Há dias, a propósito da passagem do padre Acácio, o amigo Carlos Campos fez-me parar quando para estabelecer a diferença falava de certos padres que são assim como uma sucursal do Estado… Dizia ele que bem mais úteis noutras tarefas. Eu entendi-o mas fiquei a pensar que os homens têm caminhos diferentes e todos lindos, atraentes, salvadores.
Caí logo no meu antigo prior José Vicente: jornalista brilhante, coração generoso, oferecido inteirinho aos irmãos. Naquela década de 50 vivia-se mal; alguns viviam muito mal. O padre Vicente era pobre – toda a região da Beira Serra o sabia. Foi a sangrar pelos pobres que ele criou em Coja a Sopa dos Pobres (Bem sei que o nome é chocante; hoje fala-se de inserção mas a realidade é a mesma). Diariamente, graças ao sentir de muitos que o ouviam clamar, os mais precisados tinham diariamente uma sopa quente, abundante, com um naco de broa, servida por mulheres da Conferência Vicentina, igualmente generosas e voluntárias.
Ninguém saía envergonhado, nem os que davam nem os que recebiam porque tudo feito com muito amor. Padre Vicente sabia as causas da pobreza e não as calava…
Esta atenção aos pobres marcou os três primeiros séculos da Igreja onde as primitivas colectas obedeciam à necessidade de partilhar os próprios bens com os menos favorecidos.
Já a Idade Média ficou marcada como época da beneficência. Os bens da Igreja são considerados “património dos pobres” e os bispos são chamados “pais dos pobres”. O Estado não existia e a cidade não estava organizada. A igreja, naturalmente assumiu o seu papel de coordenar e assegurar os vários serviços de hospitalidade, de acolhimento e de cuidado dos doentes, pobres, crianças abandonadas.
Tudo bem. O pior – escreveu o meu amigo Zé Dias- foi quando as ordens hospitalárias se transformaram em militares; os bispos se converteram em grandes senhores; os monges acumularam bens em vez de os distribuírem; a igreja tornou-se um estado dentro de outro Estado.
Deus Nosso senhor fez então à Igreja a esmola de se ver despojada dessa herança que muito comprometia a sua missão. Diga-se que muitas vezes a usurpação foi para engordar outros senhores e não para os pobres como era imperativo que fosse.
Hoje vivemos a época das Instituições Cristãs com estruturas e equipamentos para crianças, jovens, idosos e doentes. São também respostas às solicitações do nosso tempo. Devem-se a centenas e centenas de homens e mulheres voluntários e generosos, desafiados por padres que atentos às carências das suas paróquias se fizeram mendigos entre os cristãos. A Segurança Social foi ajudando mas muitas vezes não entendeu o sacrifício e a entrega total dos vários servidores da comunidade que lhe asseguraram o repouso de que agora usufruem.
Seja como for, talvez muitos padres possam ou devam alijar a sua carga deixando de ser sucursal do Estado, como bem entende o Carlos. Mas que ninguém lhes peça para se calarem quando tiver lugar a denúncia profética. Bissaia Barreto costumava dizer que queria nas suas obras as freirinhas que eram quem roubava menos!… Quem puder entender que entenda.
Pai Américo ensinou que não vale quem tem, mas quem ama. Todo o valor moral da nossa vida gira à roda deste verbo pequenino e imenso, o verbo amar no infinito… infinitamente. E será que o Estado anda por aí?!
A . BORGES DE CARVALHO