NOTA DA SEMANA: Até sempre amigo Fernando

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A vida é demasiado imprevisível e nem sempre respeita a ordem natural das coisas.

Pela lógica da cronologia temporal da nossa existência, tendemos a pensar, e até a desejar, que os primeiros a partir sejam os mais velhos e os últimos a deixar este mundo sejam sempre os mais jovens.

Os primeiros, porque terão já dado o seu contributo à respetiva comunidade, experienciado um conjunto de vivências que lhes possibilitou a criação de um registo de memórias afetivas, mas também, um percurso de vida que fará parte das recordações dos que lhes são mais próximos.

Já dos segundos, espera-se deles a construção de um legado, consoante as suas aptidões e desejos. É caso para dizer que nestes, o livro da vida tem ainda muitas páginas em branco para o registo de uma estória que se espera tenha muito para escrever e contar.

Por força dessa lógica existencial, tendemos a encarar com naturalidade que sejam os filhos a enterrar os pais e nunca o inverso, e quando tal sucede contra essa ordem natural das coisas não podemos deixar de sentir uma comoção sentimental acrescida.

Talvez seja por isso, ou por algo mais, que sinto uma enorme comoção pela partida de Fernando Vale.

Conheci o Fernando por casualidade e foi daqueles pessoas por quem senti uma enorme empatia e simpatia, fosse pela forma serena como trocámos as primeiras impressões, fosse pela forma sossegada com que entabulámos conversa, ou pelo simples facto de partilharmos a mesma idade e sermos ambos pais. Na realidade não sei explicar!

Com o tempo, as conversas foram-se tornando cada vez mais discretas, ou não fosse ele, à data, o Presidente da Concelhia de Arganil do Partido Socialista, e eu uma pessoa de outra corrente ideológica, percebendo, desde logo, as angústias de que padecia pelo cargo que ocupava, e a pressão dos ideais políticos que perseguia.

Trazia às costas o apelido que o precedia, e todas as vivências familiares que lhe moldavam os sonhos, mas também o estimulavam a continuar.

Fernando sabia as minhas opções políticas, eu, por meu lado, conhecia as dele e não raras vezes as minhas opiniões tinham um sentido prático no desenho político e estratégico que continuamente ele gizava na sua cabeça.

Dessas conversas percebi sempre o que o atormentava na arena política, os amigos que tinha nela e aqueles que de amigos pouco tinham.

Mas Fernando era muito mais do que isso. Era alguém que atendia o telefone sempre com aquela voz afetiva, trocando opinião e demonstrando disponibilidade para marcar o próximo encontro.

Confesso que as coisas mais interessantes que partilhávamos eram, e foram, as coisas aparentemente banais, mas que tinham a sua importância por serem fora do circuito da política.

Recordo-me da forma sentida com que, de forma reservada, tocava ao de leve na sua vida pessoal e dessa forma se percebia o enorme amor que sentia pelas suas filhas, ao mesmo tempo que me perguntava pelos meus filhos.

São coisas simples mas profundas que ditam o carácter de um Homem, e era nessa simplicidade que eu entendia a grandeza do Fernando.

Nunca falámos da sua doença, eu porque não tinha coragem para lhe perguntar e ele, seguramente, porque não era assunto que quisesse abordar.

A última vez que falei com Fernando foi por telefone, e após o falecimento de seu Pai, desconhecendo onde ele estava, ou em que momento se encontrava em relação à sua doença. 

Terminámos a conversa com voz embargada pela emoção, mas apenas tive coragem para lhe dizer, “Fernando gosto muito de ti” ao que ele retorquiu, “eu sei Nuno”, e despedimo-nos.

Nunca mais falei com ele, e confesso que tinha medo de lhe ligar com receio de não ser atendido, ou caso o fosse, ficar sem saber o que lhe responder ou dizer.

 No entanto, a imagem que quero recordar do Fernando, é a de alguém que acreditava nos seus ideais políticos, e que sendo capaz de discutir e trocar argumentos não entrava em conflitos ou era indelicado.

Mas acima de tudo, que era um Ser Humano que tendo muito para dar, sempre guardou para si e para os seus o sofrimento, aliviando dessa dor os seus verdadeiros amigos.

A toda a família do Fernando, e muito em especial às suas filhas, desejo que as memórias que guardam do Pai, ou as que possam vir a receber, atenuem a dor da perda.