A Cultura em Portugal tem os seus ícones, uns mais mediáticos do que outros, com mais ou menos projeção temporal, mas serão poucos aqueles que conseguem sobreviver por várias gerações.
E de entre o reduzido leque de figuras que marcam presença na galeria dos intemporais, Eunice Muñoz tem, sem dúvida alguma, lugar de destaque, graças à sua especial dedicação à arte do Teatro, onde pontificam 80 anos de carreira e mais de 120 peças em cerca de três dezenas de companhias.
Nascida em 30 de Julho de 1928, na Amareleja, Moura, Distrito de Beja, contava com 93 anos no dia em que se apagaram para ela as luzes do palco da vida, abrindo-se, certamente, uma outra atuação num palco maior, ou não fosse ela uma católica convicta.
A sua última atuação aconteceu na peça “A margem do tempo”, em 2021, do alemão Franz Xaver Kroetz, e fez parceria com a sua neta, Lídia Muñoz, na expetativa desta ser a sua sucessora natural nos palcos, deixando-lhe contudo, uma herança pesada que foi uma carreira ímpar no País e que se reflete no apelido que partilham.
Eunice Muñoz provinha de uma família ligada às artes e que possuía uma companhia ambulante, a Trupe Carmo, mas foi em Lisboa que se tornou discípula de outra grande Senhora da representação, Amélia Rey Colaço, tendo entrado para a Companhia Rey Colaço – Robles Monteiro.
Foi a 28 de Novembro de 1941, com treze anos, que se estreou com a peça “Vendaval”, de Virgínia Vitorino, no Teatro Nacional D. Maria II, e sob a batuta e proteção de Amélia Rey Colaço, apesar de ter entrado para o Conservatório mais tarde já com catorze anos, do qual saiu com dezassete anos, mas sem que nunca tenha deixado de representar durante esse percurso académico.
Para além da sua tutora, atuou com Palmira Bastos, Maria Lalande, Lucília Simões, Raul de Carvalho, Alves da Cunha, João Vilaret, entre tantos outros.
Quanto aos encenadores com quem trabalhou, aqueles em que reconheceu a mestria e a capacidade para realizar grandes obras cénicas, destacou Francisco Ribeiro (Ribeirinho), Carlos Avilez, João Perry, João Lourenço, João Mota e Ricardo Pais.
Mas Eunice Muñoz não se ficou pelo Teatro, e desfilou a sua arte de representar também no cinema onde começou no filme “Camões” de 1946, do cineasta Leitão Barros.
Outros filmes se lhe seguiram como “Um Homem do Ribatejo”, “Cantiga da Rua”, “ A Morgadinha dos Canaviais”, entre tantos outros, sendo que em 2019 encerrou esse capítulo cinéfilo com o filme “Olga Drummond”, de Diogo Infante.
Também em televisão participou em diversas telenovelas, ou séries cómicas com Nicolau Breyner. Contudo, o Teatro foi a sua essência e a razão da sua existência no panorama cultural nacional.
Eunice Muñoz faz assim parte de um restrito grupo de atores que se destacaram pela capacidade de representar, manifestando essa destreza e mestria em diversos estilos e sob as mais diversas formas, mas sem nunca deixar de amar o Teatro.
Graças à sua longevidade pessoal e profissional, conseguiu chegar a diversas gerações de Portugueses, ultrapassando inúmeros momentos da nossa História contemporânea, incluindo o período de ouro do Teatro e do Cinema, onde, e apesar do regime fechado em que o país então se encontrava, nunca a produção cultural foi tão intensa.
Adeus Eunice Muñoz, que encantes agora os que te acolheram no teu destino final.
NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)