Quando conduzimos uma viatura, uma das piores coisas que nos pode suceder é quando, inadvertidamente, trocamos o pedal do travão pelo pedal do acelerador, dando origem, invariavelmente, a um acidente, ou então a um grande susto.
Ora, a situação de crise política que atualmente atravessamos, resultado do chumbo do Orçamento de Estado para 2022, parece-me resultar da tal troca de pedais pelos Partidos à esquerda do Partido Socialista (PS) que, em vez de travarem, aceleraram e chocaram de frente com uma parede de “betão armado”.
O Bloco de Esquerda (BE), na realidade, não tinha qualquer pretensão em aprovar o Orçamento de Estado, pois se é bom manter no Governo de Portugal um executivo de esquerda, também não deixa de ser conveniente poder estar contra ele, apregoando uma agenda política de natureza mediática que parece interessar mais às bases desse Partido do que propriamente ao País.
Para conseguir esse objetivo de votar contra o Orçamento de Estado, mas sem que o Governo caísse, contava com a racionalidade e coerência do Partido Comunista Português (PCP).
O PCP de forma racional não iria querer o chumbo do Orçamento de Estado, isto porque depois das eleições autárquicas o que menos conviria era mais um desaire eleitoral para esta força política.
Do lado da coerência, era quase certo que o PCP, que sempre viabilizou os anteriores Orçamentos de Estado do PS nos últimos 6 anos, e ainda para mais na presença de um documento que parecia refletir algumas das reivindicações dessa força politica, nunca ousaria votar contra, isto pensava o BE.
Para evitar leviandades, logo o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pôs ordem na “Casa” avisando que sem Orçamento de Estado convocaria eleições, ajudando dessa forma o Primeiro-Ministro, embora, em rigor, se deva dizer que ajudar António Costa não é exatamente igual a ajudar o PS.
Enfim, tudo se conjugava para mais uma vitória da “geringonça” na condução dos destinos do País, com a bênção do mais Alto Magistrado da Nação.
Quando, para espanto de todos, o PCP se fartou de ficar, mais uma vez, com o ónus do que de pior os Orçamentos de Estado do PS traziam para os cidadãos, tendo ainda de ouvir os bloquistas a gritarem as palavras de ordem contra o “sistema” e a proporem medidas “desvairadas” e sem qualquer possibilidade de realização, face a um erário público esgotado e uma dívida do Pais colossal.
Anunciado o voto contra do PCP, logo caiu o “Carmo e a Trindade”, e como o BE já o tinha anunciado também, percebeu-se então, que todos tinham colocado o pé no acelerador, esquecendo onde ficava o travão…
O BE ficou encurralado pelo PCP e o PS esperou pelo ressurgimento do Bloco Central para salvar o Orçamento, mas este estava demasiado moribundo resultado do golpe de morte que o mesmo António Costa desferiu em 2020 quando disse não precisar do PSD, por outras palavras diga-se em bom rigor.
Sucedeu pois, que o que era impensável há uns meses atrás aconteceu, neste caso foi chumbado o Orçamento de Estado e passámos a discutir o cenário de eleições antecipadas.
Mas como o Partido Social Democrata (PSD) também tinha colocado o pé no acelerador, cavalgando os resultados das eleições autárquicas, neste caso entenda-se Rui Rio que queria esmagar as eventuais alternativas à liderança desse Partido, percebeu-se que também aqui as eleições nacionais não interessavam, ou pelo menos serviam para justificar adiar as eleições internas.
De igual modo, o Centro Democrático Social (CDS), nomeadamente o seu líder, Francisco Rodrigues dos Santos, quis “despachar” o adversário interno, Nuno Melo, e por isso marcou Congresso eleitoral em tempo recorde logo após as autárquicas, para depois “apanhar” com a possibilidade de eleições nacionais.
Neste caso, já aproveitou para marcar e desmarcar o dito Congresso eletivo, com a justificação de que tem que servir o País, preparando as eleições nacionais!
Pelo meio, assiste-se a uma debandada de muitos dos seus melhores quadros políticos.
Em suma, ninguém quis as eleições nacionais, os Partidos à esquerda do PS vieram já dizer de que não era necessário dissolver a Assembleia da República, afinal descobriram ser possível governar em duodécimos.
Aos Partidos do Centro Direita e Direita, entenda-se PSD e CDS, também não interessavam eleições nacionais quando estão em pleno processo interno de discussão, excetuando-se os líderes em funções que assim vêem uma possibilidade de reforço das lideranças contra os adversários internos.
Contudo, se a ninguém interessava verdadeiramente as eleições, é bom que se diga que António Costa precisa delas, porque depois de dar o que tinha e o que não tinha na proposta de Orçamento de Estado para convencer o PCP e o BE, agora já pode ir a votos.
Fez tudo o que pôde para aprovar o Orçamento de Estado à esquerda, mesmo fazendo o que não podia fazer, sob pena de hipotecar o que resta do País.
Mas como a Esquerda não quis um Orçamento de esquerda, agora, António Costa, já está livre para ir a eleições de “consciência tranquila”…
Para isso, deu início à “campanha” eleitoral logo no dia do chumbo do referido Orçamento de Estado, pedindo, com legitimidade reforçada, uma maioria parlamentar, para que nunca mais se repita a “geringonça”.
Afinal, já poderá afirmar que foram os “traidores” dos valores da esquerda, PCP e BE, a destruírem um Governo Socialista.
Afinal, com as eleições, o PS já pode retornar à sua área política de eleição, neste caso o Centro Esquerda, recentrando as suas políticas públicas, pois é no “meio que está a virtude” e não nos extremos, sejam eles de esquerda ou de direita.
O problema é se a “Troika” vem mais depressa do que se prevê e neste caso, ganhe quem ganhar, os credores é que irão governar!
NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)