Estão em marcha as celebrações dos 50 anos do 25 de Abril, as quais tiveram o seu início no passado dia 23 de Março, alegadamente na precisa data em que a Democracia atingiu mais um dia de existência do que o antigo regime.
Com pompa e circunstância, foi dado início a um programa de comemorações que culminará a 25 de Abril de 2024, precisamente meio século após a queda do Estado Novo.
Considerando o momento que a Europa atravessa, marcado pela invasão de um País independente por parte de um regime autocrático, mas cuja máscara não esconde uma verdadeira ditadura do tempo da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a referida celebração ganha maior importância para a nossa existência enquanto Nação.
No entanto, e percebendo que o que irei dizer poderá ferir algumas sensibilidades, importa fazer bem as contas nas datas, para que, a pretexto da celebração de tão importante evento nacional, não sejam branqueadas algumas das situações que se seguiram ao golpe militar que derrubou Marcelo Caetano, e acima de tudo, derrubou os pilares de um regime que, ele próprio, aniquilou aquilo que ficou conhecido como a “Primavera Marcelista”.
A pretexto das celebrações terem começado no passado dia 23 de Março de 2022, com a justificação de que o regime democrático tinha passado, em longevidade, a sua existência face ao Estado Novo, importa chamar a atenção que não foi bem assim, pelo menos penso eu.
É bom recordar que, após o 25 de Abril de 1974, sucedeu-se um conjunto de atropelos à Liberdade, mesmo que tenha sido esta o mote para a “Revolução dos Cravos”, uma revolução como só os Portugueses conseguiam fazer.
Não podemos escamotear, ou sequer desvalorizar, que, após o grito de Liberdade dos Portugueses, liderados pelos Militares que se sublevaram, teve início o Processo Revolucionário em Curso (PREC) que visava conduzir o País a um regime Socialista, ou seja, instituir uma ditadura comunista com o apoio da ex-URSS, a mesma que deu origem a Vladimir Putin, o mesmo que invadiu uma democracia, entenda-se a Ucrânia.
Esse período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974 ficou, também, marcado por prisões arbitrárias, saneamentos profissionais, perseguições de pessoas cujo único crime foi o de terem trabalhado na máquina do Estado.
É bom que nos recordemos que, após o 25 de Abril de 1974, foram emitidos mandatos de prisão em branco que eram remetidos para as mais diversas localidades e alguns dos “novos democratas” os preenchiam com os nomes daqueles que, pura e simplesmente, odiavam ou com eles desejavam “acertar contas”.
Isso não é, nem nunca foi, sinónimo de Democracia. Os inocentes serão sempre inocentes!
É bom que não se esqueça que, após o 25 de Abril de 1974, alguns Partidos Políticos procuraram estabelecer o regime de partido único e de unicidade sindical, características apenas existentes nos regimes ditatoriais da esfera da antiga URSS.
Assim, parece-me demasiado forçado afirmar-se que no dia 23 de Março de 2022 a Democracia, como nós a conhecemos e valorizamos, passou a ter mais um dia de existência do que o Estado Novo.
Recordemos que a Constituição da República Portuguesa, pós 25 de Abril de 1974, apenas foi aprovada em 2 de Abril de 1976, entrando em vigor a 25 desse mesmo mês, ou seja, exatamente um ano após as primeiras eleições livres (25 de Abril de 1975).
E foi nesse mesmo ano que se deu o 25 de Novembro (1975) que, ao contrário do que alguns pensam, foi uma tentativa de Golpe Militar, liderado pelos defensores de um regime socialista em Portugal, com o intuito de evitar a consolidação da Democracia.
Foi resultado desse acontecimento, e da reação da Sociedade Civil, dos Partidos realmente democráticos e de parte significativa da estrutura militar, que o PREC entrou em declínio definitivo, ou mesmo terá terminado como prática institucional.
Assim, dizer-se que o regime Democrático teve início no dia a seguir ao 25 de Abril de 1974 de forma simplista, é o mesmo que desvalorizar e branquear todos aqueles que foram contra ela, ao defenderem uma República Socialista para Portugal, com um sistema de Partido único como a China, a Coreia do Norte e a extinta URSS.
O PREC nunca foi uma afirmação de Democracia, o PREC era o caminho para a ditadura e enquanto este não foi desmantelado, nunca se poderá dizer que houve Democracia plena.
Mas mais grave, afirmar hoje o contrário, será permitir que aqueles que atiram culpas para o mundo ocidental e as suas Democracias pela guerra na Ucrânia, continuem isentos de culpas pelos atropelos aos direitos dos Cidadãos no pós 25 de Abril de 1974.
Para mim, a contagem da idade da Democracia plena em Portugal começa após o 25 de Novembro de 1975, sem que isso possa beliscar o sentido e a importância do 25 de Abril de 1974, e sobre o qual não pode, nem deve, haver dúvidas existencialistas.
Só assim estaremos de bem com a nossa História e de bem com os acontecimentos que na atualidade assombram a Europa, pelo menos naquela que é Democrática.
NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)