(Na data da redacção desta Nota ainda não tinham ocorrido as eleições para o TC)
Cabe ao Tribunal Constitucional zelar pelo respeito da nossa Constituição da República Portuguesa, evitando alguma qualquer leviandade sobre a deturpação do espirito do documento mais importante do nosso panorama político, mas acima de tudo, assegurando a salvaguarda da “Carta Magna” dos direito e garantias dos cidadãos.
Compete assim a este Tribunal, a suprema função de apreciar da constitucionalidade e legalidade das normas legais no âmbito da sua natureza jurídico-constitucional, sendo as suas decisões definitivas e inapeláveis, ao mesmo tempo que são obrigatórias para todas as entidades, sejam elas públicas ou privadas, prevalecendo dessa forma sobre todas as outras dos demais Tribunais e autoridades.
Este Órgão de Soberania é composto por um total de treze Juízes, todos juristas, independentes e inamovíveis, sendo que seis terão que ser, obrigatoriamente, Juízes de outros Tribunais.
Cabe ao Plenário da Assembleia da República, com uma maioria qualificada de dois terços dos deputados presentes, eleger dez desses membros do Tribunal Constitucional.
Por seu turno, os três Juízes restantes são coaptados pelos Juízes eleitos pelo Parlamento, necessitando da maioria qualificada de dois terços, neste caso carecendo de sete votos favoráveis em dez.
Sucede porém, que nem todos os Juízes parecem ter lugar nesse Órgão de Soberania, especialmente se defenderem determinadas opiniões contrárias a um determinado pensamento que se pensa, ou se deseja, dominante na Sociedade.
Com efeito, temos vindo a assistir a um aceso debate sobre a possibilidade de admissão do Juiz Manuel Tavares de Almeida Costa no Tribunal Constitucional, o mesmo nome que foi eleito pela Assembleia da Republica, já este ano, para o Conselho Superior do Ministério Público em representação do…Parlamento!
Diga-se, em abono da verdade, que essa eleição foi concretizada com os votos das bancadas do PS e do PSD.
No entanto, a audição do Juiz, no passado dia 27 de Abril, na Comissão dos Assuntos Constitucionais, suscitou enorme controvérsia, desde logo porque o “candidato” ao Tribunal Constitucional defendeu mais restrições à liberdade de Imprensa, nos casos de violação do Segredo de Justiça, tendo acusado os políticos de não terem coragem para sancionar os jornalistas pela violação desse mesmo segredo.
Contudo, a sua posição mais controversa tem sido a de ser contra o aborto, conforme defendeu nas décadas de 80 e 90 do século passado.
Aliás, foi em 1984 que o seu artigo mais polémico deu à estampa nas páginas do Diário de Noticias, sendo conveniente recordar que este “candidato” ao Tribunal Constitucional foi Secretário-geral do Centro de Estudos de Bio-ètica de Coimbra, cidade de onde é natural, tendo sido ainda jurista na Comissão de Ética dos então Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC).
Por outro lado, foi membro de diversas Comissões, nomeadamente da revisão do Código Penal em 1982 e, mais tarde, fez parte da Comissão que conduziu às reformas do mesmo Código em 1995, tendo sido um dos especialistas ouvidos na revisão do regime contra a corrupção.
Foi doutorado em 2014 pela Faculdade de Direito do Porto, obtendo a classificação máxima de “Aprovação com Distinção” em Ciências Jurídico-Criminais, mantendo-se sempre numa linha mais conservadora do entendimento da vida em Sociedade.
Tal como seria de esperar, a eventual inclusão de um Juiz mais conservador no Tribunal Constitucional fez suscitar um coro de protestos, nomeadamente de vários coletivos feministas e outros Juízes do Tribunal Constitucional mais próximos da Esquerda, ou até de alguns comentadores políticos mais preocupados com a importância das audiências televisivas.
Ora, tenho a estranha sensação de que a tão apregoada liberdade de expressão e de opinião, especialmente em Órgãos de Soberania, não pode ser permitida a todos, mas apenas acessível a alguns, especialmente àqueles que correspondam a um determinado perfil ideológico.
Neste caso em concreto, a questão que deverá ser colocada em relação a este “candidato” é a de se as suas opiniões violam, ou não, a Constituição que passará a jurar defender, isto se vier a ocupar um lugar no Palácio Ratton – sede do Tribunal Constitucional?
Com efeito, aos portugueses o que interessa é se, efetivamente, as posições mais conservadoras do “candidato”, e a fundamentação das mesmas pelo próprio, violam, ou não, a Constituição e, em bom rigor, era isso que eu desejava saber e apenas isso me preocupa.
O que não deixará de ser curioso, caso se conclua por essa violação, já que o mesmo “candidato” reuniu condições para ser membro do Conselho Superior do Ministério Público, e que, repare-se, não é um Órgão qualquer.
É tão só a entidade que procede à gestão e disciplina dos Magistrados do Ministério Público Português que têm como obrigação zelar pela defesa do Estado de Direito.
Obviamente, considero que qualquer limitação à Liberdade de Imprensa é negativa para o normal funcionamento da nossa Democracia, mas isso não quer dizer que a violação do Segredo de Justiça em Portugal não seja materializada, junto da opinião pública, pelos órgãos de Comunicação Social.
Obviamente, que a possibilidade de acesso à interrupção Voluntária da Gravidez está assegurada no nosso ordenamento jurídico há, pelo menos, quinze anos, resultado da realização de um referendo específico sobre esta matéria, mas isso não quer dizer que todos concordem, ou tenham de concordar, com o Aborto.
Quero com isto dizer, que o Tribunal Constitucional deve poder acolher todas as opiniões e interpretações da Lei, desde logo, porque nem esta tem uma única interpretação, e que o diga a própria Constituição da República Portuguesa, face às inúmeras decisões, e os seus diversos sentidos e sensibilidades, tomadas pelos juízes desse Órgão de Soberania ao longo da sua existência.
Na realidade, para os mais atentos, a sensação que fica neste processo de escolha do novo Juiz para o Tribunal Constitucional, é a de que se assiste a uma tentativa de consolidação de uma linha de pensamento única no mais importante Órgão de Soberania, isto no que à interpretação da Constituição da República Portuguesa diz respeito e isso, obviamente, é mau para a Democracia.
NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)