NOTA DA SEMANA: A lição do menino Rayan

Confesso que neste fim-de-semana padeci de um misto de sentimentos contraditórios, os quais oscilaram entre uma inabalável esperança e uma angústia profunda, e tudo isso por causa de um menino frágil e indefeso.

Consoante o sentido e a tendência revelada pelo debitar de imagens nos vários canais de televisão, sem esquecer os comentários emitidos pelos diferentes painéis de peritos em salvamento, assim oscilava o meu estado de alma, sempre na ânsia que tudo aquilo passasse e, finalmente, Rayan, a pequena criança de 5 anos encurralada no fundo de um poço, pudesse ser salva.

Não foram pois, dias de sossego ou de descanso recatado, pelo menos na minha alma e no meu coração, especialmente porque em cada imagem apresentada do menino Rayan vinha ao meu pensamento o facto de que, também eu, sou Pai.

Podia dizer, mais uma vez, que a guerra de audiências levou a exageros por parte dos canais de televisão os quais, na ânsia de terem os maiores “shares”, fizeram com que todos os pedaços de emissão tivessem permanentes diretos à missão de salvamento de Rayan.

Contudo, infelizmente, a minha morbidez informativa, ou simplesmente a preocupação com tão delicado Ser Humano, levou-me, tal como a tantos outros, a ter sempre o olhar na televisão, mesmo que de soslaio, na expetativa de uma boa noticia.

O tempo passava e as expetativas cresciam, afinal o menino que caiu num poço, com mais de trinta metros e cujo diâmetro de abertura era de pouco mais quarenta e cinco centímetros, afunilando ao longo da queda, respirava e ingeria líquidos, reagindo portanto a estímulos.

Mas foi aquela imagem televisiva, a preto e branco, de um menino indefeso, sozinho e angustiado, que me derrubou por completo, não apenas porque encerrava em si um sinal de vida e de esperança, mas também porque representava tudo aquilo que os pais não querem que aconteça às crianças, especialmente àquelas que são nossos filhos.

Impunha-se um desfecho feliz, esperava-se um milagre, só isso era aceitável depois daquelas horas intermináveis em que assistimos aos diretos da escavação de um túnel para resgatar o pequeno Rayan que esteve quatro dias dentro de um poço.

Num País muçulmano, como é Marrocos, a vida daquela criança unia todas as religiões e chegava até nós como um sinal…um sinal de esperança.

Nada mais importava, porque quem é Pai quer o melhor para os seus filhos, especialmente que estes estejam bem junto de nós, para que sejam protegidos e amados, e embora nem todos amem da mesma maneira, o amor pelos filhos é único.

Mas Rayan deu-nos uma lição a todos nós, especialmente a quem é Pai.

Apesar de resgatado não sobreviveu!

Rayan estará num local melhor, enquanto nós ficámos com esta angústia de que nem sempre os milagres acontecem…e, em certos momentos, como foi este, ocorrer um milagre é obrigatório, desde logo, também para o descanso das nossas consciências.

NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)