixa de Crédito Agrícola Mutuo da Beira Serra.
Em termos profissionais é o líder do Gabinete de Projetos de Arquitetura e Engenharia – Villargus, onde, conjuntamente com sua esposa e filho, são responsáveis pelo desenvolvimento de diversos projetos na região, mas de igual modo no continente Africano, designadamente em Moçambique.
Em termos políticos desempenhou diversos cargos, em particular na Assembleia Municipal de Arganil.
Entrevista
CA: Prof. Carvalhais, permita-nos que o trate assim, como encarou a sua eleição para Provedor da Misericórdia de Arganil?
Prof.C: Sim pode tratar-me por Prof. Carvalhais, pois é desse modo que eu sou conhecido, muito graças ao período em que lecionei na Escola Secundária de Arganil e em Moçambique.
Em relação à minha eleição para o cargo de Provedor da Misericórdia, na realidade encarei-a com muita naturalidade, muito graças ao percurso que fui tendo nesta importante Instituição e em diversas organizações da Sociedade Civil.
Em bom rigor, é preciso recordar que fui primeiro secretário do Dr. Armando Dinis Cosme, quando este era Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Santa Casa, e após a saída desse, e porque a idade não perdoa, assumi o lugar de Presidente desse órgão da Instituição onde permaneci dois mandatos.
No mandato que antecedeu o atual, integrei a Mesa Administrativa como Vice-provedor, tendo no final de 2022 aceitado o repto do então Provedor, o Prof. José Dias Coimbra, para encabeçar uma lista como candidato a esse lugar.
Todo este meu percurso no seio da Misericórdia permitiu-me aceitar esta nova responsabilidade, a qual foi previamente sufragada pelos irmãos da Instituição que, com sentido de responsabilidade, entenderam que este não era o tempo de aventuras, mas antes o tempo de dar continuidade aos projetos em curso e ao enorme esforço que exigem.
Contudo, não existe apenas o Provedor, mas antes uma equipa que constitui a Mesa Administrativa, que tem sido muito coesa e unida, desde logo porque vive e sente a Misericórdia, respeitando a sua memória sem deixar de olhar para o futuro, conjuntamente com o apoio dos outros Órgãos Sociais.
CA: Enquanto Provedor, que desafios se colocam na atualidade à Misericórdia?
Prof.C: Ora bem, desde logo suceder ao Prof. Coimbra não é tarefa fácil, isto porque é uma personalidade que foi Provedor 40 anos e é Irmão da Instituição há mais de 60 anos, tendo marcado a vida da Misericórdia, com especial incidência na história contemporânea, sendo responsável pelo ressurgimento desta entidade como a conhecemos hoje.
E é bom que não se esqueça que no período conturbado do pós 25 de Abril, as Misericórdias foram perseguidas, esbulhadas de parte do seu património e da sua atividade junto das comunidades, tendo sido o Prof. Coimbra que relançou e renovou esta Santa Casa.
Tenho para mim que, no futuro, não haverá capacidade para que seja realizada obra com a mesma envergadura que o Prof. Coimbra realizou, não por falta de vontade, ambição ou engenho, mas porque os tempos agora são outros e a limitação de mandatos representa uma condicionante natural, pois há projetos estratégicos que demoram vários mandatos a serem executados, mas a democracia é isso mesmo.
E, à semelhança do que o meu antecessor fez, temos de ter a humildade e a inteligência para prepararmos uma equipa que possibilite uma linha de continuidade em matérias fundamentais para o futuro da Instituição e onde a visão não falte.
Por isso eu sou adepto desta ideia “chave” e que adotámos há muito – a Misericórdia tem de ser uma Instituição com memória e futuro.
Depois, o outro grande desafio é a sustentabilidade da Misericórdia, e isto porque o Setor Social atravessa uma das mais graves crises de que há memória e quem disser o contrário é sinal de que não conhece esta realidade.
Hoje, os custos operacionais aumentaram significativamente, não apenas porque tivemos a Pandemia, a Guerra ou a Inflação, mas antes porque ao longo dos últimos anos temos assistido a um diminuir do nível de comparticipações do parceiro Estado, face ao aumento de custos que decorrem do próprio aumento de exigências desse mesmo parceiro.
Na atualidade, o Estado comparticipa em média entre 30% a 35% dos custos das respostas sociais, quando, em bom rigor, deveria estar mais próximo dos 50%, tendo inclusive criado essa expetativa em Dezembro de 2021, ao ter assinado com as entidades representativas das Instituições de Solidariedade um Pacto de Cooperação.
Por outro lado, as famílias que beneficiam dos serviços não têm condições para suprir esse deficit, acabando por as Instituições de Solidariedade terem de ter muita imaginação para encontrar formas de mitigar essa dificuldade de financiamento.
Ainda agora, quando são anunciadas atualizações no âmbito do Compromisso de Cooperação com o Parceiro Estado, os valores em causa estão bem longe das necessidades e não representam qualquer recuperação no objetivo elencado no referido Pacto de Cooperação.
Mesmo os nossos representantes nacionais não estão a ser consentâneos com as necessidades das Instituições do Setor Social e os valores que acordaram, não tendo pois quaisquer dúvidas que os problemas das Instituições de Solidariedade Social em breve irão agravar-se.
Por exemplo, são anunciadas atualizações de 11% par 2023, quando na realidade estas incorporam valores já pagos em 2022, e percentagem corresponde apenas a respostas de carácter residencial, incluindo-se aqui os Centros de Dia, já as outras respostas obterão uma atualização de 8%, contabilizando as tais verbas pagas em 2022 como referi.
Em bom rigor, teremos, face ao que foi pago em 2022 ao nível das comparticipações, atualizações reais de apenas 6% a 3%, valores claramente inferiores aos referenciais da taxa de Inflação e que, no caso das Instituições de Solidariedade Social andou na casa dos 12% a 15%, e não os 7,8% obtidos no final de 2022.
É por isso que na Misericórdia temos esta máxima, não é bom gestor aquele que gere com muito dinheiro, bom gestor é aquele que gere sem dinheiro, porque os compromissos são para honrar, demore o tempo que demorar.
Desta forma, temos de ter um equilíbrio muito grande entre manter o apoio aos que mais precisam e, simultaneamente, recorrer aos cidadãos com melhores rendimentos para assegurar a resposta aos mais vulneráveis e frágeis.
O parceiro Estado, sendo algo que está para lá de quem o representa, como são os Governos, acaba por ser o reflexo das prioridades políticas definidas por quem, em determinado momento, nos governa e, infelizmente, nos últimos anos, por influência e preconceito ideológico, tem havido uma tentativa de esvaziar o papel das Instituições de Solidariedade Social.
Todavia, essas correntes ideológicas tendem a esquecer que o modelo de proteção social existente em Portugal radica numa intensa colaboração com as Intuições que emanam da Sociedade Civil e isso por força, não apenas de razões económicas, mas de igual modo por questões históricas e culturais.
As Instituições como as Misericórdias, tendem a ser chamadas a participar nas soluções em momentos de maior aflição, como durante o período de assistência financeira (Troika), ou, mais recentemente, com a Pandemia da COVID-19.
São também chamadas a participar quando se preconiza a introdução de uma qualquer reforma em tempo útil, como foi o caso da criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, que simboliza uma das maiores inovações no campo dos cuidados de saúde em Portugal e que tem a chancela do Partido Socialista, mas depois são escorraçadas quando as coisas estabilizam ou suscitam interesses económicos ou, por outro lado, são potenciais armas de arremesso nas lutas políticas.
Foi no contexto da criação dessa rede de cuidados que a Misericórdia inaugurou em 2006 o Hospital Dr. Fernando Valle, onde tem em funcionamento 24 camas distribuídas pelas tipologias de Longa Duração e Média Duração, sendo fundamental dizer-se que, em boa hora, o Prof. Coimbra homenageou essa figura incontornável da vida democrática portuguesa e referência na nossa região e no campo da saúde, o Dr. Fernando Valle.
E isso leva-me a um outro desafio para a Misericórdia e muito em especial para este mandato, e que tem que ver com a entrada em funcionamento do Hospital de Beneficência Condessa das Canas, um edifício emblemático que teve já uma inauguração simbólica, mas que ainda não tem data marcada para entrar em funcionamento.
Recordo que este edifício, agora praticamente reabilitado, e que terá um custo superior a 3 milhões de euros, obteve a unanimidade no que ao seu apoio diz respeito em sede de Assembleia Municipal, e resultou de um contrato assinado com o Estado em 2010.
A Misericórdia cumpriu com as suas obrigações no âmbito desse contrato, mas o Estado não!
A Misericórdia reabilitou os acessos ao Serviço de Urgência Básico (SUB), que serve uma vasta região e até hoje não recebeu qualquer apoio do Estado, nem sequer o que foi contratualizado para a reabilitação do edifício.
Por isso estamos atentos a outros investimentos realizados por instituições do Setor Social, ou privadas, sem qualquer contrato com o Estado na sua génese mas que, constantemente bradam por apoios desse mesmo Estado. É bom que ninguém se esqueça que nós fomos integrados num plano de construção/reabilitação contratualizado com a Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC) e cumprimos.
A pretensão da Misericórdia será colocar em funcionamento uma unidade vocacionada para os Cuidados Paliativos, mas sentimos que ao centralismo de Lisboa de que muitos regionalistas acusam o poder político, temos algo bem mais grave, neste caso o centralismo localizado e sediado nas capitais de Distrito, como é Coimbra.
As pessoas não fazem ideia das vontades camufladas e sobre as quais não podemos dar forma ou rostos, mas que se movimentam para que esta região da Beira Serra não possua uma unidade de cuidados paliativos sediada em Arganil.
Por vezes, o problema do País não é o centralismo de Lisboa, mas serão seguramente os pequenos poderes regionais que dizem pela frente que estão preocupados com o interior, mas depois, fazem precisamente o contrário para que esse interior não se desenvolva e fuja a esse controlo do bairrismo bacoco.
Temos bem ciente quais as entidades já contactadas e até convidadas a conhecerem o edifício onde pretendemos instalar uma resposta na área da saúde e estamos convictos, de que vamos conseguir, pois estamos habituados a “tirar tudo a ferros” – ou não seriamos “cabeçudos beirões”, como diz o escritor Miguel Torga, e que, enquanto médico Adolfo Rocha, trabalhou naquele edifício, para a Misericórdia e para a comunidade.
Aliás, fomos bem claros sobre esse assunto quando já este ano prestámos homenagem a duas figuras que nos deixaram e que serviram quer o Centro de Saúde e quer a autarquia, atribuindo os respetivos nomes a uma das salas do reabilitado hospital.
Pretendemos ainda, como outro desafio, reabilitar o bairro da Misericórdia, assim como desenvolver um projeto destinado à construção para fins de renda acessível, sendo que, em ambos os casos, estamos a trabalhar de perto com a Câmara Municipal de Arganil para que seja encontrada uma solução no âmbito do PRR e a seu tempo será conhecida.
CA: Por falar em Câmara Municipal, como têm sido as relações com esta?
Prof.C: Estaria a ser injusto se não reconhecesse que tem havido abertura e disponibilidade entre as Instituições, e o atual Presidente da Câmara tem sido frontal, honesto connosco, e interessado.
Haverá, seguramente, matérias em que não estaremos de acordo, e em outras temos as nossas expetativas, mas registamos uma clara mudança de postura por parte do executivo camarário que reconhece o nosso papel, a nossa função e tem estado disponível para nos ouvir e ajudar, nomeadamente em termos de defesa junto do poder central.
CA: Falou em expetativas em relação ao Município, que expetativas são essas?
Prof.C: Olhe o Cineteatro Alves Coelho é uma delas, e é bom que não esqueçamos o passado nesta temática, recordando que aquele emblemático edifício foi cedido em direito de superfície em 2008, no compromisso de estar reabilitado até 2013 e foi nos devolvido em 2016, com as chaves num envelope quase por “correio”, sem qualquer reabilitação, antes pelo contrário.
É bom que se recorde que foi devolvido em resultado de uma ação judicial que tivemos que interpor, e que quando chegou às nossas mãos estava em pior estado de conservação do que quando o cedemos em 2008, aliás, fizemos uma avaliação do estado em que foi devolvido o imóvel e conclui-se que, só para repor a situação inicial, seriam necessários gastar mais de 300 mil euros.
Contudo, importa, volto a frisar, registar a mudança de atitude do atual Presidente, o qual mandou desenvolver um projeto de intervenção auscultando a nossa opinião, propôs um modelo de colaboração sem atropelos e comprometeu-se a reabilitar o edifício, o que nos leva a confiar na palavra do Dr. Luís Paulo Costa, pela forma como tem lidado com a Misericórdia.
CA: E se não cumprir com essa expetativa?
Prof.C: Posso dizer-lhe que tal não nos passa pela cabeça, mas se porventura vier a suceder, recorreremos aos meios adequados para exigirmos o que consideramos justo. Mas volto a frisar, confiamos, não apenas nos documentos assinados, mas antes na palavra que nos foi dada, e ainda na última edição da Comarca reiterada e tornada pública, e isto distingue as pessoas e as Instituições de boa-fé, das que não estão de boa-fé.
Dito isto, acreditamos na palavra do Dr. Luís Paulo Costa e do seu efetivo empenho na reabilitação do Cineteatro Alves Coelho, e estou convicto que o irá concretizar, e deixe-me que diga que ao fazê-lo marcará, não apenas politicamente os seus mandatos, mas mais importante marcará a história da vila de Arganil.
CA: Que outras expetativas tem nessa relação com a autarquia?
Prof. C: Por exemplo, estamos a contar com um apoio para as obras realizadas na reabilitação do Hospital, onde já gastámos, como referi, mais de 3 milhões de euros, e esperamos, pelo menos, que para os acessos nos seja atribuído um apoio não inferior, por exemplo, ao que vier a ser atribuído à APPACDM, entre receitas da FICABEIRA e subsídios da Câmara Municipal, fala-se em cerca de 100 mil euros.
E repare-se que o investimento da APPACDM anda na casa, como tem sido dito publicamente, de pouco mais de 1 milhão de euros, ou seja, estamos a falar de um apoio de cerca de 10% do total do investimento. Investimento este que conta com o apoio do Programa PARES.
Aproveito até para elogiar a iniciativa de entrega da receita da bilheteira da FICABEIRA ao apoio às obras da Casa dos Afetos, algo que revela capacidade de inovar e mobilizar a comunidade por parte da Câmara, especialmente quando nós temos direito à receita da Feira do Mont’Alto no âmbito do protocolo em vigor sobre este último evento, o qual faz parte do património histórico da Misericórdia e do qual nunca abdicámos ou abdicaremos.
Estamos ainda, com algumas expetativas em relação ao reatar da colaboração no funcionamento do Complexo de Piscinas “José Miguel” para 2024, pois entendemos que fazem falta à vila e o apoio da autarquia é fundamental, tendo já existido algumas conversas informais sobre este assunto com elementos da vereação.
CA: Mas existem mais desafios?
Prof.C: Mas é claro que sim, desafios não nos faltam, poderão faltar recursos económicos, mas desafios nunca. Por exemplo, pretendemos realizar em 2024 as celebrações do centenário da transladação dos Condes das Canas para Arganil, um evento de cariz cultural de reconhecimento à maior benemérita da Misericórdia, e um dos vultos da cultura arganilense, muitas vezes esquecida e desvalorizada.
Desejamos instalar o Museu da Imprensa Regional, algo que muito dirá a esta região, face à tradição da imprensa, onde A Comarca de Arganil é um dos seus maiores expoentes e possui um espólio que lhe permitirá alavancar esse desejo.
Mas não menos importante, antes pelo contrário, pretendemos requalificar o Complexo Social onde estão instaladas as respostas direcionadas para a população mais velha e aqui recordamos que fizemos já diversas candidaturas que não foram aprovadas, quer em sede do programa PARES e quer em sede do PRR, e isto porque a pretensão era requalificar e não ampliar, o que justifica a necessidade da tutela concretizar um programa específico e exclusivamente vocacionada para a reabilitação de edifícios da rede solidária.
CA: Percebe-se que a intervenção do Provedor está muito direcionada para questões nacionais no âmbito do Setor Social, é por isso que apoia uma eventual candidatura à liderança da União das Misericórdias Portuguesas?
Prof.C: As preocupações com o contexto nacional das Misericórdias sempre estiveram presentes durante a liderança do Prof. Coimbra e isso contribuía para o respeito e reconhecimento desta Instituição por esse País fora.
Obviamente, a atual equipa da Mesa Administrativa tem incutida essa preocupação como uma missão, na medida em que orgulhamo-nos do que representa servir uma Misericórdia e servir esta entidade é também pensar de forma critica e construtiva o que se deseja para estas Instituições.
E neste momento temos plena consciência de que a situação, não apenas das Santas Casas, mas de todo o Setor Social, piorou e não podemos atribuir as culpas apenas aos Governos, mas antes a quem nos tem representado que, no nosso entender, não tem assumido uma postura firme, coerente e clara na defesa do Setor.
Começando pela atual liderança da UMP não ser capaz de alertar e divulgar junto da opinião pública os erros que representam algumas medidas tomadas, para que as comunidades que servimos tenham clara noção das dificuldades destas Instituições.
Hoje, a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) está enredada numa excessiva proximidade ao poder político, quando deveria ser o referencial e o farol, alertando para os erros que se cometem, numa relação transparente e leal entre os parceiros Estado e Sociedade Civil.
Depois, registamos uma clara ausência de uma estratégia nacional para o Setor Social, veja-se a grave crise nos cuidados continuados, com encerramento de camas pelo País fora, ou veja-se o encerramento de equipamentos do pré-escolar por força da concorrência das Câmaras, sem que tivesse sido estabelecido um acordo que possibilitasse maximizar os equipamentos existentes numa lógica de gratuitidade transversal entre equipamentos da responsabilidade do Estado Local e do Setor Social.
É por isso que integramos o chamado Movimento – Somos Todos Misericórdia, que é uma plataforma informal que promove uma discussão séria e tem a expetativa de dar origem a uma candidatura alternativa, onde o Provedor da congénere da Pampilhosa da Serra, Dr. António Sérgio Martins, assume o papel de porta-voz e desejamos nós, venha a ser o seu líder.
CA: E esse apoio deve-se a quê?
Prof.C: Esse apoio deve-se apenas ao facto de encontrarmos nesse Provedor, uma voz coerente na defesa das Misericórdias nos últimos anos, chamando a atenção para diversas problemáticas como o caso do subfinanciamento da cooperação, a transferência de competências para as autarquias e a tendência para a municipalização das Instituições de Solidariedade Social e ainda, o facto de ser uma personalidade que representa o interior tantas vezes esquecido e no qual as suas Instituições não têm voz.
CA: Falou na transferência de competências para as autarquias, isso preocupa-o?
Prof.C: A pergunta deveria ser antes, é a quem é que não preocupa, pois nem as Câmaras estão satisfeitas!
Na realidade o processo de transferência de competências é, no meu entender e no entender de muitos portugueses, um erro crasso, e vai-se pagar em breve, especialmente quando o dinheiro começar ainda mais a minguar.
E não posso aceitar essa justificação de que as autarquias estão mais próximas do cidadão, quando, nas matérias de intervenção social, são as Instituições que estão nas comunidades e que sempre responderam às solicitações dessa mesma comunidade que assumem essa proximidade.
No final do dia, serão sempre estas a resolver os problemas de acolhimento aos mais vulneráveis, no acompanhamento de situação de risco social e até mesmo no fornecimento de serviços básico como alimentação e tratamento de roupas.
Depois, existem ainda situações em que foi tomada uma decisão politica, legitima entenda-se, mas que não acautelou algumas matérias que resultam do relacionamento entre entidades distintas.
Por exemplo, no caso de Arganil, faz algum sentido promover-se a transferência de competências no campo da saúde sem que, previamente, sejam resolvidos problemas existentes com o titular e legitimo proprietário do edifício e do terreno em que esses serviços funcionam, entenda-se a Misericórdia.
Obviamente, não se pode pedir à autarquia que assuma responsabilidades, algumas das quais de natureza económica, que desconhece e muito menos a esta ser-lhe omitida um conjunto de informações que envolvem questões de litígios no âmbito dos tribunais.
O Estado não pode dispor do seu poder para coartar os direitos dos cidadãos ou das organizações da Sociedade Civil, e a transferência de competências tem representado um atropelo a esses direitos.
Depois, tudo este processo está inquinado à nascença.
Por exemplo, já alguém se perguntou sobre a regionalização? E, desde já, esclareço que não tenho posição sobre este assunto, pois não conheço o modelo e muito menos a vontade do poder político, mas será que ninguém parou para pensar sobre que competências terão as eventuais regiões, face ao leque de competências transferidas para as Câmaras?
Tenho para mim, que existem matérias de que o Estado Central não pode e não deve abdicar, e no final os custos serão maiores, os modelos de funcionamento serão diferenciados de concelho para concelho e tenho sérias dúvidas de que o cidadão obtenha um melhor serviço.
Na realidade, juntou-se a fome com a vontade de comer, o Estado Central quer alijar responsabilidades passando-as para outros, se possível reduzindo custos, e o Estado Local, as autarquias entenda-se, querem ter maior poder e influência para controlarem os ciclos eleitorais a nível local, distribuindo as benesses e os apoios necessários à manutenção do poder e contratualizando recursos humanos. Não quer isto dizer que todos o façam, mas o contexto irá potencializar esse “modos operandis”.
Considero pois, que ao nível da ação social e da saúde o Setor Social deveria ter tido uma posição pública mais firme, desde logo, porque parte desses serviços são assegurados em estreita articulação e colaboração com estas Instituições que não podem ser simplesmente descartadas quando já não são necessárias.
CA: Que mensagem quer deixar em relação ao futuro da Misericórdia de Arganil?
Prof.C: A minha mensagem é a de que manteremos a nossa identidade, os nossos valores e nunca abdicaremos de defender o que nos parece mais justo, reconhecendo o passado dos que serviram com abnegação esta Instituição, sem deixar de encarar o futuro com coragem, mas com capacidade para pensar e refletir sobre o mundo que nos rodeia, e se possível agir sobre este.
Mas de igual modo, procurando melhorar os serviços que prestamos aos nossos utentes, e, dentro das possibilidades, melhorar as condições dos nossos trabalhadores.
Somos uma Instituição com memória e futuro, ou não tivessem as Misericórdias mais de quinhentos e vinte anos de existência em Portugal.