
Há uma expressão popular que diz – “entrada de Leão, saída de sendeiro” – e que se aplica integralmente aos representantes nacionais das Instituições de Solidariedade Social, em especial aos da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e aos da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS).
E tudo porque, sendo esses representantes conhecedores das enormes dificuldades que as suas associadas atravessam, estando muitas delas em risco de sobrevivência e sendo obrigadas a encerrar diversas respostas sociais, aceitaram as propostas do parceiro Estado sem que cumprissem aquilo que antes tinham anunciado.
No dia 20 de Julho (Edição do Jornal de Noticias) do corrente ano, tornaram público, nessa tal “entrada de Leão”, que nunca aceitariam uma proposta de atualização das comparticipações da Tutela que fosse inferior a 12%, sendo este referencial a “linha vermelha”, abaixo da qual não haveria acordo.
Sabemos agora, pelos mesmos representantes, que foi obtido um acordo de 11% e por isso superior à “linha vermelha” traçada que, afinal, era já de 10% (Edição do Jornal de Noticias de 2 de Setembro), ajustando-se assim o valor inicial da “entrada de Leão” para que não parecesse uma “saída de sendeiro”.
No entanto, nem nestes números conseguem ser claros porque na realidade os valores de atualização a pagar desde Janeiro de 2023, serão apenas de 6% para as respostas de carácter residencial, nomeadamente Lares de Idosos e Centro de Dia, enquanto que, nos outros equipamentos, o valor não ultrapassará os 3%.
Obviamente, perante o descalabro destes números negociados, a narrativa dos representantes do Setor teve que ser “pincelada” e então acrescentaram os valores parcialmente pagos antecipadamente em 2022 para as instituições de Solidariedade Social, na percentagem de 5%.
Assim, somaram aos 6% decorrentes da recente negociação os 5%, perfazendo então os 11%, mas esqueceram de clarificar, também aqui, que nem todas as respostas sociais tiveram igual atualização e as que apenas beneficiarão de 3%, somando aos tais 5%, não ultrapassarão os 8%.
Para além de que, outras respostas sociais nem sequer foram contempladas com qualquer atualização, como são os casos dos Lares de Infância e Juventude (LIJ), ou mesmo os Cuidados Continuados.
Como já disse – “Entrada de Leão, saída de sendeiro”.
Mais uma vez, ficou claro que os dirigentes nacionais da UMP e da CNIS, designadamente os respetivos Presidentes, são completamente incapazes de fazerem ver ao parceiro Estado a débil situação em que as Instituições de Solidariedade se encontram, ao mesmo tempo que optam por fazer uma comunicação para as suas associadas completamente contrária ao insucesso que foi a negociação.
Nem mesmo junto da opinião pública tem havido o cuidado de a elucidar para as enormes dificuldades e constrangimentos existentes nas organizações do Setor Social, e que estes não decorrem da incapacidade dos seus dirigentes em gerir, mas antes da insuficiente comparticipação do parceiro Estado pelos serviços que são prestados.
Desde finais de 2019 os custos operacionais das Instituições de Solidariedade Nacional têm vindo a agravar-se, com especial incidência no período compreendido entre 2020 e 2023, tendo esses custos aumentado, em média, mais de 10% ao ano, totalizando, em termos acumulados e nesse mesmo período, mais de 38%.
Esses custos relacionam-se não apenas com a variação da taxa de inflação que, em 2022, atingiu 7,8% e em 2023 o Banco de Portugal estima em 5,5%, mas também com os custos com pessoal e que, no caso do Setor Social, se tomarmos apenas como referência o Salário Mínimo Nacional (SMN), cresceu 24,3%.
No entanto, as comparticipações permanentes do Estado foram atualizadas, em média, 5,5% ao ano, totalizando, em igual período de tempo, apenas 20,2%, o que se revela bastante aquém dos custos.
Ora, tendo sido assinado em Dezembro de 2021 o Pacto de Cooperação que estabelecia uma comparticipação do parceiro Estado de até 50% dos custos dos utentes nas respostas sociais, e sabendo-se que antes da assinatura do Pacto essa comparticipação não ia além dos 35%, o que se tem verificado nos últimos anos é o afastamento dessa meta.
Nesse sentido, os representantes nacionais da UMP e da CNIS não podem assumir que o Compromisso de Cooperação 2023-2024 é um bom acordo, antes pelo contrário, é mais do mesmo, ou seja, no contexto atual é um mau acordo pois não responde ao mínimo do exigido pela realidade que marca a vida das Instituições do Setor Social.
Os valores agora apresentados são claramente insuficientes, devendo a opinião pública ter conhecimento desta realidade, especialmente num ano em que o Estado tem previsto um excedente de mais de 4 mil milhões de euros em face dos resultados obtidos pela receita fiscal.
Com efeito, existe uma clara falta de coragem, uma nítida incapacidade, e até algum amadorismo, para os representantes do Setor Social negociarem com o Parceiro Estado, sem falar no alheamento a que a Sociedade Civil tem sido votada neste processo.