NOTA DA SEMANA: A doença do país

Em 2024 ocorrerá a celebração dos cinquenta anos do 25 de Abril, data que marca a mudança de regime em Portugal e que determina a entrada do País na era democrática, rumo a um modelo europeu de desenvolvimento.

Mas em bom rigor, e apesar da importância da data em causa, tudo podia ter sido bem diferente, na medida em que a distância entre a substituição de uma ditadura por outra foi muita curta.

Quis o destino, a vontade e coragem dos moderados e a sorte com que a nossa história e geografia nos bafejam, que Portugal tivesse rumado a uma verdadeira Democracia.

Mas se a Democracia foi a maior conquista de Abril, não quer isto dizer que os princípios da mesma estejam refletidos em todos os setores de atividade nacional e da vida em Sociedade…polémico, talvez, mas infelizmente é a realidade.

Com o 25 de Abril Portugal obteve duas grandes conquistas, a primeira foi a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a segunda foi o estabelecimento de um modelo de proteção social contínuo no tempo e extensivo a todos os cidadãos.

Se em relação ao primeiro todos falam dele, especialmente nos últimos tempos e pelas piores razões, já em relação ao segundo apenas de tempos a tempos, e por norma durante a discussão dos Orçamentos de Estado, é que o mesmo tem honras de atenção.

Contudo, se hoje temos um SNS, este deve-se muito ao facto de termos um modelo de proteção social, pois é este que assegura o pagamento de pensões/reformas, a proteção no desemprego e na doença, as inúmeras prestações sociais e, acima de tudo, uma responsabilidade e solidariedade intergeracional, através das quais os mais novos contribuem para os mais velhos.

É em redor desse modelo de proteção social, que muitos gostam de chamar de Estado Providência, que tudo o resto gira, desde o fundamental SNS, ao sistema de educação que forma, por exemplo, os médicos, os enfermeiros e tantos outros profissionais que integram esse mesmo SNS.

Talvez por perceber a importância do tal modelo de proteção social, que tantos esquecem, diminuem e até desvalorizam no debate de ideias sobre o atual estado em que se encontra o SNS, procurei distanciar-me da “gritaria” que sucede sobre este último, e onde poucas soluções são apontadas para resolver e solucionar a crise existencial em que este se encontra.

E nesse posicionamento percebi que ao longo dos mais de quarenta anos de existência do SNS, a maioria dos Ministros da Saúde eram médicos, como o atual, que o curso de medicina é o único que tem “numerus clausus”, que o número de faculdades é limitado para o ensino de medicina e que foram vários os processos recusados de abertura de novas faculdades privadas e que, ao contrário de outros cursos superiores, os médicos, ainda antes de terminarem a totalidade do processo de formação (internato), são remunerados.

Por outro lado, após a respetiva formação por via do ensino/formação público, os médicos não têm qualquer período obrigatório de exclusividade no SNS, ao contrário de outras profissões, como é o caso dos pilotos formados na Academia da Força Área, os quais têm de disponibilizar vários anos de atividade a esse ramo das Forças Armadas, antes de entrarem na aviação Privada.

Lembrei-me depois, da greve dos enfermeiros, a tal greve “cirúrgica” que foi apelidada de selvagem por muitos, e que no meu entender nunca deixou de a ser, ficando no ar a pergunta: e a dos médicos às horas extraordinárias, como poderá ser apelidada, especialmente quando assistimos ao encerramento de urgências hospitalares?

Uma era ilegal por ser “cirúrgica”, a outra é legal porque os médicos recusam fazer as horas extraordinárias acima do estabelecido legalmente, mas que sempre as fizeram?!

Em bom rigor, se queremos associar o SNS ao regime democrático conquistado com o 25 de Abril, que sentido faz haver urgências encerradas, incapacidade na prestação de cuidados de saúde, grávidas a deslocarem-se de maternidade para maternidade, e tantas outras coisas que nos devem fazer pensar que muito mal está a nossa Democracia quando uma das suas “bandeiras” está esfarrapada.

Perdoem-me todos aqueles que não queiram perceber as minhas palavras, ou que as entendam pelas piores razões, mas na realidade chegámos à beira do colapso do SNS, e não foi apenas por culpa deste Governo nem dos outros Governos!

Que modelo é este o das horas extraordinárias? Um modelo que foi sendo criado e estabelecido com a conivência de todos e que ninguém tem, ou teve, coragem para mudar!

O SNS há muito que precisa de uma reforma, uma reforma democrática, pois tendo sido criado pela Democracia, há muito que deixou de ser um sistema democrático e todos os cidadãos que recorrem a ele sabem disso.

Um SNS que conduz a que quem tem dinheiro recorra aos privados, ou faça seguros de saúde para não ficar a morrer à espera da cirurgia programada, ou da consulta que tarda em surgir, ao invés da grande maioria dos Portugueses a quem a resposta pública é a única que lhes resta.

Um SNS que gerou um sistema perverso de combate às listas para as cirurgias no público, que em vez de as reduzir, está longe de acabar com elas.

Ou que cria modelos de gestão de Unidades de Saúde, apelidados de inovadores e promotores do mérito, onde se premeia o número de utentes atendidos e acompanhados, mas de igual modo, as regras e rácios desse mesmo número de utentes por médico de família já não são os mesmos do que é estabelecido como bom indicador para esses profissionais.

Por outro lado, o SNS integra-se num Sistema Nacional de Saúde mais amplo e abrangente, onde, para além do público, existem os Setores Privado e Social e devem ser chamados a participar de forma complementar à resposta pública, mas tal não sucede e gostava de perceber, tal como todos os portugueses, a quem interessa isso.

Já não me servem as justificações da teimosia ideológica. Há algo mais!

Para terminar, o que se passa no SNS é apenas o reflexo do que se passa no País e na Democracia…estão ambos doentes e padecem, não de uma doença aguda, mas antes de uma maleita que tende a ser crónica…