No final da década de sessenta do século passado, num contexto marcado pela guerra do Vietname, surgiu nos Estados Unidos da América um movimento de criação de comunidades dedicadas à paz, envoltas pelo consumo de drogas como forma de libertação da mente, e promovendo o sexo livre e desprendido, um ato generoso de prolongamento do amor pela Humanidade.
Depois, foram surgindo seitas, sempre sob ideias maravilhosas de um mundo harmonioso, sem guerra, e onde a obediência às leis das Sociedades tradicionais não era aceite, pois representava a ingerência e profanação do indivíduo, ele próprio uma divindade.
Invariavelmente, quer a primeira situação e quer a segunda, deram maus resultados, traduzindo-se em assassínios e mortes desnecessárias em várias dessas comunidades e seitas.
Por norma, a essas comunidades, ou seitas, está associado um mentor e líder que acaba por assumir o controlo total desses grupos de pessoas, dispondo delas conforme o seu interesse pessoal, transformando-se, na prática, num ditador que se equipara a um Deus e ao qual todos devem obedecer.
No entanto, e porque as Leis terrenas que, mal ou bem, nos vão “governando”, entram em choque com esse poder absoluto do líder dessas comunidades, logo estes pensam na peregrina ideia da autodeterminação e independência.
Nos Estados Unidos da América foram vários os massacres que resultaram dessa atitude egocêntrica dos líderes dessas seitas e comunidades.
Por exemplo, em 1993, no cerco de Waco, no Condado de Mclennan – Texas, o Ramo Davidiano, um culto religioso liderado por David Koresh, barricou-se nas suas instalações onde se manteve durante 51 dias até que as agências federais tiveram que intervir, culminando na morte de 82 elementos da seita, entre os quais 28 crianças, mas também 4 agentes das forças de autoridade perderam a vida e 16 ficaram feridos.
No final, foi ainda apurado que a maior parte dos mortos do culto religioso resultaram do incêndio provocado pelos líderes do mesmo, para que não fossem detidos e sujeitos à Lei.
Depois disso, sempre pensei que todos teriam aprendido, incluindo nós Portugueses!
Contudo, em 2023, pleno século XXI, temos na região centro o autoproclamado Reino do Pineal, uma comunidade religiosa liderada por um tal Martim Junior kennk, ex-chefe de cozinha Inglês, e que agora dá pelo nome de Água Akbal Pinheiro.
Constituída em plena Pandemia, agregando, à data, cerca de 44 pessoas, de oito nacionalidades distintas, instalaram-se numa quinta de 4,7 hectares, localizada na Freguesia de Seixo da Beira, Concelho de Oliveira do Hospital, e têm como “patrono Fundador” e financiador (adquiriu a quinta) um jogador de futebol que dá pelo nome de Pione Siste.
Gostam de se apresentar de turbantes roxos, praticando uma dieta vegana e realizam jejum para purificarem o corpo e a alma, e dedicam-se, para além da agricultura, à dança étnica e eletrónica, meditando e escutando os discursos do líder, o tal que foi chefe de cozinha.
Acreditam na necessidade de ser fundada uma nova ordem mundial, defendendo diversas teorias da conspiração.
Simultaneamente, foram construindo, alegremente e pacificamente, barracões de apoio às suas atividades, montaram tendas para a comunhão com a natureza e pretendem comprar mais 30 hectares para expandir o respetivo reino.
Quem parece não ter gostado terão sido alguns vizinhos que, para fazerem coisas semelhantes, têm que se sujeitar à burocracia tipicamente portuguesa.
Contactados para darem explicações sobre eventuais infrações às regras urbanísticas, fizerem deslocar uma comitiva à reunião de Câmara com trombones e flautas (ou algo que se pareça) para anunciarem o soberano e autoproclamado reino…(Kingdom of Pineal).
Eu imagino o ar de estupefação do Presidente da Câmara, procurando manter alguma racionalidade naquilo tudo, especialmente depois de alguém da comitiva dos “Pinealenses” se ter lembrado de tocar o trombone, ou coisa que se diga, durante a reunião nos Paços do Município!
Já estarão em marcha diligências pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Ministério Público e quiçá outras entidades, especialmente no que ao direito à educação diz respeito por parte das crianças da dita comunidade.
Contudo, em bom rigor, não é isso que me preocupa e não é pelas crianças em si, é pela desconsideração a que a nossa Nação é votada…ao que chegámos, mais uma vez!
Então mas será possível um conjunto de pessoas, vindas não se sabe de onde, comprarem um pedaço de terra no nosso País, por meio de um patrono, e assumirem-se como um Estado soberano, e assim se apresentam junto de órgãos eleitos democraticamente pelas Leis da República?
Um Estado digno desse nome, já tinha investigado metade da comunidade, detido o líder para averiguações, por desrespeito às Leis da República de um Estado Nação com mais de oito séculos de existência e incitação ao separatismo.
O que está aqui em causa é, tão só, a violação do princípio da integridade territorial e o ataque à República no interior desta, pelo não reconhecimento e sujeição às Leis nacionais de forma assumida.
Beneficiando do direito de propriedade privada, que tanto custou aos Portugueses manterem após o 25 de Abril de 1974, esta comunidade fecha-se no interior da sua quinta, divulgam nas redes sociais a mensagem de que são um reino soberano, deambulam pelas ruas, pacificamente, mas entendendo que não têm que se sujeitar às Leis Portuguesas, exigindo ainda, ser respeitados na sua independência territorial!
Se isto pega, qualquer dia um milionário irá lembrar-se de comprar metade do interior do País, o mesmo que está envelhecido, desertificado e abandonado, e cria um reino!
O que pensará D. Afonso Henriques na sua tumba, depois de tanto ter pelejado para dar um pedaço de chão a todos nós? No mínimo que somos ingratos e, em bom rigor, somos mesmos.