No passado dia 17 de Dezembro, fez 100 anos que nasceu João Castanheira Nunes, saudoso e inesquecível director de A COMARCA DE ARGANIL, que deixou para sempre marcada a sua acção no jornal, a sua grande paixão e que estendeu a todos aqueles – e foram muitos – que passaram e serviram o então trissemanário, a “carta de família” que chegava aos assinantes espalhados pelo país e pelo Mundo.
Com a sua caneta, João Castanheira Nunes combateu o bom combate na defesa intransigente dos interesses a sua Arganil e da região, das causas que defendia, em que acreditava e em que se empenhou durante a sua curta vida, de 59 anos, quando nos deixou em Novembro de 1981, deixando também em todos nós que com ele crescemos e aprendemos a ser homens, um vazio e as saudades de um Homem que, não será demais dize-lo, foi daqueles e citando Camões, “que por obras valerosas / se vão da lei da morte libertando”.
Por isso e continuando a citar Camões, “cantando espalharei por toda a parte / se a tanto me ajudar o engenho e arte”, como gostaríamos de neste momento ter “o engenho e a arte” para, por palavras nossas, espalhar por toda a parte a acção e o exemplo do Homem, do grande jornalista, do desportista, do dirigente associativo, do vereador da Câmara Municipal, do grande comandante dos Bombeiros que foi João Castanheira Nunes. Mas outros o fizeram por nós e bem melhor do que nós.
E fazendo nossas as suas palavras, quando da morte do saudoso director de A COMARCA, o também saudoso colaborador (e antigo reitor de Arganil), padre José da Costa Saraiva escrevia, “ninguém batia à sua porta sem levar uma palavra de incentivo, de esperança, de carinho. Era capaz de tirar a camisa para mitigar o infortúnio dos outros. Amava os Seus e a sua Terra. E a sua Terra era o terrunho singelo, maravilhoso e quente que o viu nascer, crescer e sofrer e todo o que dele carecia. Nada, desde a fonte, a estrada, a criança, o jovem, o lugarejo mais humilde, deixaram de lhe roer a alma, desde que notasse carências. Era um regionalista de gema. Falava a ministros, a presidentes, a toda a gente, sem jactância, só para engrandecer o seu meio. Naquele corpo amplo, latejava um coração de oiro. Mesmo os seus desabafos, aparentemente irreverentes, continham alma, coração, cerne de funda amizade. Faz falta o João. A Arganil, à Região beiroa, à Família de A COMARCA, à Família carnal. Aquela voz forte, sem segredos, mas firme, sã, plena de quente amizade, apagou-se… Mas fica na nossa recordação e vai continuar a ecoar dentro de nós”.
De facto, a sua voz forte (inconfundível) fazia-se ouvir longe, contrariando o coração de ouro, muito sensível, de João Castanheira Nunes que “sentia prazer em ser útil e prestável a quem recorria aos seus préstimos — e muitos foram”, pelo que a sua recordação não pode deixar de continuar bem viva, sobretudo em alguns daqueles que tiveram o privilégio de o ter como amigo e, especialmente, em alguns daqueles que trabalharam consigo e que considerava e que tratava como família, porque e como tão bem gostava de dizer, faziam parte da também grande “família de A COMARCA”, com a qual soube “manter e aumentar mesmo o prestígio de A COMARCA DE ARGANIL, guindando o jornal ao nível dos mais prestigiados e melhor apetrechados entre os órgãos da Imprensa Regional”.
Sobre o seu grande amigo João Castanheira Nunes, o então redactor de A COMARCA em Lisboa (e mais tarde director), António Lopes Machado, escrevia também que “em A COMARCA DE ARGANIL foi durante um quarto de século o seu principal timoneiro”, cuja acção enalteceu, “Arganil fica-lhe a dever muito. (…) Ele foi sempre um arganilense entusiasta e dedicado, desejoso de colaborar em tudo que dissesse respeito ao progresso e desenvolvimento da vila. (…) Mas bastaria falar apenas desses dois grandes empreendimentos que foram o Cine-Teatro e o quartel dos Bombeiros para avaliarmos quanta não foi a sua força de vontade e a sua total doação em prol daqueles grandes melhoramentos de que Arganil hoje usufrui”.
E como recordava o nosso jornal na sua edição de 17 de Novembro de 1981, para além de ter sido um “jornalista de garra, (…) quem não se lembra do calor com que nestas colunas, a campanha de angariação de accionistas para a constituição da empresa do Teatro Alves Coelho? (…) E quem, do mesmo modo, pode esquecer o papel que desempenhou para a construção do novo quartel dos Bombeiros Voluntários Argus?”, ou “olvidar a luta pelo saudoso extinto travada em prol da criação do Ensino Preparatório e Secundário em Arganil; pela construção da Escola Secundária, em fase já bastante adiantada; pelo prolongamento da Avenida de Amandos até à Barreira; pelo alargamento da estrada de Arganil ao Sarzedo, pela concretização do caminho-de-ferro de Arganil, pela beneficiação da Estrada da Beira, pela edificação da Pousada do Mont’Alto – estas quatro obras ainda infelizmente sem realização; pela construção das casas do Património dos Pobres, pelas Colónias Balneares Infantis de A COMARCA e da Paróquia de Arganil”.
A COMARCA acrescentava ainda sobre o seu saudoso director que, “quando chamado para a vereação municipal de Arganil” para o pelouro do Turismo, não negou, porque “vivia, com uma intensidade real e não aparente, os problemas do próximo. (…) E até no Lions Club de Arganil de que foi um dos fundadores, sempre deixou os dons da sua acção participante” e, enquanto Soldado da Paz, “os Bombeiros foram para si quase uma obsessão. A ele se deve o parque de viaturas dos Bombeiros de Arganil” que “foi notavelmente enriquecido; as instalações ampliadas; o Corpo Activo aumentado e aperfeiçoado” e, “após 18 anos de fecunda actividade, (…) pediu a sua demissão daquele cargo em 10 de Maio de 1974, passando ao Quadro Honorário”, nunca deixando de levar a efeito acções em prol do bem-estar comum.
“Este homem era daqueles que, parecendo duro, tinha afinal um coração extremamente sensível, uma ternura a toda a prova. Quem bem o conheceu, sabe bem que isto é verdade” e sabe que, “à custa de uma ginástica quase homérica, transformara uma tipografia praticamente artesanal numa unidade gráfica de considerável dimensão”, porque afinal João Castanheira Nunes apesar de ter um coração enorme, tinha na “sua caneta (…) a arma permanentemente apontada para o bem-comum e as colunas deste trissemanário o seu campo de batalha”.
Quando em 1956 foi nomeado editor e director deste então bissemanário regionalista, João Castanheira Nunes “foi sublime na arte de expressar o seu propósito enquanto timoneiro deste jornal” e, “se bem o prometeu, melhor o cumpriu! (…) Servir sempre com devoção, carinho, entusiasmo e firmeza, esta causa nobre do Regionalismo. Respeitar e dar continuidade ao programa inicialmente estabelecido e sempre cumprido através dos 56 anos de existência ininterrupta do nosso jornal, vividos sempre ao serviço da Pátria e desta nossa linda região das Beiras. E fazer tudo quanto as nossas forças no-lo permitam, para que A COMARCA continue a ser o porta-voz sincero das legítimas aspirações de todas as localidades da nossa região, das mais importantes às mais humildes”.
“Demos valor ao que de facto valor tem”, foram palavras (que punha em prática) do saudoso director e que estão perpetuadas no monumento em sua homenagem que se encontra na Rua Oliveira Matos, junto àquele que foi o seu gabinete de trabalho e, honrando e curvando-nos em sua memória e o seu propósito de “fazer tudo quanto as nossas forças no-lo permitam, para que A COMARCA continue a ser o porta-voz sincero das legítimas aspirações de todas as localidades da nossa região, das mais importantes às mais humildes”, nesta edição comemorativa do nosso jornal e ao recordar os 100 anos do seu nascimento, não podemos deixar de prestar esta nossa simples mas sentida homenagem ao também homem de valor e grande arganilense, ao amigo que foi João Castanheira Nunes.