“Todos vão ouvir a nossa voz/Levantemos os braços, há pressa no ar/Jesus vive, não nos deixa sós/Não mais deixaremos de amar”, é este o refrão da música “Há Pressa no Ar”, que “evoca também a festa e a alegria centrada na relação com Deus” e foi escolhida como hino para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que vai decorrer em Lisboa, de 1 a 6 de Agosto próximo e que irá contar também com a presença do Papa Francisco.
Inspirado no tema “Maria levantou-se e partiu apressadamente” (Lc1,39), citação bíblica escolhida pelo Papa Francisco como lema da XXVIII Jornada Mundial da Juventude, em 2023, e que como relata a passagem bíblica, se desenvolveu em torno do ‘sim’ de Maria e da sua pressa para ir ao encontro da prima Isabel e, gravado em duas versões, português e na versão internacional em cinco idiomas (português, inglês, espanhol, francês e italiano), “Há Pressa no Ar” tem arranjos musicais de autoria do músico Carlos Garcia, letra do padre João Paulo Vaz, e música de Pedro Ferreira, professor e músico, ambos da Diocese de Coimbra.
E por esse facto, além de outros, a forte ligação e participação da Diocese de Coimbra na organização da Jornada Mundial da Juventude e por isso também quisemos ouvir o seu Bispo, D. Virgílio Antunes, sobre o envolvimento dos jovens que vêm de todo o Mundo para participar nesta grande festa e que são “convidados a identificarem-se com Maria, dispondo-se ao serviço, à missão e à transformação do Mundo”.
E o Bispo D. Virgílio Antunes, começou por nos dizer que “para a Diocese de Coimbra tem sido um tempo muito importante, devo dizer que é dos acontecimentos mais importantes destes últimos 11 anos em que estou na Diocese, é aquele que despertou maior interesse, maior envolvimento, maior entusiasmo e também penso que é aquele que estamos a conduzir com mais segurança, com mais optimismo, com mais esperança. Felizmente temos uma equipa do COD, constituída por mais de 50 pessoas, que assumiram a responsabilidade de conduzir todo este processo, deleguei neles totalmente a organização quer da preparação, quer dos dias na Diocese, quer depois na Jornada Mundial da Juventude, juntamente com o Secretariado da Pastoral Juvenil…
A COMARCA (AC) – E que, segundo sabemos, estão a fazer um bom trabalho…
BISPO DE COIMBRA (BC) – Estão a fazer um trabalho imenso e que tem todas as valências, desde a comunicação à produção de conteúdos, depois a organização dos eventos, os dias na Diocese, as famílias de acolhimento, as peregrinações dos símbolos, a peregrinação aos lugares significativos dos patronos da Jornada Mundial da Juventude, no nosso caso diocesano.
AC – Mas tudo isto não deixa ter também o envolvimento dos adultos?
BC – Agora estamos a trabalhar, sobretudo, nesta fase para que os adultos continuem, com o entusiasmo que já têm, no amparar, no acolher, no organizar, no facilitar todas estas diligências, mas agora sobretudo voltados para os jovens que, como sabemos, têm muitas capacidades de acolhimento, mas precisam de ser entusiasmados, precisam de ser envolvidos. E esse é o trabalho sobre o qual nos estamos a debruçar agora de um modo especial mas, como já disse e volto a referir, nestes últimos 11 anos em que estou cá, nunca vi um movimento, uma atitude, um acolhimento e um entusiasmo como a propósito da Jornada Mundial da Juventude.
AC – Isso não deixa de contrariar um pouco aquilo que, tantas vezes, se diz (e pensa) dos nossos jovens…
BC – Sem dúvida alguma. Nós já tínhamos um Plano Pastoral Diocesano focado nos jovens, para envolver os jovens, dar responsabilidade aos jovens, metê-los inclusivamente dentro daquilo que são as estruturas pastorais, mas também administrativas e litúrgicas da vida da Diocese, porque os jovens não funcionam enquanto são simples observadores e, às vezes, até com alguma desconfiança por parte dos adultos que ainda não sabem se vai dar certo ou não e, portanto, estamos numa atitude completamente diferente, quer envolvendo-os, quer pô-los na primeira linha de lhes atribuir responsabilidades, tal como fez o Papa depois do Sínodo dos Jovens, num documento muito importante que deu à Igreja chamado ‘Cristo Vivo’, onde delineia um conjunto de aspectos fundamentais. E nós não queremos uma Igreja envelhecida, não queremos uma Igreja que esteja sem esperança e quem pode dar essa dinâmica juvenil e essa esperança viva e activa só podem ser os jovens, são aqueles que têm capacidade de construir algo de novo e que podem trazer à sociedade e à Igreja algo de novo. E nós estamos numa fase em que a Igreja percebe que precisa de sangue novo, alma nova, criatividade nova, fé nova, entusiasmo novo e isso está nas mãos dos jovens
AC – Igreja que tem andado nas bocas do Mundo…
BC – Apesar de tudo nós somos uma Igreja que é santa e é pecadora, temos pessoas que hoje conseguem melhor viver a sua fé, outras menos, mas com certeza que há defeitos e há problemas internos da Igreja , também há o modo como os outros vêem a Igreja, umas vezes de forma justa, outras vezes de forma injusta, mas nós temos de contar com tudo isso e não pode ser nada disso que nos demove a continuarmos a procurar viver e comunicar aquela que é a mensagem que não é nossa, mas que tem valor absolutamente universal. Apesar de todas as debilidades que nós temos, ou que os outros dizem que nós temos, umas vezes com justiça outras vez sem justiça.
AC – Mas apesar de tudo, não deixam de ter sentido de justiça…
BC – Os jovens querem sobretudo que haja verdade, os jovens sabem que o Mundo não é perfeito, que a Igreja não é perfeita, que eles próprios não são perfeitos, mas querem o Mundo com verdade, querem o Mundo com justiça, querem o Mundo com amor, querem o Mundo com transparência. E tudo isto nós precisamos, na Igreja e na sociedade.
AC – Uma Igreja que, particularmente entre os jovens, tem crise de vocações sacerdotais…
BC – A nossa Diocese de Coimbra, felizmente, tem tido nos últimos anos um aumento de vocações sacerdotais. Parece quase a contra ciclo, mas este ano entraram três jovens no Seminário, o ano passado entraram outros três, alguns com licenciaturas feitas, que já estiveram a trabalhar em vários lugares e que têm um caminho de fé já com uma experiência muito grande nas paróquias.
AC – Uma grande alegria para o Bispo?
BC – Imensa, é das coisas que mais alegria dão ao Bispo e ao povo de Deus, é o facto de termos vocações, porque a certa altura vivemos alguns tempos um bocadinho incertos e até de pouca confiança e pouca esperança, em que dava a impressão que estava tudo para acabar.
AC – Contudo, não deixa de haver dificuldades em nomear párocos para as paróquias da Diocese?
BC – Temos de reconhecer que Igreja não tem hoje os sacerdotes que considera suficientes e necessários, mas por outro lado também temos tido – e a nossa Diocese de Coimbra é pioneira, vai à frente nesse aspecto – a preocupação de nos organizarmos de forma diferente, porque as pessoas sabem, apesar de algumas não entendem bem isso, que não é preciso um padre em cada paróquia ou em cada duas paróquias, sobretudo se são pequenas ou se têm uma população muito reduzida. Nós já fizemos uma primeira versão daquilo a que chamamos as Unidades Pastorais e agora, ao longo deste ano, estamos a concluir o segundo projeto que é a remodelação daquilo que tínhamos antes considerado de organização da Igreja em Unidades Pastorais, procurando que cada uma delas tenha um, ou dois ou três sacerdotes, conforme as possibilidades e também as necessidades, procuramos sobretudo que o povo de Deus esteja envolvido e que a questão da missão da Igreja não seja exclusiva dos sacerdotes, mas também do povo de Deus que tem uma missão a realizar.
AC – Uma missão que tem sido abraçada por muitos leigos a trabalhar dedicadamente nas paróquias…
BC – Felizmente há muita gente a trabalhar e até a formar-se para realizar a missão da Igreja, sempre em cooperação com os sacerdotes, portanto mais padres menos padres é uma questão também relativa, nós conhecemos Igrejas do Mundo, concretamente em alguns países de missão que, com poucos padres, conseguem ser Igreja a crescer, mas também conhecemos Igrejas do Mundo, com muitos padres, que são Igreja em decréscimo, em declínio.
AC – Neste momento qual é a maior dificuldade do Bispo de Coimbra
BC – A maior dificuldade é esta erosão no sentido da fé, mas mais ainda, a maior parte das pessoas continuam a considerar que tem fé em Deus e até que são católicas, nos próprios censos de 2020/2021 mais de oitenta por cento da população portuguesa diz que é católica, mas entre isso e aquilo que é o sentido e pertença à Igreja, fazer parte da vida da comunidade cristã e a prática dominical, vai uma diferença muito grande. E essa é uma das maiores, se não a maior dificuldade que sente a Igreja nos dias de hoje.
AC – Mas porque falamos em dificuldades, não podemos deixar de lhe colocar outra questão e que se relacionada com a presidência dos Centros Sociais Paroquiais, porque estando alguns dos párocos tão absorvidos na vida das paróquias, porque é que a essa missão não pode ser desempenhada pelos leigos?
BC – É evidente que os Centros Sociais Paroquiais nasceram ligados às paróquias e para responder às necessidades da população. E ainda bem que nasceram, porque se não tivessem nascido haveria uma falha e um hiato muito grande nesse sector da assistência social que a Igreja, com os párocos à frente, procuraram liderar e desenvolveram. E foram pioneiros, mas agora de facto as circunstâncias estão efectivamente a mudar. No último modelo de estatutos das IPSS, concretamente dos Centros Sociais Paroquiais, já está aberta a hipótese do presidente ser o pároco ou poder ser uma equipa de leigos indicadas pelo pároco, depois de ouvidos os Conselhos para os Assuntos Económicos, Pastoral, para que haja um consenso alargado. Nós, na nossa Diocese, ainda não demos esse passo, foi um dos assuntos do Conselho Presbiteral, exactamente essa possibilidade de abertura da presidência dos Centros Socais Paroquiais ser da responsabilidade de outras pessoas que não o sacerdote, embora sempre com a concordância por parte da Diocese, como é comum nestas IPSS ditas de natureza fundacional e que dependem da sua tutela e, portanto e como já acontece com outras que têm tutela diocesana, tudo indica que, num futuro próximo, nós possamos ter na nossa Diocese também direcções dos Centros Sociais Paroquiais não presididas por sacerdotes.
AC – Mesmo sendo tuteladas pela Igreja, não deixam de ser comuns as dificuldades que afectam o sector social?
BC – É uma dificuldade e uma das notas que a Conferência Episcopal destacou., as grandes dificuldades que estão a viver todas as IPPS porque, de facto, o financiamento da Segurança Social não tem acompanhado aquilo que é o evoluir das despesas com os encargos, a todos os níveis, que no dia-a-dia acabam por afectar as instituições no cumprimento daquilo que é a sua missão mais nobre que é servir e ajudar os que mais necessitam e, por isso, não podem viver de forma tranquila. Não têm capacidade de subsistência e esse é um problema grave que se está a sentir em Portugal. E que afecta também as IPSS que têm a tutela da Igreja.
Um Bispo atento, moderno, que conhece bem a sua Diocese e o povo de Deus que lhe está confiado e que, mesmo apesar dos tempos difíceis que se vivem, nomeadamente e como recordou com o conflito da Ucrânia, “a humanidade está a sofrer em consequências de uma guerra”, mas mesmo assim e como disse D. Virgílio Antunes, “somos gentes de esperança, mas a esperança também se constrói e o futuro constrói-se com a mudança interior, com a conversão, com sentido dos outros de uma forma alargada e universal. E essa é que é a mensagem fundamental que temos de desempenhar, com o empenho e a envolvência de todos e de cada um na construção de um futuro de esperança.