Lembrando o fundador da ACAPO

A. Borges de CarvalhoComo acontece várias vezes, ontem fui ver o meu amigo Pedro  Marques, um jovem invisual que tem dado muito boa conta dele. Está a  concluir a tese de Mestrado na Faculdade de Direito, em Coimbra, orientado pelo Prof. Pedro Caeiro, de quem diz muito bem.

Lá me sentei à fogueira, juntamente com os pais, a escutar desabafos. O que eles têm passado é lamentável… Viviam num barraco que caiu. Incentivados pelo Presidente da Câmara da altura, Carlos Portugal, que mandou elaborar o projecto e isentá-los de taxas, atiraram-se a reconstruir o casibeque, praticamente de raiz. Durante sete anos durou a obra: ele a juntar tijolo e a esposa a dar serventia! O marido com o mal das minas, o filho invisual, a filha a ajudar como podia.

Tendo feito o 12.º ano, com aproveitamento, o Pedro matricula-se na Faculdade. A mãe não tem outro remédio senão acompanhá-lo diariamente. Nos cantos dos corredores da Faculdade senta-se a fazer renda para ajudar nos estudos do filho. Aos 18 anos cortam-lhe o subsídio. Começa a peregrinação pelos gabinetes das várias instituições. Uma funcionária acolhe-os com atenção, outra manda-os cavar. O pai do Pedro vai desfolhando o dossier dos ofícios… Este diz que está isento, aquele que tem uma dívida. Incentivos só dos professores. O Pedro, com a sua memória privilegiada, vai completando o que o pai não refere! A mãe limpa as lágrimas. Pasme-se! Um invisual brilhante não tem direito a apoios!

Dias antes eu tinha escutado o presidente da Acapo, Dr. Guerra, a apresentar a última revista em Braille. Resolvi passar pela Biblioteca, na Casa da Cultura, em Coimbra. Pensei falar com ele sobre esta problemática dos deficientes invisuais. Uma senhora, prontamente,  levou-me ao seu gabinete.  Foi amabilíssimo. Logo me apresentou um colega que trabalhava ali ao lado e explicou-me todas as actividades e publicações em Braille. Falámos do Rafael e da esposa, a Maria Judite, ambos invisuais, de Oliveira do Hospital; ele a trabalhar no Lar do Hospital, como telefonista e ela não arranjou trabalho senão em Coimbra. Lá vai, diariamente, fazer 160 kms na camioneta da carreira.

Mais três dias e fico surpreendido com  uma notícia da imprensa: O Dr. José Adelino Guerra cai à saída do serviço, na Rua Pedro Monteiro; uma queda fatal que lhe provocou a morte. Centenas e centenas de invisuais clamam agora a morte do fundador e dirigente da Acapo. Junto-me a eles para chorar uma perda irreparável. Jamais esquecerei este homem, este cristão e a maneira gentil como me recebeu.

A. Borges de Carvalho