NOTA DA SEMANA: O “Papa” partiu

Apesar de, inicialmente, ter pensado em escrever esta crónica sobre o centenário de Carlos Paredes, extraordinário músico português que deu uma nova expressão ao uso da tradicional guitarra portuguesa, deparei-me com a notícia do histórico dirigente portista, Jorge Nuno Pinto da Costa.

Decidi então, escrever sobre o segundo, porque, seguramente, ainda terei oportunidade de escrever sobre o primeiro, face à importância que Carlos Paredes teve para a cultura nacional, e depois, porque a morte de Jorge Nuno Pinto da Costa, aos 87 anos, goste-se ou não da personagem, marca indubitavelmente o desporto nacional.

Embora, durante vários anos, não nutrisse grande admiração pelo dirigente do Futebol Clube do Porto, muito provavelmente pela nébula de desconfiança que sobre essa figura desde sempre pairou, apesar de judicialmente nada se tenha provado sobre as eventuais manigâncias que terá usado para manter o clube da cidade “Invicta” vencedora, mais recentemente consegui encontrar nessa figura alguns aspetos que merecem admiração e respeito.

Desde logo, por ter sido, a nível internacional o dirigente que mais conseguiu fazer pelo futebol nacional nas últimas décadas, designadamente nas competições europeias, marcando, por diversas vezes, presença em finais e ganhando algumas das mais importantes competições internacionais.

Nesse capítulo, não posso deixar de recordar a Taça de Campeões europeus e a Taça Intercontinental, tudo no final da década de 80 do século XX.

A nível interno, desde que em 1982 assumiu os destinos do clube, ganhou inúmeros campeonatos nacionais, taças de Portugal e taças da liga, aumentando significativamente o espólio de títulos que justificaram a criação, num dos seus últimos mandatos, o novo museu do Futebol Clube do Porto.

Seguramente não era um dirigente inocente, usando a arma do “nós contra eles” como o grande motivador da unidade interna e de mobilização de toda estrutura portista, desde adeptos até desportistas, e nesse discurso que roçava muitas vezes a violência, rodeava-se de uma guarda pretoriana que era a claque dos Super Dragões, para manter na linha os que dele discordavam e reduzir a contestação interna sobre os seus métodos.

Até no campo político ousou recorrer ao discurso regionalista contra o centralismo de Lisboa e a força dos outros dois grandes rivais Benfica e Sporting, mas em boa hora o fez, na medida em que uma das causas para o chumbo da Regionalização no referendo de há uns anos atrás foi a sua aparição na defesa dessa reorganização administrativa do País, unindo todo o norte contra essa figura do mundo do Futebol, facilitando assim a vida dos que eram contra a Regionalização.

Afinal, o norte não é o Porto e foi um erro pensar o contrário!

Foi também Jorge Nuno Pinto da Costa que possibilitou a afirmação de Rui Rio na cidade do Porto, ao assumir-se contra ele, podendo concluir-se que na cidade Invicta há muitos Benfiquistas, Sportinguistas, Boavisteiros e Salgueiristas.

Contudo, e apesar da polémica que sempre o envolveu, o que me faz hoje escrever esta Nota da Semana referente a Jorge Nuno Pinto da Costa, dirigente que esteve 42 anos a liderar o Futebol Clube do Porto, foi a sua capacidade de lutar sempre pela defesa da Instituição que representava, ao ponto desse clube vir a confundir-se com o seu presidente.

Apesar de doente, neste caso com um cancro, decidiu candidatar-se a mais um mandato. Muitos de nós pensámos que tal gesto foi inusitado, mas ele entendeu que iria dar luta pelo lugar, mesmo sabendo que, muito provavelmente, não concluiria o mandato caso fosse eleito.

Não abandonou os seus, mesmo que estes não tivessem qualquer razão, como foi o recente caso do líder da claque portista, destacando-se pelo humor mordaz e irónico com que respondia aos ataques de outros dirigentes e mesmo na relação com a comunicação social.

Com 42 anos de presidência, mais de 1300 títulos conseguidos, 60 anos de ligação ao clube onde desempenhou diversas funções até assumir o lugar de presidente, representou uma mudança de mentalidade no mundo de futebol, especialmente na relação internacional, batendo o pé aos grandes clubes europeus nas últimas décadas.

Objetivamente não fez tudo bem, aliás longe disso, saindo pela porta pequena do clube que dominou durante mais de quatro décadas e pela mão dos sócios que votaram contra ele esmagadoramente (80%), algo que ele nunca teria imaginado, mesmo nos seus piores momentos e terá sido esta a machadada final no seu trajeto vitorioso.

Jorge Nuno Pinto da Costa merece esta Nota da Semana, não porque goste muito da sua figura e personalidade, mas porque foi um resistente e um lutador, editando na reta final um livro onde reconhece o valor da lealdade, salientando o mérito de outros dirigentes desportistas dos clubes rivais, mas condenando todos aqueles que o traíram e quiseram enganar, chegando ao ponto de dizer de quem não gostava de ver no seu funeral!

Ficou conhecido por ser o Papa do Futebol, também chegou a sua hora…