O espírito olímpico, na verdadeira aceção desse conceito, está ao alcance de muitos poucos nos dias que correm.
Sendo a mais importante competição desportiva do mundo, os Jogos Olímpicos desde há muito que se transformaram num espaço de afirmação política das principais potências, como os Estados Unidos da América, a China, o Reino Unido, a anfitriã França e até a Federação Russa que na atual edição não participa devido à guerra na Ucrânia.
Os Jogos Olímpicos, apesar de radicarem a sua essência no desporto amador, têm a participação dos melhores praticantes desportivos, sujeitos aos mais elevados níveis de preparação, onde também as marcas desportivas apostam alto, patrocinando muitos dos atletas e conferindo-lhes os melhores equipamentos para a prática das diversas modalidades.
Depois, a diferença entre as diferentes comitivas dos países participantes é gritante, de um lado as potências económicas que apostam na formação e nos meios para que os seus atletas sejam a imagem do sucesso dos respetivos países e do outro, os países em desenvolvimento onde os recursos são escassos e as medalhas obtidas também.
É neste contexto que, por vezes, surgem estórias de superação individual, onde a ausência de apoios e recursos para a preparação olímpica, são superados pela vontade extraordinária em, simplesmente, participar e obter, apenas, a glória imortalizada pelos gregos.
Assim foi com David Pina, pugilista na categoria de menos 51 Kg e que obteve a medalha de bronze, que equivale a uma medalha de ouro, por sinal a primeira de Cabo Verde.
Tudo isto ganha maior relevo na medida em que o espírito olímpico de abnegação e entrega ao desporto, foi materializado num atleta franzino que deixou de treinar para ganhar dinheiro, trabalhando nas obras como servente de pedreiro, para sustentar a família e poder, meses mais tarde, treinar.
A juntar a esse esforço, a humildade que revelou quando prestou as primeiras declarações para a RTP, e também aqui uma palavra para a televisão pública, que longe dos holofotes de outros atletas, deu palco ao primeiro Cabo-verdiano, natural de Santa Cruz da ilha de Santiago, a ganhar uma medalha para o seu País.
Foi também serviço público da RTP honrando a portugalidade da língua de Camões.
David Pina, pugilista de 27 anos, trabalhou nas obras em Portugal, durante dois meses, interrompendo a preparação para os Jogos Olímpicos, apenas com o intuito de conseguir sustentar a família, pagando a renda de casa e assegurando a alimentação para os seus dois filhos.
Contudo, e na sua humildade declarou: “Não é só por Cabo Verde. Também faço história para Portugal. Portugal abriu-me as portas, deu-me residência. Portugal nunca tinha classificado ninguém para os Jogos no boxe. E Cabo Verde nunca tinha ganhado uma medalha”.
Essas declarações foram de uma importância fundamental para preservar o espírito dos jogos olímpicos, outros exemplos de entrega haverão nesta edição, tal como em outras edições passadas, pena é que sejam poucas vezes afirmadas, apresentadas e divulgadas.