NOTA DA SEMANA: O Beijo fatal

Há poucos dias terminou o Campeonato Mundial de Futebol Feminino, tendo-se sagrado campeã a Seleção do Reino Espanhol, depois de uma emotiva final que teve como oponente a Seleção Inglesa.

Como bons latinos e latinas que são os espanhóis, estes, e estas, não se contiveram nas celebrações reflexo do sangue quente e do temperamento que marca “nuestros hermanos”, ao contrário dos anglo-saxónicos, muito mais comedidos e disciplinados na arte dos festejos.

A camisola da seleção espanhola passou a ostentar uma estrela, símbolo de cada vitória nos campeonatos do mundo, procurando rivalizar com a potência desta modalidade como são os Estados Unidos da América, onde o futebol na versão feminina conta com uma cada vez maior importância junto das “Senhoras” e da Sociedade em geral desse País.

No entanto, e apesar de tal vitória pelas espanholas ser tão recente, parece que já de pouco vale, seja para as entidades oficiais do Reino vizinho, seja pelas próprias heroínas e responsáveis máximas pela importante conquista.

E tudo porque, na cerimónia da entrega das medalhas e do troféu que simbolizou a referida conquista desportiva, alguém vislumbrou um beijo entre o Presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, Luís Rubiales, e uma das mais influentes jogadoras da equipa, Jenni Hermoso.

Digo alguém vislumbrou o referido beijo, porque no calor da transmissão e da importância do momento poucos foram aqueles que se aperceberam desse pormenor. Pormenor este, que logo ganhou maior importância do que o próprio título conquistado pelas jogadoras, tornando-se viral a imagem desse beijo.

As primeiras reações foram, alegadamente, de estupefação por parte de ambos os intervenientes, seguindo-se comunicados, nomeadamente da futebolista, e pedidos de desculpas, estas últimas por parte do então Presidente de Federação que, entretanto, está já suspenso por 90 dias pelo Comité Disciplinar da FIFA.

A pressão mediática e política, tendo por base uma alegada atitude sexista, que diga-se caiu que nem uma luva à hipocrisia moralista que por aí vai pululando, definiu que a única solução seria a demissão do eventual “prevaricador”, neste caso Luís Rubiales.

Ao invés disso, o acusado assumiu, em plena reunião extraordinária da Assembleia Geral da Real Federação, que não se demitia, dando as primeiras explicações, e suscitando uma salva de palmas da audiência, onde se encontravam diversas mulheres, alegadamente do género feminino, pois como as coisas por cá andam nunca sabemos como designar ou abordar esta questão do género.

Ao mesmo tempo, foram apresentadas imagens por parte da Real Federação Espanhola dando a entender a inocência do ainda Presidente da mesma, e parecendo desvendar uma proximidade e cumplicidade entre as duas figuras.

Quase em simultâneo, a suposta jogadora ofendida veio a público dizer que, afinal, o beijo não tinha sido consentido, criticando a atitude do Presidente da Federação por tal ato e pedindo consequências, secundarizada pelas colegas da Seleção e mais algumas profissionais, totalizando cerca de 80 jogadores, que entenderam que não representarão as cores nacionais enquanto Luís Rubiales se mantiver no cargo.

Com posições de força de um e de outro lado, já não há lugar para a eventual inocência de um beijo, ou mesmo este poder ter resultado do calor do entusiasmo e da euforia do momento, na medida em que a agenda politica e mediática tomou de assalto as razões do ato em causa.

Em bom rigor, e como as coisas foram colocadas, não sabemos se o beijo entre os intervenientes foi resultado do entusiasmo momentâneo, se foi inesperado, se foi consentido, se foi pedido ou mesmo desejado, por um, ou por ambos, ou se, pelo contrário, resultou de uma atitude sexista, machista, de exercício e abuso do poder e, em última análise, de puro assédio.

Em contrapartida, e face à suspensão temporária decretada pela FIFA, a Real Federação Espanhola de Futebol nomeou, interinamente, o seu Vice-presidente, Pedro Rocha, para assumir o cargo, ao mesmo tempo que segue para as entidades competentes a investigação do caso.

No final de tudo isto, Luís Rubilaes e Jenni Hermoso, não passarão de meros joguetes nas mãos de outros, acabando por sujeitar-se à imperiosa necessidade, e que ambos passaram a ter, em sobreviver nos tempos mais próximos, seja um enquanto dirigente máximo da Real Federação Espanhola, seja outro como desportista.

Ambos os envolvidos perderão nesta disputa, e o resultado será agravado se entre eles existir realmente alguma ligação emocional ou cumplicidade que desembocou naquele gesto.

Qualquer forma de opressão e abuso, deverá ser condenada pela Sociedade e pelas entidades competentes, deseja-se tão só e apenas, que esta postura vigilante não se transforme num auto de inquisição como sucedeu em tempos passados, onde o inocente era tão condenado como o “pecador”.

Apesar disso, gostava de deixar uma pergunta em jeito de provocação: e se o Presidente da Real Federação Espanhola tivesse, no mesmo contexto, beijado o treinador (masculino) da Seleção de Futebol Feminina e este último fosse homossexual? Como seriam as reações e o tratamento dado a essa hipotética situação?