NOTA DA SEMANA: Os desmandos de quem manda

Foto: SÁBADO.PT

Ao longo dos últimos dias temos assistido à novela da Comissão de Inquérito à TAP, a qual tem estado mais preocupada em descobrir quem ligou a quem, quem disse o quê e quem bateu em quem, do que propriamente em analisar a situação em que se encontra a companhia de aviação e os nossos mais de três mil milhões de euros que lá foram “enterrados”.

De tão rocambolesca que foi a exoneração do ex-adjunto do Ministro das Infraestruturas, e depois tudo o que se lhe seguiu, o País e os Portugueses vão estando entretidos em descobrir, em cada episódio que vai sucedendo nas audições da referida Comissão, as revelações bombásticas de tudo o circuito telefónico entre assessoras, chefes de gabinete, Ministros, policias, umas mais secretas do que outras, enfim um sem rol de acontecimentos insólitos.

Esta novela “venezuelana” tem sido o assunto do momento neste País à beira mar esquecido, e nem a qualidade, ou falta dela, seja no enredo e seja nos intervenientes, consegue atingir o patamar das grandiosas produções brasileiras que, durante décadas, nos preencheram os serões em família.

Aliás, pelo momento que o País atravessa, mais depressa estaremos próximos de uma venezualização da Sociedade Portuguesa, do que propriamente outra coisa, o que por si justifica esta opção pelas produções “noveleiras” desse país da América latina.

Contudo, percebemos há muito, que existe uma linha condutora em todos estes acontecimentos, e essa tem sido a clara ausência de estratégia para o País, estando este entregue a uma certa casta de políticos oriundos dos bancos das juventudes partidárias, aos quais o que lhes sobra em sobranceria, escasseia em conhecimento da Nação e das suas dificuldades.
Os Portugueses mais atentos dão consigo a olhar para os currículos de inúmeros Assessores, Adjuntos, Chefes de Gabinetes, Secretários de Estado e até Ministros da República, que pouco ou nada acrescentam à dimensão política da nossa Democracia que, a cada dia que passa, vai ficando mais frágil.

Toda essa entourage política, desconetada das dificuldades do País, está iludida e enfaixada no exercício do poder, seja ele mediático, institucional, social ou até mesmo familiar.

É verdade que manda quem pode, mas nem sempre quem pode sabe mandar, e esta tem sido a sina dos últimos anos, com “gaiatos” a mandar e “adultos” a serem mandados.

No entanto, nas entrelinhas, verificamos que nem todos são estúpidos, ou estão alheados da realidade.

Veja-se o caso do Ex-Presidente da República e Ex-Primeiro Ministro, Prof. Aníbal Cavaco Silva, figura seguramente odiada por várias franjas da população, mas detentora de uma autoridade que ninguém pode questionar sobre a sua elevada estatura no desempenho de cargos que ocupou, sempre decorrentes do sufrágio eleitoral.

Homem austero, mais ligado aos números e, aparentemente, afastado dos afetos, mas seguramente sem deixar de pensar nos seus compatriotas.
Injustamente, uma certa elite intelectual, misturou as responsabilidades de Estado desempenhadas por Cavaco Silva, com a ausência da expressão pública de um pensamento crítico aos poderes vigentes.

Estou certo, de que o tempo tem provado que essa certa elite intelectual estava errada e continua errada! Quem desempenha cargos de elevada responsabilidade no Estado, nunca pode banalizar essa responsabilidade, nomeadamente pela expressão de um pensamento apenas para agradar às sondagens de opinião.

Cavaco Silva lidou com Mário Soares, Jorge Sampaio, José Sócrates, Pedro Passos Coelho e, já no final do seu cargo de Presidente da República, com António Costa, entre outros.

Todos eles figuras de peso político, e para alguns deles, seguramente, não guardava ou nutria grande afeição, e vice-versa.

No entanto, sempre manteve com todos eles uma distância e clarividência sobre o seu papel, tivesse sido como Primeiro-ministro ou tivesse sido como Presidente da República, o que lhe permitiu reforçar a autoridade do cargo que, em cada momento, desempenhava.

Por isso, não me surpreende que, Aníbal Cavaco Silva, faça hoje mais pela Presidência da República do que o atual ocupante do Palácio de Belém, o qual marca e desmarca conferências de imprensa, come gelados e discute sabores dos mesmos e ajeita as pedras da calçada com os sapatos, descredibilizando o próprio papel de Presidente da República.

Hoje, o fiel da balança para a governação de António Costa, não é, e nunca foi, Marcelo Rebelo de Sousa.

O fiel da balança é Aníbal Cavaco Silva, pois sem fazer politica ativa, é o único que se atreve a fazer a distinção entre o que deve fazer um Presidente da República ciente das suas obrigações, perante um Governo desgovernado, submerso pela enorme inteligência de um Politico que vive e respira o jogo politico, como é António Costa.

Por isso, quando Cavaco Silva falou recentemente no encontro dos autarcas do PSD, deu uma lição de política e de democracia a Marcelo Rebelo de Sousa, especialmente de que o povo não é ignorante ou estúpido, cabendo-lhe a este, e apenas a este, decidir se a oposição tem, ou não, capacidade de assumir o Poder.

Embora pense, que no íntimo, o candidato preferido pelo ex-Presidente da República ao lugar de Primeiro-ministro não seja Luís Montenegro, mas sim Pedro Passos Coelho, pela coragem que teve e pelo programa económico para o País que pretendia perseguir.

Não desminto que, durante algum tempo, foi bom termos um Presidente da República próximo do povo, com beijinhos, abraços e “selfies”, frequentador da festa do Avante para fazer esquecer as suas ligações familiares ao anterior regime, e fugindo de quem o pudesse confrontar com uma qualquer placa nesse Portugal esquecido que evocasse o papel de seu pai, Baltazar Rebelo de Sousa, nos tempos da outra senhora.

Mas Galamba e Marcelo, ambos à sua maneira, são iguais, até na preservação pública, ou falta dela, do papel dos antepassados familiares e na relação que esses mantiveram com o antigo regime e isso diz muito da personalidade de cada um deles.

Por isso, o jogo de forças está hoje entre António Costa e Cavaco Silva, a Marcelo Rebelo de Sousa resta-lhe apenas ir comendo gelados, até arranjar coragem para colocar ordem nisto tudo, dissolvendo a Assembleia da República.

Para já, quem manda e desmanda, é o Primeiro-ministro António Costa que, no mais recôndito do seu ser, certamente admira Cavaco Silva, seja pelas suas maiorias, seja pela sua longevidade politica, ou seja, simplesmente, por ser apenas o político que não foi em “cantigas” e exigiu-lhe um acordo politico escrito aquando da geringonça.

Poucos já se recordarão disso, mas Cavaco Silva sabia o que fazia para assegurar a estabilidade, e António Costa logo disso se apercebeu…