NOTA DA SEMANA: ”Entre los pecados mayores que los hombres cometen, aunque algunos dicen que es la soberbia, yo digo que es el desagradecimiento…!”

Antecipando a época balnear que se aproxima, as Feiras dos Livros fazem parte dos roteiros culturais por esse país fora, coincidindo este ano, pelo menos a da Lisboa, com a campanha para as eleições europeias.

Dessa forma, a Feira do Livro de Lisboa ganhou particular interesse como espaço de romaria para os diversos candidatos ao Parlamento Europeu, ao mesmo tempo que possibilitou que fizessem jus às respetivas bandeiras eleitorais, através da recomendação, em jeito de recado, das obras de literatura que entenderam convenientes.

Foi um momento interessante em que os diversos candidatos sugeriram obras, de acordo com a picardia que desejavam alimentar, aos seus adversários, com tiradas, mais ou menos cómicas, sobre os hábitos de leitura, ou a falta destes, entre as diferentes comitivas partidárias.

No entanto, há obras que são intemporais e fazem jus à natureza humana, razão pela qual, e mesmo mudando os tempos, nunca estão sujeitas ao crivo da mediocridade de uma sociedade de consumo.

Que o diga Dom Quixote de La Mancha, da autoria de Miguel de Cervantes Saavedra, poeta castelhano, romantista e dramaturgo, que na idade adulta viveu dois anos em Lisboa, entre 1581 e 1583, procurando o titulo de favorito da então corte do monarca Espanhol, durante o domínio Filipino de Portugal.

A sua obra-prima, Dom Quixote de La Mancha, pulicada em duas partes, 1605 e 1615, é o apanágio de uma vivência marcada pela busca do amor de um nobre cavaleiro que acredita nos valores ancestrais do galanteio cavalheiresco junto das donzelas, com destaque para Dulcineia de Toboso, figura idealizada a quem dedica também todas as suas vitórias imaginárias, parodiando os romances de cavalaria.

Mas não apenas das aventuras amorosas do fidalgo fala essa obra-prima, de igual modo Miguel de Cervantes aproveita o tomo literário para descrever uma sociedade, à época, desprovida dos valores da honestidade e frontalidade, recheada de enganos, falsidades e ingratidões.

Dom Quixote de la Mancha surge com o seu fiel escudeiro, Sancho Pança, sendo que este último contrapõe às fantasias, ao idealismo e às ilusões do fidalgo, a seriedade e a realidade, mas sem que deixe de o acompanhar até ao fim, mesmo que no seu íntimo saiba que a promessa do nobre lhe atribuir a governação de uma ilha não passará de uma ilusão.

Assume dessa forma a sua lealdade, nunca desconsiderando o nobre cavaleiro, talvez porque, na realidade, terá sido esse fidalgo o único a dar-lhe a consideração que nunca tinha conseguido almejar junto de outros mais abastados, mas menos sérios e honestos.

A dupla, Dom Quixote e Sancho Pança, percorre as terras da Mancha, Aragão e Catalunha, deparando-se com um Reino de Espanha em mudança no final do século XVII, duvidando de si próprio perante a ascensão de novas potências europeias.

Ao longo do percurso do “cavaleiro da triste figura”, batalhando nas desventuras românticas e idealistas, vem ao de cima a sua dificuldade em lidar com a ingratidão daqueles que, aparentemente, a ele recorreram nos momentos de maior aflição e necessidade.

E na frase inscrita na Parte Segunda da obra literária, do Capitulo LVIII, considera a ingratidão como um dos maiores pecados dos homens, superando, inclusive, a soberba.

“Entre los pecados mayores que los hombres cometen, aunque algunos dicen que es la soberbia, yo digo que es el desagradecimiento…!”

Nós por cá, poderíamos traduzir tão extraordinária frase com o provérbio popular – “não se cuspe no prato onde se comeu” – seguramente uma expressão menos talentosa no mundo da literatura, mas certamente mais entendível e acessível aos ignorantes na e da língua de Cervantes.