Ao longo dos últimos meses a alusão aos 50 anos de Abril tem sido uma constante, especialmente nos meses que antecederam a data em causa.
Com efeito, as semanas que antecederam o 25 de Abril foram frutíferas em evocações e recordações das personalidades, civis ou militares, que contribuíram para a Revolução dos Cravos.
De norte a sul do País as celebrações tiveram lugar, fosse com cerimónias públicas, com descerramento de placas, conferências e inaugurações de monumentos alusivos à data, a agenda das comemorações foi sendo preenchida, para gáudio das inúmeras comissões constituídas, não apenas a nível nacional, mas de igual modo a nível local, especialmente nos Municípios que não quiseram deixar de registar para memória futura meio século de liberdade.
Nesse cenário de celebração nem todos tiveram, têm, ou terão, os mesmos argumentos, as mesmas personalidades, as mesmas ideias, ou falta delas, para elaborar programas culturais que permitissem, ou permitam, às gerações futuras conhecer o valor da liberdade, mas também da responsabilidade que esta, cada vez mais, acarreta.
Considero assim, que não serão muitas as localidades deste nosso Portugal que podem contar no seu espólio histórico com vultos, ou eventos marcantes, capazes de fazer a diferença na exaltação dos valores de Abril, razão pela qual muitos municípios fizeram um trabalho de pesquisa prévio para perceberem quais os factos históricos que poderiam ser recordados para ilustrar a importância dessa data nesses mesmos territórios, procurando de alguma forma uma diferenciação “interpares”.
Felizmente, a nossa Beira Serra tem muitos episódios que nos ilustram e ajudam a compreender a importância de Abril, especialmente através de inúmeras personalidades que foram pautando a sua ação contra o antigo regime.
Podemos discordar dessas mesmas personalidades, do seu papel político e até da sua marca ideológica, esta é a virtude da Democracia, mas não podemos esquecer qual o contributo das mesmas para um Portugal diferente, com erros e defeitos, mas acima de tudo um Portugal livre.
Não posso dessa forma, deixar de registar alguma estranheza na forma como, neste ano em particular, o apelido Valle foi esquecido, e se havia ano em que este deveria ser recordado, era este mesmo – 2024!
Não pelos seus amigos, família, ou associações próximas, que nunca o esquecem, mas antes pelas estruturas políticas locais, que pouco, ou nada, fizeram para tornarem público o papel desse humanista, conhecido por Fernando Valle, na promoção de um regime democrático, no desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde e, mais importante, na constituição de um Partido Político essencial na vida nacional.
Um movimento político e, por fim, um Partido Politico que se bateu, não apenas pela liberdade antes do 25 de Abril, mas também após este, contra uma ditadura marxista que se desenhava no horizonte, e que viu ser-lhe colocado termo no 25 de Novembro.
Poderão dizer que, muitos como eu, não estivemos atentos às celebrações do 25 de Abril e que, seguramente, foram feitos almoços em sua honra, encontros restritos a militantes, ou evocações, mais ou menos discretas, dessa personalidade!
Em bom rigor, os cidadãos anónimos mereciam que nos 50 anos de Abril, Fernando Valle fosse recordado como uma figura maior dos valores que estiveram na génese da liberdade em Portugal, nomeadamente como pensador, como humanista e, muito em particular, como alguém que sentiu na “pele” a opressão exercida pelo antigo regime.
Ao invés disso, a memória de Fernando Valle foi, neste meio século de Abril, engolida pelos calculismos políticos de ocasião, pelos receios do surgimento de movimentos libertos das amarras partidárias, ou até mesmo pelo rebate de consciência que alguns teriam de ter sobre o futuro, ou a falta dele, como líderes políticos locais.
No dia 30 de Julho Fernando Valle celebrará 124 anos, não entre nós fisicamente, mas seguramente com o legado do pensamento humanista presente em muitos de nós, independentemente das nossas ideologias politicas.
Viva Abril e viva Fernando Valle.