Neste Natal não esqueçamos o sabor da esperança

Estamos no Natal.

Em cada ano muito se escreve, muito se diz sobre o Natal. Repetem-se as
mensagens, os votos de feliz Natal, mas sinceramente não me recordo de uma
que até hoje me tenha tocado tão profundamente como aquela que li, há dias,
num dos livros do padre e jornalista espanhol José Luís Martin Descalzo.

Numa das páginas do livro, num capítulo que tinha como título “Pregão para
um Natal entre medos”, escrevia aquele sacerdote:

Neste Natal, em que o mundo treme de fome e de guerra, de desemprego e bomba
atómica, nesta nossa terra que está quase a esquecer o sabor da esperança, o
Natal e o Deus Menino vêm despertar-nos de tantos e tantos medos, e
ensinar-nos a olhar a vida com os olhos ardentes com que há anos esperávamos
os presentes. Gostaria que o mundo tornasse a ser uma grande escolha, que
estivéssemos ainda todos sentados nas velhas carteiras, que Deus fosse o
Professor que escreve no quadro o verbo AMAR. Gosto de repetir aos meus
amigos aquela espantosa lição que Bernanos dava um dia às crianças de uma
escola: “Nunca esqueçais que este mundo odioso se mantém de pé pela doce
cumplicidade – sempre combatida, sempre a renascer – dos santos, dos poetas
e das crianças! Sede fiéis aos santos! Sede fiéis aos poetas! Sede fiéis à
infância! E nunca vos converteis em adultos!”.

Se conseguíssemos estas três felicidades, seria sempre Natal. E a alegria
seria muito mais ampla e forte do que os medos.

Foi escrito há anos, este livro do padre José Luíz Martin Descalzo. Mas
parece ter sido escrito hoje. Porque continua actual a sua mensagem.
Actualíssima, infelizmente, passados que são tantos anos, porque afinal,
ontem como hoje, neste Natal, o mundo continua a tremer de fome e de guerra,
de desemprego e bomba atómica. Porque afinal, esta nossa terra está quase a
esquecer o sabor da esperança.

Mas para que não seja esquecido o sabor da esperança será necessário, será
urgente, que o Natal e o Deus Menino venham, de facto, despertar-nos de
tantos e tantos medos, e ensinar-nos a olhar a vida com os olhos ardentes
com que há anos esperávamos os presentes. É urgente, é necessário que o
mundo torne a ser uma grande escolha, que estivéssemos ainda todos sentados
nas velhas carteiras, que Deus fosse o Professor que escreve no quadro o
verbo AMAR.

Não há outro caminho. Mas há outras escolhas, como aquela de que fala o
padre José Luíz, sobre a espantosa lição que Bernanos dava um dia às
crianças de uma escola, porque pode estar aqui uma das chaves do segredo
para conseguirmos as tais três felicidades capazes de que levar o coração e
a acção dos adultos a haver sempre Natal. E assim, não temos dúvida, a
alegria seria muito mais ampla e forte do que os medos. Seria o verdadeiro e
autêntico pregão para um Natal… sem medos.

Infelizmente e cada vez mais, os medos existem. São vividos e sentidos pelos
jovens, pelos idosos, pelos casais, pela maior parte das pessoas que, na
incerteza do amanhã, no desemprego, na instabilidade, na angústia, no drama
de não ter pão para dar aos filhos, não são capazes de interiorizar seja que
pregão for, porque como dizia um grande Bispo português, “não se pode pregar
a pessoas de estâmago vazio”.

Mas a realidade, triste realidade, é que são cada vez mais as pessoas de
estâmago vazio e a sofrer as consequências dos erros de quem governa, da
ganância de alguns, muito poucos, que continuam a “engordar” com a miséria
dos outros. É um escândalo, que a todos devia envergonhar, como deviam
envergonhar as mensagens, tantas vezes ocas e sem sentido, que se lêem, que
se ouvem, que se trocam em cada Natal. Mais do que as palavras, são
necessários os actos. É urgente pôr mãos à obra. São necessários gestos
capazes de fazer renascer a esperança neste mundo que treme de fome e de
guerra, de desemprego e bomba atómica, nesta nossa terra que está quase a
esquecer o sabor da esperança.

Apesar de tudo, não esqueçamos este sabor. O sabor da esperança. São esses
os nossos votos.

FELIZ NATAL para todos.

J. M. CASTANHEIRA