Na última edição d’ A Comarca abordei o aumento exponencial da receita fiscal em Portugal, muito impulsionada pelos impostos como o IVA, que são o reflexo do galopante crescimento da taxa de inflação.
Nesse mesmo texto defendi, e continuo a defender, a necessidade de retorno de parte do excedente dessa receita fiscal à economia, designadamente a áreas que consubstanciem e impulsionem o crescimento sustentado do País, com relevo e destaque para as empresas.
Contudo, se há Setor que há muito merece maior reconhecimento pelo Estado ele é, sem dúvida alguma, o Setor Cooperativo e Social, pilar na implementação do modelo de proteção social que vigora em Portugal ao longo destes 48 anos de democracia.
E se provas fossem necessárias para reiterar a sua importância, estas foram dadas com a pandemia, na medida em que, apesar dos escassos recursos alocados às Instituições de Solidariedade Social para a sua missão, estas nunca deixaram de se esforçar para que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) não colapsasse, mantendo no seu seio os mais vulneráveis, que neste caso eram, e são, os mais velhos.
No entanto, ao longo das últimas décadas, o fosso entre as comparticipações do Estado e os custos de funcionamento das Instituições tem aumentado exponencialmente, fruto, também, da constante exigência dos serviços desse mesmo Estado, sem que daí se vislumbre e espere qualquer aumento do esforço das famílias para mitigar esses custos, perante os cada vez mais diminutos rendimentos disponíveis.
Recentemente, foi assinada a Adenda ao Compromisso de Cooperação 2021-2022, mais precisamente no dia 27 de Julho, por meio da qual são revistas as comparticipações do Estado ao funcionamento da chamada rede solidária de equipamentos da responsabilidade do Setor Cooperativo e Social, mas ao contrário das expetativas essa adenda foi, e é, um autêntico “flop”.
Apesar da campanha despudorada por parte de alguns comentadores políticos afirmando as virtudes de tal acordo, na realidade, esse mesmo acordo é uma mão cheia de nada, e nem os representantes do Setor o podem defender, ao contrário do que têm vindo a fazer, o que, desde já, não se entende e muito menos se compreende.
A subida do Salário Mínimo Nacional (SMN) em 6%, acrescida aos valores atuais da inflação (9,1% em Julho), traduzem um aumento de custos diretos e imediatos em, pelo menos, 15% e estes não se ficam por aqui.
Desde logo, porque a enorme dependência energética destas instituições para a sua atividade (gás, eletricidade, combustíveis viaturas, etc), assim como os elevados consumos ao nível dos produtos alimentares, alteram os próprios valores da inflação que, na realidade, estará bem mais perto de 12% do que os atuais 9,1%.
Pasme-se, que o aumento das comparticipações do Estado não vai além de 3,6% para a generalidade das respostas sociais, nem sequer chegando para cobrir os gastos com o SMN, às quais serão deduzidas os 2,73% atribuídos em janeiro de 2022 a título excecional!
Obviamente, a ilusão de que os Lares de Idosos (ERPI) e os Centros de Dia passaram a ter aumentos de 8,4% e 11,49%, respetivamente, parecia e parece muito, quando, na realidade, correspondem apenas a mais 36,43 euros para os lares/utente e 14,43 euros para os Centros de Dia/utente.
Ou seja, os valores em causa estão, claramente, abaixo da atualização do SMN para 2022 e que foi, incluindo a Segurança Social, de mais 48,92 euros por cada colaborador, isto já para não falar do Fundo de Compensação que cada uma das entidades tem que provisionar, sem esquecer os aumentos realizados, quando foi esse o caso, para os restantes trabalhadores.
Contudo, a promessa política de atribuição de creches gratuitas a partir de Setembro, como medida de justiça social, embora questionável, pois tanto isenta ricos como pobres, pareceu iludir a negociação entre Estado e Instituições.
As entidades representativas do Setor Social, com a quimera de um aumento interessante por parte do Estado, neste caso, passou a ser de 460,00 euros/criança/mês, facilmente fez esquecer todas as outras componentes e respostas sociais.
Infelizmente para o País, não existem creches em todas as Instituições, pois não há crianças, e infelizmente para as Instituições e comunidades, o que existem mais são “velhos” e não jovens.
Mas os problemas da recente adenda não se ficam por aqui, temos ainda a inclusão de uma lógica estranha de atribuir “esmolas” extraordinárias às Instituições, como se fossem uma benesse na relação com o Estado, quando essas mesmas “esmolas” deveriam estar integradas nas percentagens das atualizações.
Ou pior, colocar na adenda em causa a premissa de que a atribuição das atualizações das comparticipações está dependente da celebração, ou revisão, da contratação coletiva com os Sindicatos, é considerar que os parcos aumentos das comparticipações deverão ser canalizados para salários. Então e quem paga os custos da inflação?
Já para não falar de que tal texto, como está formulado, retira capacidade negocial a uma das partes, e neste caso as Instituições, invertendo a lógica da própria negociação coletiva.
Segue-se agora a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, onde pouco se espera, a manter-se a receita da negociação da atual adenda, e aqui os problemas agudizam-se com várias unidades a fechar de norte a sul do País.
Depois da enorme expetativa criada com a assinatura do Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social em Dezembro de 2021, antecedendo as eleições, e em que se propunha o empenho do Setor Estado em suportar 50% dos custos dos utentes nas respostas sociais, atualmente não chegará a 35%, o que verificamos é que esse empenho, mais uma vez, se esfuma no ar.
Até se podia perceber, em virtude da crise económica e do conflito bélico que atinge a Europa, os resultados deste acordo, isto se o Estado não continuasse a “aferrolhar” somas astronómicas de receitas que podiam, e deviam, ser distribuídas pela Sociedade Civil e, neste caso, junto do Setor Social que tanto faz, com tão pouco.
Na atualidade, o Setor Cooperativo e Social, outrora um pilar da Democracia e de maturidade deste regime, pois evidenciava o empenho da Sociedade Civil na resolução dos problemas em parceria com os organismos Públicos, mais não é do que uma dependência do Setor Estado de terceira categoria, sem a autonomia efetiva e caminhando a passos largos para a nacionalização ou, porventura, para a municipalização.
Qual delas será a pior?
NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)