NOTA DA SEMANA: Que memórias de outros tempos nos faltam? E em que livros se escondem?

Ler preenche-nos a alma e reconforta-nos o espírito, aconchega-nos o pensamento racional e impele-nos a voar na utopia de um sonho.

Os livros são pois, bem mais do que simples objetos de preenchimento e embelezamento de móveis e prateleiras, contam-nos estórias e revelam-nos a História.

Há quem queira coloca-los no interior das novas soluções tecnológicas, facilmente transportados e ao acesso de um clique, mas aí já não são livros. Serão outra coisa qualquer, menos livros.

Falta-lhes a textura do toque, ou o cheiro das páginas, falta-lhes qualquer coisa que permite que sejam, simplesmente, LIVROS.

E quem escreve livros, será o quê?

Talvez escritor. Talvez não, talvez sim. Corrijo, certamente será escritor.

Mas escritor não é apenas quem redige o livro, escritor será também aquele que conta a estória que se espraia nas páginas de um livro. Na realidade, o contador da estória será sempre um escritor, mesmo que não escreva diretamente essa sua estória num livro, incumbindo para esse efeito um outro com essa responsabilidade, sendo seu único propósito guardar para a posteridade uma certa memória que o tempo não pode, ou não deve, apagar.

Receber um livro é sempre um privilégio, já adquiri-lo numa banca uma possibilidade que nem sempre se tem. Por isso, vale muito mais um livro recebido, do que um livro por nós comprado.

Por acaso, ou não, recebi nestes dias um exemplar de um livro, que rapidamente desfolhei, para depois ler.

Sim, só depois o li, porque ler não se faz a correr, ler não é igual a desfolhar, este começa pelo prefácio e logo saltando para as notas finais.

Ler significa desfolhar, para logo depois regressar ao início, para, aí sim, saborear cada uma das páginas.
Mas dizia eu, recentemente recebi um livro, de capas duras como se exige a um bom livro, com peso certo e algumas fotos, tendo como título – Rui Sanches: para memórias.

Nesse livro muito se conta, especialmente porque muito diz sobre esta nossa Beira Serra que, não poucas vezes, parece ter vergonha da sua História e das ilustres personalidades que daqui partiram, mesmo antes de o serem – ilustres personalidades.

Alguns chamam-lhe opções ideológicas a essa falta de recordação, outros chamam-lhe receio da História, outros ainda, chamar-lhe-ão esquecimento seletivo.

Eu chamar-lhe-ia simplesmente…medo e cobardia.

Rui Sanches – para memórias, leva-nos do interior do nosso País, aos projetos de infraestruturação deste, mas também à nossa alma africana, e à vontade de construir algo que possa perdurar para as gerações futuras.

Faz-nos tropeçar em temas que pensamos ser marca de uma modernidade do século XXI, quando mais não são do que uma recordação de projetos pensados e gizados com cabeça no tempo da “outra senhora”.

Assuntos como o Novo Aeroporto de Lisboa, ou a construção e concessão das autoestradas, que parecem ter saído de um qualquer noticiário desta semana, mais não são do que noticias requentadas do século passado.

Com a diferença de que, muitos desses assuntos, continuam ainda a ser “estudados”…

Vai mais longe e, vejam só, fala de Aristides Sousa Mendes, diplomata que recentemente entrou no Panteão Nacional, perscrutando uma outra leitura sobre a escolha desta personalidade para tamanha honra nacional, e dos motivos que conduziram ao seu “endeusamento”, em detrimento de outros diplomatas portugueses que igual tarefa realizaram na defesa dos Judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

Poderá não ser uma obra de elevado valor histórico, pelo menos para uma certa intelectualidade urbana e distante do País que fomos e ainda somos, mas não tenho dúvidas que é uma obra que todos os que queiram conhecer um pouco mais, deste agora nosso “quintal” à beira mar plantado, deveria ler e estudar.

Rui Sanches – para memórias, conta-nos a estória do licenciado em engenharia pela Universidade Coimbra, do convite para o cargo de Subsecretário de Estado das Obras Públicas (12 de Abril de 1967), da tomada de posse como Ministro das Obras Públicas (27 de Setembro de 1968) e mais tarde em acumulação, como Ministro das Comunicações (15 de Janeiro de 1970), entre tantos outros episódios peculiares no seu trajeto pessoal, profissional e politico (porque alguns lhe quiseram reduzir apenas a esse aspeto a sua existência).

No entanto, e ao mesmo tempo, relata-nos uma certa História do País, primeiro da sua governação e depois dos seus atropelos na luta pela Democracia, dos saneamentos que se lhes seguiram e das prisões sem qualquer sentido e ao arrepio do cumprimento das mais elementares normas judiciais.

A sensatez aconselha que a leitura deste livro de memórias seja feita sem preconceitos, com a lucidez desprendida de ideologias, para que, no final, e apenas no seu final, se possa ajuizar da justiça da preservação da figura de Rui Sanches.

Tenho para mim, que a Beira Serra, e o País, estarão em dívida para com o antigo Ministro das Obras Públicas e das Comunicações, o Sr. Engenheiro Rui Sanches, mas acima de tudo do excelente e visionário engenheiro, cuja projeção e construção eram aquilo que mais o entusiasmava e desafiava, pois no fim apenas as obras ficavam para o futuro.

NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)