NOTA DA SEMANA: Mesmo no Carnaval a hipocrisia fica mal!

Anunciadas que foram as eleições legislativas para o próximo dia 10 de Março, temos vindo a assistir a uma chuva de promessas de todos os quadrantes políticos, a par de um sem número de debates entre os candidatos que tentam dizer, em pouco mais de vinte minutos, meia dúzia de ideias e criticas aos adversários que pouco, ou nada, acrescentam ao esclarecimento pretendido pelos cidadãos.

Quem tiver atento rapidamente perceberá que, afinal, o problema do País não é a falta de dinheiro, mas antes a incapacidade para se definir onde ele será gasto, de preferência bem!

Digo isto, porque as promessas e os montantes de dinheiro público que essas representam dão a entender que somos um País rico, mas que sempre foi mal governado, dependendo da perspetiva do Partido que pretende alcançar o poder.

Em bom rigor estou a ser irónico. Na realidade nunca fomos um País rico, com exceção do facto dos portugueses sempre terem sido teimosos em enfrentar as adversidades, e esta sim será a sua maior riqueza, e nem sempre fomos mal governados.

Contudo, há algo que fica mal nisto tudo e isso apelida-se de hipocrisia, algo que nem no Carnaval fica bem.

Recentemente foi publicada a Portaria n.º 47/2024, e que procede à atualização de preços pagos pelo Estado no âmbito da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), com retroativos a Janeiro de 2024.

Obviamente, os valores da atualização são claramente insuficientes para fazer face ao aumento de custos, pois nem sequer cobrem o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) que subiu 7,9% em 2024, e muito menos tiveram em consideração a inflação acumulada e verificada em 2022 (7,8%) e em 2023 (4,3%), já para não falar das atualizações salariais desses mesmos anos decorrentes da contratação coletiva e, claro está, da atualização do SMN (2022 e 2023).

Mas, em abono da verdade, esta situação de insuficiência dos valores pagos pelo Estado era há muito expetável.

E porquê? Bem, porque o Governo em Novembro de 2022 publicou uma Portaria (n.º 272/2022) referindo, no seu artigo 9º, que não haveria atualizações em 2023, significando de imediato que não haveria qualquer recuperação do volume de financiamento da RNCCI face ao galopante aumento de custos de funcionamento destas estruturas de saúde, especialmente no rescaldo de um período marcado pela Pandemia e pelo aumento galopante da inflação.

Em suma, as receitas provenientes da prestação de serviços pelo Setor Social ao Estado, pura e simplesmente não cobrem, na maioria das Instituições, as despesas inerentes a essa prestação, razão pela qual fecharam já cerca de 300 camas no âmbito dos Cuidados Continuados, desde que esta rede foi criada em 2006.

No entanto, logo em Novembro de 2022, várias instituições do Setor Social, nomeadamente a Associação Nacional de Cuidados Continuados, assim como inúmeras Misericórdias e IPSSs, deram nota dessa situação e da própria desconsideração da alínea c) do n.º 1 do artigo 47º, do Decreto de Lei n.º 101/2006 (na sua redação atual), de 6 de Junho, que estabelece atualizações periódicas obrigatórias.

Apesar disso, tais alertas foram escamoteados e desvalorizados, especialmente por quem tem responsabilidades de representar o Setor Social, nomeadamente o Secretariado Nacional da União das Misericórdias Portuguesas (UMP).

Mais tarde, com a assinatura do Compromisso de Cooperação 2023 – 2024, foi criada a ideia e veiculada a mesma, de que as atualizações no âmbito dos Cuidados Continuados ocorreriam ainda em 2023 e retroagiriam a Janeiro desse mesmo ano.

Escusado será dizer que nem o Compromisso de Cooperação assinado corresponde às necessidades do Setor Social, e muito menos houve atualizações em 2023 para as camas de Cuidados Continuados.

Onde está então a hipocrisia?

Na realidade, parte dela pode ser assacada ao Estado e a quem de momento o representa, mas apenas por não cumprir o que esteve na génese da criação da RNCCI. Porém, outros Governos houve que também não o fizeram e nunca foram criticados por isso, salvo as honrosas exceções de instituições mais atentas.

Com efeito, a hipocrisia maior radica, efetivamente, em quem representa o Setor Social.

E como mais de 50% da Rede Nacional de Cuidados Continuados (tipologias de média duração e reabilitação e longa duração e manutenção) está no seio das Misericórdias, então cabe ao Secretariado Nacional da UMP assumir a sua quota-parte dessa hipocrisia.

E tudo porque esse órgão nacional da UMP não cuidou de defender o interesse das suas associadas no momento em que tal se impunha, razão pela qual não pode vir agora dizer que o financiamento é insuficiente.

Este jogo de sombras é um mero exercício de hipocrisia, apenas para acalmar e serenar os ânimos no seio das Misericórdias.

Esse financiamento é insuficiente há largos anos, e nunca houve uma postura firme, coerente e ativa, por parte de quem representa o Setor Social, para dizer ao poder político que tal não poderia continuar.

Na nossa região várias são as Instituições que possuem Unidades de Cuidados Continuados, empregando centenas de trabalhadores, assegurando uma resposta de proximidade às suas comunidades e retardando a desertificação deste interior esquecido, situação que agora está em risco face ao cada vez menor nível de financiamento do parceiro Estado.

A solução, para muitas destas, será vender património, caso o tenham, estender a mão às respetivas Câmaras Municipais pedindo um qualquer subsídio, ou esperar que, num golpe de mágica, quem representa o Setor apareça, providencialmente, com o apoio de um qualquer programa ou acesso a um fundo público para pagar os salários e os fornecedores.

Dá-me vontade de rir, quando na realidade acabo a chorar, quando alguns dirigentes de Instituições descobriram, apenas agora, a necessidade de um maior reforço financeiro pelo Estado no apoio ao Setor Social!

Infelizmente, o Setor Social não tem qualquer estratégia para fazer face aos desvarios do poder político, e quem representa a nível nacional as Instituições de Solidariedade Social não tem o desapego suficiente para dizer aos Partidos, a todos sem exceção, de que por este andar é preferível retirarem o Setor Cooperativo e Social da Constituição da República Portuguesa.

Termino dizendo: Mesmo no Carnaval a hipocrisia fica mal!