NOTA DA SEMANA: Mundo de ilusões

A ilusão é, de acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (passe a publicidade), a crença ou ideia falsa; um erro de apreciação ou de perceção que consiste em fazer uma interpretação visual dos factos que não coincide com a realidade; uma fraude, um logro.

No entanto, para existir uma ilusão é preciso um ilusionista, mas de igual modo são também necessários os que acreditam no ilusionismo e na quimera da ilusão.

Serve este preambulo para lançar no campo do logro a ideia da redução da semana de trabalho para quatro dias, e embora seja apenas um estudo anunciado, convenhamos que a semelhança da ficção com a realidade será mera coincidência.

Em bom rigor, todos anseiam por melhores condições de trabalho, com mais tempo para o lazer e a família, com acesso a níveis de proteção social elevados e melhores cuidados de saúde, e de preferência com a menor carga fiscal possível.

Contudo, e também em bom rigor, o cenário atual está longe da ideia de trabalharmos menos e ganharmos mais.

No entanto, quando alguém discorda da existência de condições para a diminuição do número de dias de trabalho é, de imediato, esmagado com a lógica de que se todos pensassem dessa forma nunca teríamos reduzido a semana para cinco dias de trabalho.

Em abono da verdade, importa referir que a existência da semana com cinco dias de trabalho resultou de um contexto marcado pelo crescimento económico mundial, ao contrário do cenário atual.

A taxa de inflação em Portugal atingiu em Maio 8%, o valor mais alto dos últimos 29 anos, a dívida pública nacional, no final do primeiro trimestre, era de 127% do PIB, as taxas de juros começam a dar sinais de subida e a guerra continua, tal como a Pandemia.

Simultaneamente, ouvimos dizer que Portugal tem reservas de cereais para… um mês, sendo que hoje apenas produzimos 18% do que consumimos e queremos chegar aos 38%, embora com menos dias de trabalho isso seja algo complicado, especialmente na agricultura!

No entanto, continuamos a saborear uma agenda mediática onde o pleno emprego parece ser a justificação para um maravilhoso mundo “cor-de-rosa”, reforçado por esta ideia de menos dias de trabalho e, consequentemente, uma menor carga horária no final do mês para o trabalhador.

Por outro lado, vislumbramos agora, a indicação do aumento do salário médio em mais 20%, tarefa a incutir ao Setor Privado, para que seja possível combater a galopante e cada vez mais consolidada taxa de inflação, ao mesmo tempo que esse mesmo aumento salarial permitirá, se assim suceder, a melhoria dos indicadores do consumo interno e, com isso, reforçar o crescimento da economia.

Não obstante estas declarações debitadas diariamente na comunicação social, há algo que não bate certo.

A esta ideia de pleno emprego, rapidamente é contraposta a realidade da inexistência de mão-de-obra suficiente para alguns setores de atividades em Portugal, o que reforça essa outra ideia de, eventual, aumento de 20% do salário médio a suportar pelo Setor Privado.

E tudo isso porque, muito provavelmente, o Setor Privado tem de contratar gente para trabalhar, sendo que, na ausência dessa mão-de-obra, terá que pagar melhor forçando desse modo o aumento do salário médio, o que, indubitavelmente, terá reflexos no aumento do preço dos produtos, face ao crescimento dos custos de produção, e com isso o potencial de crescimento da inflação será maior.

Ou seja, não será líquido que melhores salários contribuirão para uma menor taxa de inflação, uma vez que esses aumentos serão refletidos no preço final dos produtos.

Por outro lado, e em teoria, se todos nós reduzirmos os nossos dias de trabalho, de cinco para quatro, obteremos uma redução de 20% da carga horária mensal, e se, porventura, mantivermos o mesmo salário, teremos então, na prática, um aumento de 20% do rendimento.

Ou seja, se trabalharmos menos dias, mas recebermos o mesmo, somos aumentados 20%!!
Ora aqui está o génio da ilusão!

NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)