NOTA DA SEMANA: Porque assusta tanto a criação da Ordem dos Assistentes Sociais?

Antes da dissolução do Parlamento Nacional, estava em discussão uma proposta legislativa destinada a restringir, ou a limitar, a aplicação de um conjunto de requisitos que diversas Ordens Profissionais exigem para o exercício de uma determinada profissão.

O Projeto de Lei em causa visava e visa, dar aplicação a diversas diretrizes da Comissão Europeia, bem como recomendações da OCDE e da entidade da concorrência, relativas ao acesso ao exercício profissional.

Com efeito, muitos dos requisitos existentes em algumas Ordens Profissionais para o exercício de determinada profissão, e estabelecidas sob o pretexto da regulação do acesso ao exercício profissional, mais não são do que catalisadores para uma captura e regulação do próprio mercado de trabalho.

Na realidade, esta discussão já tem vindo a ocorrer, um pouco em surdina diga-se, porque nunca se percebeu muito bem a dicotomia entre possuir-se um titulo académico para o exercício de uma Profissão, devidamente reconhecido pelas entidades competentes, mas, em simultâneo, permitir-se que uma determinada Ordem Profissional acrescente um conjunto de exigências para o exercício dessa mesma profissão, relegando para segundo plano o titulo académico previamente obtido para esse efeito.

Assim, existem Ordens Profissionais que impõem no acesso à Profissão, exames, provas de avaliação, estágios e outros tantos requisitos que têm levado a que alguns dos candidatos desistam do sonho para o qual estudaram e outros ainda, andem anos a penar para concretizarem esse mesmo sonho que o grau académico era suposto concretizar.

Não é pois de estranhar, a posição tomada pela Comissão Europeia relativa a esta situação, desde logo, porque consubstancia uma limitação no acesso ao mercado de trabalho e, não raras vezes, o impede.

Algumas das Ordens Profissionais tornaram-se assim, predadoras desse mercado de trabalho, regulamentando não apenas o exercício de uma profissão, mas também o acesso ao espaço onde pode ser desenvolvido, criando diversas desigualdades entre os candidatos e um controlo indireto entre a oferta e a procura.

Talvez por isso se perceba a existência de limitações e restrições no acesso à formação académica em algumas áreas profissionais, com o estabelecimento de “numerus clausus”, e que nada têm que ver com a capacidade do sistema de ensino, sendo antes resultado da imposição, por via indireta e camuflada, pelas próprias Ordens Profissionais, o que, por sua vez, condiciona e influencia as condições da contratação desses mesmos profissionais quando ingressam no mercado de trabalho.

Menos oferta, valores mais elevados de contratação.

Menos oferta, maior número de cargos acumulados nos diversos setores – Público, Privado e Social – consubstanciando um rendimento mais elevado para um número reduzido de profissionais.

Foi neste contexto de discussão pública e política que a Ordem dos Assistentes Profissionais foi criada em 2019, pela Lei n.º 121/2019 de 25 de Setembro, corolário de um percurso de mais de 20 anos com avanços e recuos e que agora parece, finalmente, ter visto a luz no fim do túnel.

A aprovação desta Ordem marca a alteração do paradigma de excessivos requisitos para acesso à Profissão, na medida em que a Lei que a criou abrange os profissionais habilitados com o grau académico – licenciatura – não impondo outras limitações à efetiva inscrição na mesma e, consequentemente, ao exercício da profissão de Assistente Social.

Estranhamente, o Regulamento de Acesso à Profissão, ato indispensável à inscrição na Ordem e ao seu normal funcionamento, ainda não foi aprovado e publicado pelo Governo no prazo estabelecido para o efeito e que era de 120 dias, passando hoje mais de 700.

E nem a desculpa da Pandemia justifica esse atraso, especialmente quando outra Ordem Profissional criada na mesma data, está já em pleno funcionamento.

Para além disso, a Ordem dos Assistente Sociais não rompe apenas com esta limitação autocrática existente no acesso a algumas Profissões, dando o exemplo de que a prática deve ser outra. A nova Ordem veio mexer ainda, com interesses na Academia, onde ao longo dos anos têm sido aprovados diversos cursos que procuram, iludindo até os estudantes, ocupar espaços no campo social sob a responsabilidade destes profissionais.

Cursos que grande parte da população desconhece a sua utilidade, alimentados com currículos para justificar muitos dos graus académicos colocados ao dispor dos alunos, ou mesmo como veículo para sustentar e justificar a existência de um determinado quadro de docentes numa determinada Instituição do Ensino Superior.

Também isto deveria justificar uma reflexão, a qual, forçosamente, deverá ocorrer como resultado da criação da nova Ordem Profissional.

No entanto, esta tem também enormes responsabilidades, sendo que a primeira delas, para além da regulação da profissão e o cumprimento do Código Deontológico, passa por ser uma estrutura próxima da realidade, não podendo ser tomada por qualquer elite pensante, ou sindicalista.

 A nova Ordem não pode desconhecer as dificuldades, mas também a essência da profissão e cujo principal traço, para além do combate à exclusão social em toda a sua dimensão, é o de estar do lado das soluções e não dos problemas, e ao mesmo tempo, próxima das lideranças das organizações e até inseridas nestas, tendo em vista contribuir para a definição das melhores políticas de intervenção social nos diversos campos em que se movem estes profissionais.

NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)