NOTA DA SEMANA: “Desconcertação” Social

No momento em que esta crónica for publicada, muito certamente já a proposta do Orçamento de Estado terá sido entregue junto da Assembleia da República, com a vantagem de que, previamente, ostenta como galhardete o Acordo celebrado na Concertação Social no dia 9 de Outubro.

Politicamente, não há dúvidas de que o acordo alcançado entre Governo e Parceiros Sociais, com a exclusão da Central Sindical CGTP, cumpriu um objetivo crucial na estratégia do atual Primeiro-Ministro e do seu executivo, não podendo deixar de ser apresentado como uma vitória desse em toda a linha.

Tal facto esvazia, e de que sobremaneira, a própria discussão do novo Orçamento de Estado para 2023, designadamente junto dos Partidos da oposição, sejam eles de direita ou de esquerda, com exceção do Partido Comunista Português (PCP) que, pela recusa da assinatura da CGTP, tem agora liberdade moral para criticar tudo o que for apresentado na Assembleia da República sobre esta matéria.

Contudo, se é verdade que o acordo alcançado na concertação social representa um fator de estabilidade, na medida em que é um compromisso plurianual, também não é menos verdade que o grau de incerteza mundial, e o mais que provável cenário de recessão económica, não nos permitem levar demasiado a sério tal acordo.

No entanto, quer para os representantes das entidades patronais e quer para os representantes dos trabalhadores, ficou claro quais os valores de crescimento salarial a cumprir e, pelo menos aqui, já todos sabem com o que contam, mesmo que a taxa de inflação real venha sempre demonstrar a perda de poder de compra dos portugueses nos próximos anos.

A este propósito não deve ser descurado o aumento significativo do Salário Mínimo Nacional que tem estado em curva ascendente, com crescimentos acumulados muito significativos, passando a ser em 2023 de 760 euros/mês, o que representa um aumento de 7,8%, tanto quanto a inflação de 2022 (previsível no cenário macroeconómico do Governo).

Por outro lado, perspetiva-se uma atualização salarial para o Setor Privado não inferior a 5,1%, sendo que as empresas poderão beneficiar de alguns incentivos fiscais para o cumprimento desta meta.

Numa primeira reação, estou certo de que muitos portugueses perscrutam no horizonte mais próximo, aumentos salariais com algum impacto, mesmo que estes não correspondam ao aumento do custo médio de vida.
Infelizmente, aquilo que não merece a atenção merecida é o facto de que a taxa de crescimento do País continua a ser miserável no próximo ano e nos anos vindouros, afastando-nos ainda mais da convergência com a União Europeia e relegando-nos para a cauda da Europa.

Na realidade, tudo aquilo a que assistimos no que às questões salariais diz respeito, é aos aumentos por decreto, designadamente do SMN, e que este tem cada vez mais um maior peso na economia.

A nossa economia resume-se assim a isto, ao que o Estado dita e estabelece, percebendo-se, pelo menos para quem está com mais atenção, que a realidade é cada vez mais difícil.

Como exemplo dessa distorção da realidade é o estabelecimento do aumento da produtividade em 2%, algo que os patrões há muito pretendiam, mas cuja meta não se apresenta como algo fácil de concretizar, pois este aumento de produtividade não se impõe, depende da própria situação da economia e do tipo de economia que pretendemos!

Ou mesmo a redução do leque salarial existente nas empresas, em que o Estado vem agora dizer, com a benevolência dos patrões, de que o caminho passa pela uniformização salarial, por outras palavras entenda-se.

Na prática, caminhamos para a predominância do Salário Mínimo Nacional, em detrimento de salários mais altos, sendo que o Estado fica sempre a ganhar, pois aumentando o valor mínimo da retribuição, aumenta sempre o montante das contribuições para a Segurança Social.

A mesma Segurança Social que não tem dinheiro para pagar as reformas às próximas gerações, mas que, em contrapartida, vai pagando as atuais com o esforço dos que não terão acesso aos mesmos níveis de proteção no futuro!
Estamos, pois, em plena Desconcertação Social.

NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)