Neste último fim-de-semana realizou-se o Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), do qual resultaram dois factos incontornáveis na agenda mediática.
O primeiro, foi a eleição, pela primeira vez na história da ANMP, de uma mulher para presidir e a liderar nos próximos anos esta Associação, e o segundo, foi o retomar do tema da Regionalização como solução miraculosa para todos os problemas de Portugal.
Luísa Salgueiro, atual Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, passou assim a substituir o histórico Manuel Machado, depois deste perder a Câmara Municipal de Coimbra e que, por força dessa ocorrência, não podia continuar a presidir à ANMP.
Pelo simbolismo, e certamente também pela competência, Luísa Salgueiro foi a escolhida pelo Partido Socialista para liderar a lista à ANMP, cunhando assim, a presença do género feminino numa das mais importantes organizações representativas do poder político nacional e com maior influência nos destinos do país, isto no que à implementação de medidas de políticas locais diz respeito.
No entanto, atrevo-me a dizer, que tudo o resto girou em redor da temática da regionalização, com a conjugação e benevolência de vários quadrantes políticos e dos representantes dos Órgãos Institucionais da República que marcaram presença nesse Congresso.
Desde o Presidente da República, antigo opositor ao processo de regionalização, passando pelo Primeiro-ministro, ambos lançaram mão dos seus discursos para dizerem que em 2024 estariam reunidas as condições para novo referendo sobre este assunto.
A criação de regiões administrativas surge pois, mais uma vez, como a solução para trazer ao País um desenvolvimento territorial harmonioso, através de uma suposta melhor gestão de recursos.
Mais uma vez assistimos à facilidade com que se retomam matérias fundamentais da reorganização administrativa do território, mas sem que se discuta o que é essencial.
Já todos sabemos os efeitos que advieram da “morte” dos Governos Civis, os quais foram “decapitados” com o argumento da ideia de descentralização e do “emagrecimento” do Estado.
Aliás, a extinção dos Governos Civis servia, como serviu, para a estratégia de instituição da Regionalização, mas pouco ou nada adiantou, quer para o suposto “emagrecimento” do Estado, ou quer para o aumento da eficiência na gestão da coisa Pública que se pretendia.
Contudo, na atualidade, parece-me suficientemente óbvio que a extinção dos Governos Civis deixou uma lacuna na organização e articulação dos territórios, das suas populações e das suas Instituições, com o Governo, os Ministros que o integram e os Ministérios que o compõem.
Ao invés disso, a descentralização de competências que tem sido desenvolvida não é mais do que uma verdadeira municipalização de serviços do Estado, os quais ficam sob a batuta do Presidente da Câmara Municipal respetivo, ou pelo menos aparentam ficar.
Uma descentralização que colide sempre com o mesmo problema – a ausência de um pacote financeiro capaz e suficiente para acomodar essas competências e esses serviços.
O Poder Central quer passar responsabilidades para o Poder Local e, se possível, com essa transferência de responsabilidades ainda poupar alguma coisa.
Já o Poder Local, entenda-se as autarquias, desejam essas competências, mesmo que tenham dificuldade em assumi-lo publicamente, mas com elas desejam ainda mais as verbas, a capacidade de gerir, e o poder de decisão, no qual se inclui a disponibilidade para contratar pessoal.
Para isso, a reivindicação utilizada é sempre a mesma – precisa-se de mais dinheiro, especialmente para contratar!
Agora, com a Regionalização, caminhamos para mais um nível de decisão, e de conflito, mas também de necessidade de mais dinheiro.
Quais as competências a atribuir às regiões administrativas, qual o seu financiamento, que serviços do Estado Central passarão a gerir, como serão constituídas, serão eleitas ou designadas pelas autarquias, etc, etc.
Com efeito, os verdadeiros adeptos da Regionalização desejam que esta aproxime as pessoas dos poderes de decisão, que daí resulte uma distribuição equitativa da riqueza produzida em cada um dos territórios, que os tempos de decisão dos projetos sejam menores, que os níveis de desenvolvimento sejam maiores, enfim, os adeptos da Regionalização, ou os ingénuos desta, desejam o que todos nós desejamos – que o Estado seja mais amigo dos cidadãos.
No entanto, nada disso será possível!
A Regionalização irá, invariavelmente, estabelecer um novo patamar de organização administrativa, necessitando de órgãos próprios de decisão e, acima de tudo, carecendo de mais recursos.
Por outro lado, cada um dos munícipes deseja manter o seu concelho e no seu concelho todos os serviços públicos, entre tantas coisas alcançadas nos últimos 47 anos de Democracia.
Compatibilizar isto será missão difícil, se não mesmo impossível.
Sabemos também, que todas as grandes reformas administrativas, ao longo dos mais de 9 séculos de História Nacional, apenas conseguiram ser feitas por via da imposição e num contexto autoritário do Estado, e foram estas que vigoraram até aos nossos dias, com pequenos ajustes.
De tal forma, que essas reformas estão enraizadas na nossa cultura, a começar pelos Distritos existentes e que são, ainda hoje, as referências territoriais com que cada um de nós melhor se identifica.
A grande reforma que se impõe prende-se com a necessidade de reduzir o número de Municípios; de extinguir as Freguesias das sedes dos concelhos em benefício das outras; desenhar as Comunidades Intermunicipais em redor dos Distritos, entre tantas outras coisas.
Contudo, e pelo contrário, optamos por colocar em cima da mesa a Regionalização, tendo por base um País pequeno mas com enormes desigualdades na produção de riqueza nos seus diferentes territórios e em que a sua distribuição assenta num modelo de solidariedade e integridade territorial que está cada vez mais ameaçado num mundo global.
Diferentes regiões administrativas implicarão, desde logo, esquecer, a prazo, a necessidade de promoção da coesão territorial em termos económico-sociais e isso sim, será o maior risco para todos nós.
Se a Regionalização avançar, acabaremos por ter regiões mais ricas, enquanto outras serão ainda mais pobres, e com isso surgirão os egoísmos regionais.
Mas o pior de tudo isto, é que nos últimos anos a arquitetura das reformas administrativas do território têm sido feitas ao sabor dos fundos comunitários e das prioridades que estes estabelecem, ao contrário das razões de ordem natural e cultural que identificam as comunidades e que estavam tão bem refletidas nas Províncias e nos Distritos.
Tudo o que é artificial acabará por ruir e a Regionalização, se assim for, terá o mesmo destino…
NUNO GOMES – Director de A COMARCA DE ARGANIL