Ano após ano, sabemos de antemão que, com a chegada do Verão, o foco noticioso passa a ser a devastação da nossa massa florestal, a destruição do mundo rural, o pouco que dele vai restando entenda-se, e, acima de tudo, o constante apregoar de medidas para mitigar esta tragédia ambiental.
Ano após ano, são anunciadas essas mesmas medidas em catadupa, traduzidas no aumento do número de efetivos para o combate aos incêndios florestais, do número de entidades envolvidas nesse combate, dos organismos criados para estudar este triste fenómeno, etc.
Ano após ano, sabemos que as coimas para a limpeza das matas são atualizadas, a fiscalização aumenta, o cadastro dos proprietários está em plena execução, a prevenção é redobrada, as figuras públicas são chamadas ao dever cívico de ajudar a sensibilizar, as comunidades são alertadas para a necessidade de preservar o ambiente, e tantas outras medidas.
Este ano, ficámos a saber que as mais altas figuras do Estado nem sequer vão sair do País para puderem acompanhar os trabalhos contra os incêndios, como se fossem estes a dizer como é que deverão ser apagados os fogos!
Infelizmente, ano após ano, continua tudo a arder em Portugal!
Em suma, o que é que afinal vem falhando ao longo destas últimas décadas?
O que falha meus senhores, é o abandono do País profundo e o seu mundo rural, os seus valores e o seu espirito de comunidade marcado pela entreajuda.
A agricultura, ou pelo menos a pequena agricultura, não seduz ninguém e esta foi entregue aos mais velhos que lá vão “amanhando o seu pedaço de terra”, até que, no ano seguinte, venha um fogo e lhes leve tudo, novamente.
Quando as forças vão faltando, e os mais novos já não querem saber do “torrão” lá da aldeia, o mundo rural vai morrendo, à velocidade da morte dos mais velhos que ainda resistem perdidos por esses barrocais do Portugal mais isolado, abandonado e envelhecido que ainda resiste, desconhecendo-se até quando.
O Verão já não convida os mais novos a deambularem pelas hortas e pomares dos avós, ou sequer a visitar os pinhais, cada vez mais esquecidos, da herança de família.
Hoje, vamos todos para a praia, com a “traquitana” às costas, desde a marmita, passando pelo chapéu-de-sol, o corta-vento e os brinquedos de areia para a miudagem que tem que apanhar sol pois faz bem ao crescimento, mas não em demasia.
Depois, quando os miúdos passam a ser adolescentes e jovens às portas da Universidade, ou já mesmo Universitários, o que interessa são as festas de Verão, os festivais nos lugares da moda, e os pais podem então, finalmente, sentar-se na cadeira de praia e lerem o jornal ou as revistas “cor-de-rosa”.
Por seu turno, os velhotes por lá continuam no “torrão”, a sachar o feijão, ou a fazer qualquer coisa que ainda vá dando para fazer, seja pelas poucas forças que o corpo ainda mantém, ou seja pela pouca água que vai correndo no riacho da aldeia.
A culpa dos fogos de verão é de todos nós, que condenámos à morte um mundo rural que passou a ser alvo da altivez das comodidades urbanas, que nos permitem ir de férias para retemperar forças, esquecendo as nossas raízes e os nossos velhotes.
Esses há muito que desistiram de nós e dos nossos valores de modernidade, em muitos casos preferem a distância dos Lares, ou a simplicidade com que estes servem de justificação para justificar a nossa ausência na visita ao nosso “torrão”.
Caminhamos a passos largos para as opções que toda a gente sabe que serão invitáveis, ou seja, entregar parte do país a grandes empresas de gestão florestal que, posteriormente, criticamos porque só sabem plantar eucaliptos nas terras que deixámos de “amanhar”.
Ou então, deixar que venham os projetos de produção de energias limpas encher a paisagem com eólicas, e centrais fotovoltaicas, e outros adereços de promoção das energias verdes, para depois criticarmos porque, afinal, ficam mal na fotografia tirada do “baloiço” tão giro que alguém colocou no sítio da nossa infância.
Em qualquer dos casos, o que se perdeu até hoje não foi por culpa dos incêndios, foi antes por culpa do abandono de todos nós de uma parte da nossa herança cultural e geracional.
Os “parolos” já não são os que vivem nas aldeias, os “parolos” somos todos nós que há muito deixámos de perceber e entender a beleza de quem vivia ao ritmo da natureza, sem falsos moralismos ecológicos, mas com profundo respeito pela imensa paisagem e tudo o que esta encerra numa fria manha de -Inverno, ou numa tarde quente de Verão.