NOTA DA SEMANA: Ruralidades de Abril

FOTO: SIC NOTÍCIAS

No ano em que se celebram os 50 anos da “Revolução dos Cravos”, meio século portanto, temos na Presidência da República o afilhado de Marcelo Caetano, ou seja, Marcelo Rebelo de Sousa que é, simultaneamente, filho do antigo Governador-Geral de Moçambique e que, no dia 25 de Abril de 1974, era Ministro do Ultramar, neste caso Baltazar Leite Rebelo de Sousa.

Poderia ser uma coincidência dos acasos da História, ou um ajuste de contas com o passado, a atual Presidência da República ter na sua cadeira alguém tão próximo do Estado Novo, fosse por razões afetivas ou meras ligações familiares.

Seja porque motivo for, temos Marcelo Rebelo de Sousa na Presidência da República, mas apenas graças ao regime democrático que resultou do 25 de Abril.

A Democracia é pois, a essência do exercício da escolha, seja ela individual ou seja ela coletiva, e apenas por isso fizemos as escolhas que fizemos ao longo dos últimos 50 anos, umas boas outras más, mas seguramente foram as nossas escolhas enquanto Povo.

Meio século depois, temos o Presidente da República que temos, a economia que temos, o modelo social que temos, o Governo que temos e um Partido com 50 deputados, tantos como a longevidade do 25 de Abril, e que se coloca no espetro mais à direita da política, e que uns chamam e apelidam de extrema-direita, mas que eu, como tantos outros portugueses, tenho algumas dúvidas.

Reconhecer isso seria reconhecer que mais de um milhão de portugueses não se revê, em última análise, no regime democrático, e a Democracia é ainda aquilo que nos permite sonhar com um País melhor, mais justo e mais nosso.

Talvez por isso, para se respeitar a Democracia seja preciso sermos, primeiro, todos democratas.

Tenhamos nós um Primeiro-ministro com “comportamentos rurais”, ou um ex-primeiro-ministro “lento” por ser oriental, estes são, ou foram, o resultado das nossas escolhas e temos que conviver com as suas consequências, mas sempre com a certeza de que, quando nos deixarmos de rever nessas escolhas, teremos sempre a possibilidade de voltar a escolher.

É a Democracia de Abril, ajustada pelo bom senso de Novembro, que nos permite hoje poder exprimir livremente a nossa opinião, mesmo que esta resvale para a insensatez, quando, por exemplo, a figura maior do Estado, o seu mais alto magistrado e chefe em comando das Forças Armadas, se dá ao luxo de dizer umas asneiras, a coberto de uma certa intelectualidade, mas bem distante dos princípios sãos do mundo rural e da paciência e perseverança dos orientais.

E essa insensatez atingiu o clímax quando o mesmo Marcelo Rebelo de Sousa, atual Presidente da República, filho do antigo Governador-geral de Moçambique e antigo Ministro do Ultramar, anunciou no “recato” de um jantar com a imprensa estrangeira a necessidade de reparar as antigas colónias, ou que a Procuradora Geral da República, ou o Ministério Público, agiram no contexto de um “processo maquiavélico”.

Atrevo-me a dizer: “Perdoai-lhe Senhor” que ele já não sabe o que faz…ou o que diz e dizer isto apenas é possível porque tivemos o 25 de Abril.