Foi em 2014 que o Banco de Portugal declarou a resolução do então Banco Espírito Santo (BES), e com isso foi decretado o fim de um império económico que levava já mais de cem anos de existência.
José Maria Espírito Santo, fundador do que viria a ser o Grupo Espírito Santo, foi deixado na roda da Misericórdia de Lisboa, como órfão, tendo-lhe sido atribuído o nome por um Padre.
Não deixa de ser significativo que a escolha do nome juntou José e Maria, em evocação de S. José e Maria, acrescidos do Espírito Santo, originando uma simbiose que dava a garantia a um bebé órfão, por intermédio dessas figuras religiosas, o conforto que os pais não lhe haviam proporcionado.
Com 19 anos, por volta de 1869, criou a sua primeira Casa de Câmbios e, anos mais tarde, veio a criar aquela que se tornou, muito provavelmente, o ponto de partida para o império Espírito Santo.
Corria o ano de 1880, e a 9 de novembro abriu novo estabelecimento, dedicando-se já à concessão de crédito, sendo que este novo estabelecimento tinha portas abertas para duas das mais importantes ruas no coração da então Banca.
A sua perspicácia levou o antepassado de Ricardo Salgado, a ter portas abertas para a Rua da Augusta e para a Rua Nova D’El-Rei, atual Rua do Comércio, seguramente um feito por meio do qual o mesmo estabelecimento estava aberto em dois pontos da capital, sem que saísse do mesmo local.
Não sendo pertencente à elite Lisboeta, mas talvez abençoado pelo nome que carregava, e o dinheiro que ganhava, rapidamente conseguiu tornar-se numa figura de relevo no seio da Banca dos finais do Século XIX, deixando a base para que os seus três filhos conseguissem dar continuidade ao seu legado no Setor Bancário.
Desses filhos, foi Ricardo Ribeiro do Espírito Santo Silva que aprofundou a sua ligação às mais importantes famílias europeias, cultivando uma proximidade ao então Estado Novo, e reforçando a presença do Grupo Espírito Santo em diversos negócios, com particular incidência na banca, não se livrando contudo, de ter chegado a ser considerado um espião alemão durante a segunda Guerra Mundial, apesar da respetiva esposa ter ascendência Judia.
No entanto, com mestria e inteligência, ou porque simplesmente as suspeitas dos Serviços Secretos Britânicos nunca se confirmaram, conseguiu ultrapassar essa que poderia ser uma mancha no seu currículo, e que seria o bastante para ditar o fim do império que se vinha consolidando.
Mas tal só sucedeu 11 meses depois do 25 de Abril de 1974, por via da onda de nacionalizações da Banca, onde se incluiu o Banco da família Espírito Santo que, depois de algumas das suas mais importantes figuras terem ganho o acesso a uma pequena estadia na prisão, partem para o Brasil onde retomam contactos ao mais alto nível e relançam parte dos negócios que se encontravam fora do País, como habilmente o seu antepassado, José Maria Espírito Santo, tinha iniciado.
Regressariam a Portugal já nos finais da década de 80 do século XX para, reunindo o apoio de diversos financiadores, retomar, durante as décadas de 80 e 90, o controlo do Banco da família, no âmbito da então privatização do que antes tinha sido nacionalizado, concretizando essa aquisição em 1991.
Fruto do engenho e da ambição do clã – Espírito Santo, liderado por Ricardo Espírito Santo Silva Salgado, rapidamente internacionalizou a marca BES, passando de uma quota de mercado nacional de 8% para 20%.
Elaborou um intrincado esquema de relações comerciais, abrindo diversas linhas de crédito para alimentar diversas operações que visavam assegurar o controlo, direto ou indireto, do mercado e o fluxo financeiro indispensável à manutenção do poder da família.
Simultaneamente, cultivou o acesso ao poder político, especialmente durante a vigência dos Governos Socialistas de José Sócrates, partilhando, seguramente, algumas das visões para o País, mas de igual modo a ambição por poder e dinheiro.
Não fosse o acaso de o governo da altura, em 2014, liderado por Pedro Passos Coelho, ter recusado, de forma corajosa, o acesso ao fundo de resolução, talvez ainda hoje o clã Espírito Santo continuasse a manter a posição como maior grupo económico, sem que alguém tivesse noção do castelo de cartas em que tal império familiar se sustentava.
Em suma, o BES caiu, não apenas porque a ambição assim o ditou, ou a ganância de uma família superou as reais capacidades do Banco em que se sustentava, mas basicamente porque o dinheiro que dizia possuir não correspondia à realidade.
Calcula-se que os prejuízos decorrentes da queda do BES ascendam a mais de 12 mil milhões de euros. O julgamento começou no dia em que escrevo esta crónica – 15 de Outubro de 2024, e os que depositaram as poupanças nos produtos desse banco, desesperam por ainda não vislumbrarem justiça no horizonte.
Nota: Um agradecimento ao leitor José Augusto Pereira de Almeida, natural da Pampilhosa da Serra – Moradias, que me fez chegar a obra “Quotidiano Pampilhosense”, com destaque para o excerto dedicado à ancestral Feira do Mont’alto, mas de igual modo a toda uma vivência serrana.