Por mais que se diga o contrário, o Ser Humano necessita das suas rotinas e hábitos, na medida em que são estes que lhe conferem a estabilidade e a segurança tão necessárias ao seu quotidiano.
A mudança, ou a procura de fugas ao tédio do dia-a-dia, por mais apelativas que sejam, não deixam de representar um acréscimo de risco ao desejo de estabilidade que a rotina nos confere.
É por isso que a natureza das coisas não tende a ser mudada; é por isso que o ciclo da vida, e as etapas que a compõem, são para nós fator de harmonia; é por isso que o comodismo ao estabelecido na nossa rotina diária, não deixa de ser fator de estabilidade e até de inclusão social junto dos outros que nos rodeiam.
Na realidade, somos Seres de hábitos e estes tendem a normalizar a nossa existência, quer individual,quer em termos coletivos.
Sem hábitos estaríamos, muito provavelmente, mais vulneráveis e mais perdidos neste mundo onde nos inserimos e por onde deambulamos temporariamente.
Tal como as Estações do ano têm uma lógica sequencial – Primavera, Verão, Outono e Inverno – também a Vida, a nossa e a dos outros, obedece a essa previsibilidade temporal.
Nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos – este é o ciclo da vida – e com ele desejamos manter essa rotina, pois só assim conseguimos vislumbrar um pouco mais além a nossa dimensão temporal terrena.
Quando se verifica uma mudança, ou uma ocorrência que suscita uma alteração à nossa rotina existencial, logo de imediato entramos em sobressalto, questionando a natureza das coisas e a rotina que temos gizado ao longo da nossa vida, aspeto que se torna demasiado tenebroso face à nossa incapacidade para lidar com essa mesma mudança.
Por isso, o normal é os pais sepultarem os avós, e os filhos os pais, obedecendo ao ciclo natural da vida que, por sua vez, tem paralelo com as Estações do ano.
Na Primavera nascemos, no Verão crescemos, no Outono envelhecemos e no Inverno morremos, esta poderá ser a analogia entre o ciclo da vida e o ciclo da natureza!
Contudo, quando o ciclo da vida se inverte, abalando aquilo que a nossa rotina nos assegura, transformando a normalidade que nos dá segurança em algo que não conseguimos perceber e aceitar, logo percebemos o quanto insignificantes somos no Universo.
Sepultar jovens não é normal, sepultar filhos não é normal, deixar pais sozinhos não é normal!
A inversão do ciclo da vida é demasiado dolorosa para que não deixe de nos incomodar.
A inversão do ciclo da vida é demasiado assustadora para que não deixe de nos amedrontar.
Quando o ciclo da vida se inverte, logo percebemos o quanto débil e curta é a nossa passagem por este mundo que nos acolhe, transformando-se esta numa experiência horripilante em face do receio de podermos ser um dos infelizes contemplados com a alteração da ordem natural das coisas.
Que o digam todos aqueles que viram partir fora de tempo os seus filhos, os seus amigos mais novos, ou outros cujo marcador temporal não previa que tal sucedesse no contexto da rotina e da normalidade que tanto estimamos.
Talvez a inversão do ciclo da vida tenha uma função, talvez… embora se deseja-se que essa inversão não sucedesse, evitando-se assim sofrimentos maiores e dores que o tempo sempre curará, mas nunca permitirá esquecer.
Agora que se aproxima o dia de Finados, estando este cada vez mais descaracterizado pela vulgaridade comercial do “Dia das Bruxas”, espero que sejamos capazes de perceber que a dor infligida pelos que partiram fora de tempo é diferente daqueles cujo tempo previa a sua partida…
NUNO GOMES (director de A COMARCA DE ARGANIL)