Ele era simplesmente o “Chico da Comarca”, tal a identificação que tinha e que por todos era reconhecida com este periódico. Estou a referir-me a Francisco Carvalho da Cruz que, no final da semana passada, nos deixou e partir para a viagem de onde não há regresso, depois de uma vida, praticamente toda ela, dedicada a este jornal.
Tive a felicidade de conviver de perto com ele e de, por ele, ter sido tido no número dos seus amigos. Pouco mais velho do que eu, encontrámo-nos pela mão do meu saudoso (já também), primo padre José Vicente que, desde os meus primeiros anos de estudo no Seminário da Figueira, me meteu o bichinho de escrever para a A COMARCA. Era então director o saudoso João Castanheira Nunes, mas os contactos directos eram com o “Chico” que, por aquela altura fazia serviço de tipógrafo mas já revelava qualidades de escrita. Mais tarde, no início da década de sessenta do século passado, a proximidade tornou-se maior já que a vida paroquial me levou até ao Piódão onde o tão bichinho da escrita se tornou mais acutilante, a ponto de criar nas colunas deste jornal, uma local intitulada “Penedos Altos”. Por aqui passaria, ao longo dos dois anos em que ali permaneci, todo o pulsar da vida da freguesia do Piódão. E, claro, os contactos com o “Chico” tornaram-se praticamente diários, já que ele era não um simples tipógrafo mas um redactor com qualidades para chefiar a redacção, cargo a que viria a ascender por mérito e direito próprios, não muito tempo depois. Os anos vão passando. O director João Castanheira tem no “Chico” o seu braço direito, praticamente o homem que faz tudo em termos redactoriais, evidentemente com a ajuda dos colegas que o director lhe disponibilizava para este trabalho. João Castanheira, abalado na saúde, sente que a sua A COMARCA DE ARGANIL precisava de “sangue novo”. Nomeia o “Chico” seu sub-director e, naturalmente, prepara-o para lhe suceder no cargo de director, o que viria a acontecer, pouco tempo depois. João Castanheira deixava este mundo, mas deixava a A COMARCA bem entregue nas mãos do “Chico” e sob a sua direcção.
Francisco Carvalho da Cruz, o “Chico da Comarca” chegava assim ao topo da hierarquia do jornal. Subiu a pulso a escada da vida, sempre dedicado a esta empresa, particularmente o jornal, plenamente identificado com ele. Podemos dizer que, para o “Chico”, a A COMARCA era a sua segunda casa, de tal modo que não se podem dissociar uma do outro. O “Chico” não vivia A COMARCA. Amava A COMARCA. Vivia para A COMARCA. Quando as coisas não corriam tão de feição como desejava, o “Chico” amargurava-se, lutava para que tudo corresse pelo melhor. Com que mágoa ele viu suspender a publicação da sua A COMARCA!… Foi para ele um rude golpe. Sei e guardo, qual segredo de confissão, todos os desabafos que, nessa altura, teve comigo. Com esta suspensão, morria não parte mas toda uma vida para o “Chico da Comarca”.
Enquanto pessoa, o “Chico” foi o que era como profissional: dedicado aos amigos e à família, pacificador, humilde, por vezes reservado, atento ao que se passava à sua volta, disponível para ajudar, frontal, procurando sempre aperfeiçoar-se mais na sua profissão, exigente consigo e também com os outros. Evitava conflitos e, quando estes surgiam, procurava a melhor solução pela via do consenso.
Admirei-o sempre por ver que era alguém que, na vida, nunca trepou esmagando quem quer que fosse, mas subiu pelo próprio pulso, com muito esforço e reconhecida tenacidade.
O “Chico da Comarca” partiu para o Além próximo de fazer 79 anos de idade. Dele fica uma vida praticamente toda dedicada à A COMARCA.
Paz à sua alma.
À sua viúva, aos seus filhos, noras e netos deixo um sentido abraço de condolências e de solidariedade cristã, recordando-lhes que “não há mortos; há apenas vivos, uns aqui, outros no Além”.