
Recentemente, foi anunciado e publicitado o “Manifesto pela Justiça”, subscrito por cem personalidades da nossa sociedade civil, dos quais fazem parte inúmeras figuras políticas, com, ou sem, funções públicas na atualidade.
Para alguns desses subscritores a iniciativa visava um “sobressalto” cívico, comparando-se algumas das práticas do Ministério Público, nomeadamente das escutas telefónicas, não a ações de investigação, mas pura e simplesmente a ações de vigilância, mais ao jeito da PIDE, conforme referiu a antiga Ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa.
Para tanto, alguns desses subscritores, recorrem ao exemplo da divulgação das escutas entre António Costa e João Galamba, respetivamente ex-Primeiro-ministro e ex-Ministro das Infraestruturas, aquando do despedimento da ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener.
Acresce a isso o facto de, aparentemente, João Galamba ter estado sob escuta cerca de quatro anos, o que não deixa de ser relevante para uma apreciação menos abonatória da postura do Ministério Público, isto por parte de quem subscreveu o manifesto em causa.
Depois, há ainda a questão das fugas de informações, supostamente sob a alçada do segredo de justiça, e o momento em que estas ocorreram, através da publicitação da transcrição de escutas telefónicas onde surge António Costa, coincidindo com a atual disputa para o cargo de Presidente do Conselho Europeu!
No entanto, tamanho “sobressalto” cívico, onde pontificam figuras de proa do Partido Socialista (PS) não ocorreu aquando das fugas de informações do processo “Marquês”, que envolve, também, um ex-Primeiro ministro socialista, neste caso, José Sócrates.
Situação que mereceu desse mesmo cidadão um reparo que radicou no “duplo critério moral”, na forma como as fugas de informação e as escutas transcritas pela comunicação social, foram tratadas pela sociedade, diferenciando o caso “Marquês” do caso “Influencer”.
Não posso deixar de reconhecer razão ao cidadão José Sócrates, não apenas porque os crimes de que é acusado ocorreram durante o desempenho de cargos políticos, designadamente em Governos Socialistas, onde, por mera coincidência, alguns dos que justificam tamanho “sobressalto” cívico eram também detentores de cargos políticos à data, nomeadamente fazendo parte da “entourage” do agora arguido no processo “Marquês” e que então era chefe do Governo.
Que mudou então?
Será que a dignidade de José Sócrates é inferior à de António Costa?
Em bom rigor, todos se recordarão da cobertura televisiva da noite em que José Sócrates foi detido em direto para ser interrogado, ou mesmo das escutas telefónicas que ocuparam páginas de diversos órgãos de comunicação social, já para não falar da divulgação de inúmeros documentos, supostamente abrangidos pelo segredo de justiça, em horário nobre dos noticiários portugueses.
Não terá então, José Sócrates, direito à mesma indignação de muitos que subscreveram o manifesto pela Justiça, especialmente daqueles que com ele lidaram bem de perto?
Enquanto cidadãos, o que diferencia José Sócrates de António Costa, nesta matéria específica das fugas de informação?
Será apenas pelo facto de um ser arguido declarado e outro candidato a Presidente do Conselho Europeu, que o “sobressalto” apenas abrange o segundo, ao invés do primeiro?
A justiça, enquanto Poder, deverá começar por não distinguir cidadãos e neste caso em concreto, as escutas, os escutados e os ouvintes, merecem ter igual tratamento, chamem-se eles José Sócrates ou António Costa.
O “sobressalto” cívico relativo à justiça, logo à nascença, falha por não ser capaz de preservar a necessidade de tratar por igual todos os cidadãos, na medida em que não são de agora os atropelos aos direitos no que à preservação da informação dos processos judiciais diz respeito.
Sócrates e Costa são iguais…nos direitos e nos sobressaltos, cívicos entenda-se.