Uma prestigiada arganilense na Alemanha

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“COM BOA VONTADE E ESPÍRITO DE SERVIR CONSEGUE-SE TUDO. TUDO É POSSÍVEL SE AS PESSOAS QUISEREM” (MARIA DO CÉU REIS ANDRÉ CAMPOS)

 

  “Vim ver a minha mãe, que se encontra internada no Hospital de Continuados da Santa Casa da Misericórdia”, foram palavras carregadas de ternura (mas também de muita preocupação) da arganilense Maria do Céu Reis André Campos, que há uns tempos propositadamente se deslocou da Alemanha, onde reside, para durante uma semana, se inteirar do estado de saúde daquela que um dia lhe deu o ser. É a sua mãe.

“Vim ver a minha mãe”. Que maneira agradável de começar uma conversa entre amigos. Que palavras bonitas. Mas mais do que as palavras, o gesto, nobre. É o amor à família a chamar. São ainda os valores que se vão mantendo e que têm de ser exemplo numa sociedade em crise… também de valores. E a Maria do Céu, mais do que cultivar os valores do amor à mãe, à família, cultiva ainda o amor “às raízes, à nossa terra, a Portugal, que nunca desaparece“, como nos disse. E que lá longe são vividos e sentidos de uma maneira diferente, mais intensos. São as saudades, esta palavra bem nossa, bem portuguesa, que só os portugueses, na diáspora, são capazes de traduzir e de sentir.

Um sentimento que, certamente, terá sido a alavanca, terá dado a força necessária a tantos dos nossos emigrantes espalhados pelo Mundo para vencer na vida, para se destacarem nas comunidades que os acolheram, onde vivem, trabalham, onde nasceram seus filhos, onde criaram raízes também. Como aconteceu com Maria do Céu Reis André Campos, uma arganilense que, no já longínquo ano de 1975, duas semanas depois de casar, partiu para uma cidade ao sul da Alemanha, Ravensburg, onde já trabalhava o seu marido, Carlos Manuel Campos, que é também um nosso conterrâneo, natural das Torrozelas.

 Quatro anos sem trabalhar, “não me davam autorização”. Mas talvez porque na sua bagagem levava os ensinamentos dos anos em que trabalhou na secretaria do Hospital Condessa das Canas da Santa Casa da Misericórdia de Arganil (…) “assim que cheguei ofereci-me para a colaborar com a Missão Católica Portuguesa”

 “Não foi fácil a adaptação, a língua e, sobretudo, numa altura em que os emigrantes nem sempre eram bem vistos”, como nos confessou Maria do Céu André. E muito mais difícil se tornou pelo facto de “durante quatro anos não poder trabalhar, não me davam autorização”. Não baixou os braços. Não ficou em casa. Mas talvez porque na sua bagagem levava os ensinamentos dos anos em que trabalhou na secretaria do Hospital Condessa das Canas da Santa Casa da Misericórdia de Arganil (de boa memória e servido por tantas e tão grandes dedicações), “assim que cheguei ofereci-me para a colaborar com a Missão Católica Portuguesa de Ulm, para animar e dar catequese”, recorda.

Em boa hora, porque a partir daí nunca mais parou. E hoje a Maria do Céu é uma figura de destaque, prestigiada, no seio da comunidade que a acolheu. Vai mesmo muito para além dela. É uma mulher conhecida e reconhecida pela sua acção, pelo voluntariado que desenvolve, pelo seu espírito de missão, o que fazem desta arganilense um exemplo de vida, de trabalho, de dedicação ao seu semelhante, mas sem nunca esquecer a família, as raízes.

Embora tivesse visto pela primeira vez a luz do dia no Hospital onde, mais tarde, acabaria por vir a trabalhar, a Maria do Céu teve um berço pobre. Nasceu no seio de uma família humilde e é a mais velha de cinco irmãos, a Ana, o Jorge, o Tó Zé e o Elísio (estes dois últimos já falecidos). Para os criar, seus pais, a tia Lucinda Reis e o saudoso ti Manuel André, da Alagoa, passaram muitas dificuldades, fizeram muitos sacrifícios, que acabariam por vir a ser agravados pela doença que cedo bateu à porta dos dois filhos, ainda jovens.

 “Comíamos do que a terra dava”

 “Comíamos do que a terra dava”, recorda Maria do Céu André, que fez a sua instrução primária na escola feminina, em Arganil, com a professora Graça Jacob. Para ir mais além na sua formação, também o exame de admissão ao liceu, depois a Telescola, com o professor José Dias Coimbra, como recorda, mas certamente para ajudar os pais, como acontecia com a maior parte dos jovens dessa idade, os estudos tinham de ficar adiados para ir trabalhar. E em 1966, começa na secretaria do Hospital onde se manteve até 1975. Pelo meio e sempre com a firme convicção de saber mais, foi uma das alunas fundadoras da então Escola Técnica de Arganil (uma secção da Avelar Brotero de Coimbra), criada em 1969, hoje Escola Secundária de Arganil.

 Candidata às autárquicas pelo partido da chanceler Ângela Merkel 

 Ontem como hoje, Maria do Céu passa quase despercebida. É simples, não dá nas vistas e talvez por isso o segredo da sua grandeza, sobre a qual ficamos a saber um pouco mais durante a nossa agradável conversa, mas sempre a evitar falar muito de si, do seu trabalho, da acção que continua a desenvolver ao serviço da cidade que a acolheu e que agora também considera como sua. E tanto assim é que, em 1999, pela primeira vez é candidata às autárquicas, concorrendo pelo partido da chanceler Angela Merkel, CDU, a cuja direcção pertence. Volta a ser candidata em 2004 e 2009. Não chegou a ser eleita, mas apesar disso não deixou de referir que, em 2008, é convidada pela chanceler, uma mulher que respeita e admira, para uma recepção na chancelaria, em Berlim.

 Condecorada pela Diocese de Rotemburgo/Estugarda

 O exercício da política a complementar o exercício do voluntariado que Maria do Céu começou, na Missão, onde ajudou a criar o Conselho Pastoral, que integra e de que foi vice-presidente. Pelo trabalho desenvolvido, pelos serviços prestados, foi condecorada pela Diocese de Rotemburgo/Estugarda. De 1985 a 2005, foi dirigente do Centro Português de Ravemburg, “mas levei tanto pontapé, que tive de sair” (muitas vezes o habitual (!) pagamento a quem trabalha voluntariamente). Desde 1989 pertenço ao Conselho para Questões de Integração da Câmara Municipal e durante cinco anos fui membro do Fórum da Cultura. Cumpri dois mandatos no Conselho Municipal para a Terceira Idade da Câmara Municipal e dez anos depois vieram buscar-me outra vez. E lá estou”.

Mas não fica por aqui este brilhante currículo de Maria do Céu André. Faz ainda parte do conselho consultivo do Consulado Geral de Estugarda. E também colabora com a Associação da Mulher Migrante, da qual fazem parte, de entre outras, nomes prestigiados como a dr.ª Manuela Aguiar, a dr.ª Rita Gomes, a dr.ª Maria Barroso.

 “Trabalho 48 horas por semana”

 Com tantas missões (sim, porque de missões de trata), pensava eu ser pouco o tempo que sobrava para a família, para o trabalho. Mas afinal enganava-me. “Trabalho 48 horas por semana”, confessou Maria do Céu André.  E o segredo foi logo dado a conhecer também ao dizer-nos que “com boa vontade e espírito de servir consegue-se tudo. Tudo é possível se as pessoas quiserem”.

“Trabalho, organização e as obrigações antes dos direitos”, como referiu a nossa entrevistada. Tem sido essa a máxima dos alemães (e o êxito da Alemanha) que a Maria do Céu aprendeu, interiorizou e que pôs sempre em prática nas empresas onde trabalhou. A primeira e quatro anos depois de chegar àquele país, “fui trabalhar para a mesma fábrica, do sector têxtil, onde trabalhava o meu marido” e onde se manteve durante dois anos. Depois “fui para casa de uma família, como governanta, onde estive oito anos”. Volta novamente a uma fábrica, agora de embalagens de queijo e iogurte, dali para uma empresa do sector imobiliário “e há dez anos estou numa empresa que trabalha para a indústria automóvel, de onde espero sair para a reforma”.

 Arganil “está sempre no meu coração”

 Mas como todos os emigrantes, a Maria do Céu André pensa regressar, um dia. “Mas por temporadas”. E ao dizer-nos isto não foi sem uma ponta de tristeza que acrescentou: “enquanto Portugal não se organizar, não vai a lado nenhum”. Percebemos bem a mensagem, mas a nossa conversa estava a chegar ao fim, como estavam quase a chegar ao fim também estes poucos dias em que esteve entre nós. E com o coração repartido, regressou mais uma vez ao seu lar, a Ravemburg, onde o marido a esperava. Onde tem a família. O seu filho, Carlos Miguel, casado com uma cidadã alemã, a Nicole. Os seus netos (é uma avó babada), os pequenos André e Celine. Mas lá longe, como nos disse ainda, a sua Arganil “está sempre no meu coração”. Para a divulgar e dar a conhecer, aqui trouxe já a RTP Internacional. Fala com um brilho nos olhos da sua e nossa terra. Fala sem vaidades balofas pelo que fez ou pelo que faz. Sem dar nas vistas ou pôr-se em bicos dos pés. Tudo simples. Ouve a Rádio Clube de Arganil. Assina e lê de ponta a ponta A COMARCA DE ARGANIL. E voltou a salientar que “o amor à família, às raízes, à terra, a Portugal, nunca desaparece. Somos os maiores embaixadores do nosso país no estrangeiro”.

Parabéns pelo testemunho que nos deixas. Parabéns pelo exemplo. Um abraço, Maria do Céu.

J. M. CASTANHEIRA