NOTA DA SEMANA: Ir votar passou a ser justificação para sair de casa

Foto: TSF

Estima-se que no dia das eleições exista em Portugal cerca de um milhão de eleitores em isolamento, o que não deixa de ser um número de extraordinária grandeza, face aos resultados de eleições anteriores.

E neste particular, será conveniente recordar que um milhão de eleitores corresponde a quase metade dos votos expressos no Partido Socialista (PS) em 2019, ou a dois terços no Partido Social Democrata (PSD) nessas mesmas eleições.

Mas mais, um milhão de eleitores corresponde ainda, a tantos votos como os expressos em 2019 no somatório do Bloco de Esquerda (BE), Coligação Democrática Unitária (CDU) e Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS – PP).

Por outro lado, a simples rejeição do acesso ao direito ao voto desses cidadãos poderia significar, desde logo, o aumento da probabilidade da taxa de abstenção face à registada nas eleições legislativas anteriores, podendo esta passar de 51,4% para 60,7%.

É bem verdade que, na data de hoje, desconhecemos quem é que, estando em isolamento, ou não, irá exercer o direito ao voto, mas convenhamos que a probabilidade de crescimento da taxa de abstenção é, quando em presença de um número tão elevado de pessoas em confinamento, logo à partida, superior ao habitual.

Por outro lado, qualquer Partido que vier a ganhar as eleições de 30 de Janeiro, e caso não fosse possibilitado o acesso ao voto por parte desse milhão de cidadãos, poderia vir a estar com sérios problemas de legitimidade popular.

Contudo, e se facilmente se percebe que o direito ao voto é o corolário do regime democrático, é deveras incompreensível que, depois de duas eleições (Presidenciais e Autárquicas) e volvidos dois anos de Pandemia, não tivesse sido ainda encontrado, em tempo útil, um processo destinado ao exercício do voto, mas sem que este desvirtuasse o cumprimento das normas que decretam os isolamentos por COVID-19.

Na realidade, depois da telenovela em redor do exercício do direito ao voto por parte dos infetados, ou com suspeita de infeção, aqueles que se afirmaram como negacionistas e foram amplamente criticados durante esta Pandemia, ou aqueles que infringiram as regras do isolamento e respondem ainda em Tribunal, ficaram agora legitimados, pelo menos moralmente, nas respetivas atitudes.

Tudo isto era evitável se, atempadamente, fossem estabelecidos mecanismos de recolha dos votos em casa dos infetados, ou lhes fosse assegurado o voto por correspondência através da receção atempada dos respetivos boletins, com o consequente cruzamento com as listagens da Autoridade de Saúde Pública que contêm a identidade dos que se encontram em isolamento.

Por outro lado, não podemos deixar de reconhecer razão aos médicos de saúde pública, os quais anunciaram a escusa de responsabilidades na sua área de atuação, em resultado da desautorização, mesmo que para fazer respeitar um preceito Constitucional, da prescrição de medidas profiláticas de controlo da Pandemia.

Mas tudo isto era evitável se, a seu tempo, tivesse existido um adequado planeamento da logística necessária para que nenhum infetado por COVID-19 tivesse que sair do seu domicílio para exercer o seu direito ao voto.

Assim, na falta de justificação para os infetados saírem de casa no próximo fim-de-semana, porque não dizer que se vai votar!?

NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)