Há muito que se pré-anunciava a saída de Jerónimo de Sousa da liderança do Partido Comunista Português (PCP), com previsões de datas, momentos e até de sucessores.
Contudo, quando foi anunciada a referida saída, esta sucedeu de forma inesperada e à revelia das premonições dos comentadores do costume e dos jornalistas da especialidade, e tudo graças a essa coerência dogmática que tão bem carateriza o PCP.
Jerónimo saiu quando o Partido assim o quis e ditou, e ele próprio o entendeu, sem que os telejornais do chamado horário nobre tivessem esse anúncio como notícia de abertura, pois até o horário escolhido foi fora do designado “prime time”.
E com o anúncio dessa saída logo veio a indicação do esperado sucessor para Secretário-geral, neste caso, Paulo Raimundo, um jovem de 46 anos, e atual membro do Comité Central desde 1996.
Do percurso profissional do já anunciado sucessor fazem parte a carpintaria, a padaria e as funções de animador cultural na Associação Cristã da Mocidade na Bela Vista em Setúbal, até entrar no quadro de funcionários do PCP.
Mais uma vez, o PCP, pela prática, afirma-se como dono do seu destino, obedecendo apenas à lógica do seu programa, confirmando, ao contrário dos outros Partidos, que não é líder do seu aparelho quem é mais popular, mas sim quem encarna melhor os valores porque se rege.
No entanto, no momento em que sai, ao fim de dezoito anos, Jerónimo de Sousa deixa uma marca, e neste caso a de que conseguiu transmitir à Sociedade Portuguesa a ideia de um líder próximo do comum dos cidadãos, e pelo qual se nutria simpatia – era o “tio Jerónimo”, como muitos o apelidavam, reflexo daquele sentido de proximidade familiar.
Talvez por causa dessa imagem, e certamente pela coerência que o PCP sempre manteve, confesso que, em alguns momentos, fiquei tentado em votar nessa figura, tal como tantos outros Portugueses.
Acredito que essa poderá ser uma das razões pela qual o PCP ainda se mantém no Parlamento, agora com pouco mais de 6%, mas, ao contrário do CDS que tanta falta faz ao debate político no Hemiciclo da Democracia, continua a estar presente nos debates parlamentares, fiel à sua “luta”, bem distante da “esquerda caviar” e da agenda mediática que esta tenta impor.
Felizmente, nunca exprimi essa minha tentação no boletim de voto de nenhum ato eleitoral e, em boa hora, assim o fiz.
Na realidade, apesar dessa singela e simpática imagem de Jerónimo de Sousa, é o programa do seu Partido que a todos nos deve preocupar, bem como a dita coerência dogmática que, não deixando de ser uma qualidade nos tempos que correm, são também a garantia de tudo o que podemos continuar a esperar do PCP, e tudo o que podemos continuar a esperar não é consentâneo com a Democracia, infelizmente esta é a realidade.
Se exemplos fossem necessários para ilustrar aquilo que escrevi, basta a recente proibição da colocação da exposição “Memória – Totalitarismo na Europa” em São Bento, resultado das reservas apresentadas por vários grupos parlamentares de esquerda, nomeadamente do PCP, sendo essa recusa o exemplo flagrante do ataque aos valores democráticos em Portugal.
E, nesse particular, diga-se que apenas dois países, até agora, recusaram a sua apresentação em Órgãos de Soberania, são eles, a Rússia e…Portugal!
E porquê essa recusa?
Na realidade essa recusa resultou do facto da dita exposição recordar os dois regimes totalitários que levaram ao genocídio de milhões de pessoas, o Nazismo e o Comunismo, um de extrema-direita e outro de extrema-esquerda.
O primeiro com mais de seis milhões de mortes, o segundo com mais de cem milhões!
Uma exposição criada pela Plataforma da Memória e Consciência Europeia, organização que é fruto de uma resolução do Parlamento Europeu que obteve 553 votos a favor e apenas 44 votos contra, em 2009, traduzindo um amplo consenso numa Europa que se deseja livre e democrática, mas para o qual é imprescindível não esquecer o passado desses dois regimes totalitários.
Essa Plataforma contou com o apoio, também, do Conselho da União Europeia, e integra 68 instituições, públicas e privadas, de 23 países.
A exposição já foi exposta em 19 países da Europa e da América do Norte, tendo tido, inclusive, a participação de outros parlamentos nacionais. Em Portugal foi lançada pelo Instituto + Liberdade, e percorrido já oito cidades, estando atualmente em Pombal na Biblioteca Municipal.
Ora, quando está em curso a guerra na Ucrânia, onde estão em causa os valores da democracia-liberal contra o autoritarismo ditatorial, esta exposição é particularmente relevante para preservar e proteger a nossa sociedade dos mais autoritários, totalitários e iliberais regimes.
Assim, não posso deixar de dizer que fico com mágoa na saída de Jerónimo de Sousa, na medida em que a expetativa de uma proximidade aos valores democráticos, não passava, afinal, de uma mera ilusão.
NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)