NOTA DA SEMANA: A seguir à coragem, segue-se a humildade do perdão

Não haverá crime mais hediondo e ignóbil do que aquele que atente contra a dignidade dos que, por natureza, são os mais indefesos.

Começo desta forma para dar nota do relatório tornado público pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças, criada pela Igreja Católica Portuguesa para investigar o histórico desses abusos no seio desta milenar Instituição religiosa em Portugal.

Ao fim de pouco mais de um ano, as conclusões chegaram, e podemos dizer que, desde que a dita comissão foi criada, o seu trabalho foi silencioso e distante dos holofotes mediáticos, seguindo o lema – Dar voz ao silêncio, apenas aqui e além interrompido por alguns políticos mais metediços.

É certo que os resultados apresentados poderão pecar por defeito, mas os números não deixam de ser assustadores pelo peso da infâmia que carregam para toda a Sociedade, seja ela religiosa ou laica.

Contudo, e se bem me recordo, por altura da criação da referida comissão, dei relevo ao gesto de coragem da Igreja Portuguesa em realizar tal desafio, ciente das inúmeras responsabilidades que daí poderiam advir e das criticas que surgiriam sempre, fossem quais fossem os resultados apurados do trabalho que, logo de inicio, era anunciado como difícil e pesado.

Ouvir a conferência de Imprensa da Comissão foi doloroso, especialmente para quem tem filhos, pois pela cabeça de qualquer mãe e pai não terá deixado de passar a questão sacramental – mas como tal foi possível?

Os relatos lidos pelos diferentes elementos da Comissão, e os números apresentados, fazem-nos, a todos sem exceção, corar de vergonha, especialmente porque não fomos, enquanto povo, capazes de defender as nossas crianças!

Depois, como é habitual, falta-nos o discernimento e trocamos o nosso habitual estado de letargia em relação aos problemas dos outros, pelo de justiceiros e carrascos de língua solta, sem saber cuidar das vitimas e, também, dos que no rol dos culpados serão, porventura, inocentes.

A Deus o que é de Deus e aos homens o que é dos homens, e a Igreja, sendo a ligação a Deus, não deixa de ser composta por homens que também sucumbem aos males da humanidade e, por isso, não devem deixar de ser julgados pela Lei dos homens, aguardando, a seu tempo, o outro castigo, o divino entenda-se.

A mancha lançada sobre a Igreja, e que os Papas João Paulo II e Bento XVI já “profetizavam”, tem sido lavada pelo Papa Francisco que, com a sua humildade, deu o primeiro exemplo de condenação clara e inequívoca de todos aqueles que, a coberto da palavra de Deus, faziam dos mais indefesos leito das suas frustrações existenciais.

À coragem manifestada e demonstrada pela Igreja, deverá seguir-se a humildade, não de apenas de quem deverá pedir perdão mas de igual modo, dos que têm a possibilidade de perdoar.

Muitos dos crimes praticados ao longo das últimas décadas, no que aos abusos sexuais diz respeito, terão já prescritos, mas os perpetradores desses atos vis têm o dever e a obrigação moral, não apenas para com as vítimas, mas acima de tudo para com o Deus que juraram servir, de se apresentarem, humildemente, pedindo o perdão daqueles a quem retiraram a possibilidade de poderem acreditar nesse mesmo Deus que deveria tê-las protegido.

Cabe à Igreja, no exemplo que deu, não se deixar ficar por aqui, e depois de expurgar de si todos aqueles que não cuidaram do seu rebanho e que pululam por toda a sua hierarquia, não deixar esquecer os outros abusos sexuais que aconteceram nas Instituições do Estado, do qual a Casa Pia será apenas um exemplo incompleto e que, até hoje, terá condenado mais inocentes do que culpados!

Esperemos que também a esses, os culpados, entenda-se, não chegue apenas a justiça divina.

NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)