No sábado, 24 de Agosto, a Santa Casa da Misericórdia de Arganil evocou o centenário da transladação da Condessa das Canas, D. Maria Isabel de Melo Freire de Bulhões, “figura ímpar da história da nossa região” e de “que há memória do concelho de Arganil”, como considerou o provedor, António Carvalhais da Costa, recordando ainda que foi “da sua responsabilidade, enquanto benemérita, a construção do primeiro e único hospital concelhio (digno desse nome)” e que, “casada com D. José Maria de Vasconcelos Azevedo e Silva Carvajal, primeiro e único Visconde de Canas de Senhorim e Conde da Quinta das Canas, não tiveram descendentes, cumprindo dessa forma o ‘Auto de Lembrança’ dos antepassados da Condessa em benefício da Misericórdia de Arganil”.
“É nós na Misericórdia não esquecemos todos aqueles que se entregaram a esta nobre causa de servir os outros e honrar esta instituição fundada em 1647”, salientou o provedor e, por isso, 100 anos depois a Santa Casa Misericórdia quis evocar aquela que foi a sua maior benemérita com a reconstituição do cortejo da trasladação da Condessa das Canas da Igreja da Misericórdia para a Capela dos Melos na Igreja Matriz onde depois foi celebrada a missa em memória dos Condes de Canas.
“Celebramos esta Eucaristia em sua memória”, disse o reitor de Arganil, padre Lucas Pio, em memória da Condessa das Canas “que tanto fez pela vila de Arganil”, sendo no final da missa descerrada uma placa evocativa na Capela dos Melos, junto ao seu túmulo, que recorda quem foi D. Maria Isabel de Melo Freire de Bulhões.
Nascida por volta de 1797 e falecida em 1879, foi em 20 de Agosto de 1924 que os restos mortais da Condessa das Canas foram trasladados do cemitério da Conchada, em Coimbra, para a Igreja da Misericórdia e desta para a Capela dos Melos, na Igreja Matriz, onde repousa ao lado do marido, “seguramente um caso em que o papel da mulher não foi secundarizado pelo homem”, como referiu António Carvalhais da Costa e, citando o Papa Francisco, disse ainda que “um povo que não tem memória não tem futuro”.
E foi essa memória que, um século depois, a Misericórdia quis agora evocar, mas se há 100 anos (e como testemunham as colunas de A COMARCA) as ruas de Arganil se encheram de pessoas para participar no cortejo da traslação dos restos mortais da benemérita, hoje a nossa terra quase se alheou, mas mesmo assim e acompanhados pela Filarmónica Pátria Nova, de Coja, não deixaram de estar presentes como convidados além da Câmara Municipal representada pela vereadora Elisabete Oliveira, do presidente da Junta de Freguesia das Secarias, António Souto de Carvalho, e do presidente da União de Freguesias de Vila Cova do Alva e Anseriz, Paulo Amaral, o presidente do Secretariado Regional de Coimbra da União das Misericórdias Portuguesas, António Sérgio Martins, representantes das Misericórdias de Góis, Vila Nova de Poiares, Vila Cova do Alva, Montemor-o-Velho, de entre outros, que se quiseram associar e recordar aquela que, graças ao seu espírito de benemerência, “foi possível à Santa Casa da Misericórdia de Arganil erigir, no antigo solar da Condessa, o Hospital que laborou até 1974 e por onde passaram vultos nacionais como o dr. Fernando Valle e o dr. Adolfo Rocha (este eternizado com o pseudónimo de Miguel Torga, o escritor, que ofereceu o seu consultório à Misericórdia e que esta ainda acolhe no referido Hospital”, como recordou ainda o provedor, sem esquecer o dr. José Viegas Pimentel, o dr. Vasco de Campos, o dr. António Parente dos Santos, o dr. Armando Dinis Cosme, o dr. Jorge Dias, o enfermeiro Guilherme Ferreira Rodrigues.
“Foi graças à benemerência da Condessa das Canas que, séculos mais tarde, o professor José Dias Coimbra teve a matéria-prima para criar uma obra social que está à vista de todos e que continua a crescer”, salientou António Carvalhais da Costa, referindo depois que “com o avançar dos tempos e as circunstâncias da história, pareceram fazer esquecer em alguns o papel desse vetusto Hospital, a sua importância para a centralidade da vila de Arganil e da região, o seu papel na vida de tantos e tantos que por lá nasceram, nele foram acolhidos e tratados, muitos deles pelas Irmãs da Congregação das Filhas de S. José, que por essa via marcaram a sua presença e passagem por estas terras” e que, “no presente momento ainda acolhe o Centro de Saúde e, no mesmo perímetro, as Urgências, mas até quando? Contudo, estamos seguros que a Condessa estará certa de que fizemos a nossa obrigação”.
Mas a acção da Condessa das Canas “não se esgotou na solidariedade para com os mais velhos desfavorecidos, nem tão pouco para com os enfermos”, disse ainda o provedor, “a Condessa foi também essencial no panorama da cultura, representando uma família reconhecida no seu tempo, com cargos elevados e, também por isso, capaz de promover a educação junto dos mais carenciados”, tendo sido “uma das primeiras figuras a estimular os estudos de jovens desfavorecidos, contribuindo para a formação académica de muitos arganilenses, alguns deles acolhidos em Coimbra, onde esta também tinha residência na muito conhecida Quinta das Canas”.
“Também neste aspecto, a Misericórdia de Arganil não poderia deixar de prestar o seu reconhecimento, tendo atribuído o seu nome à Academia instalada na escola do Paço Grande”, referiu António Carvalhais da Costa, e por tudo isto “é necessário preservar na memória colectiva o seu papel para a solidariedade e o desenvolvimento da comunidade arganilense, razão pela qual se evoca o centenário do seu regresso à terra onde estão as suas raízes e os seus antepassados”.
Uma evocação digna e que ficou marcada por outros momentos como o descerramento da placa biográfica da Condessa na entrada do (reabilitado) Hospital da Misericórdia, descerrada pela vereadora da Câmara Municipal, Elisabete Oliveira, e pelo presidente do Secretariado Regional de Coimbra da União das Misericórdias Portuguesas, António Sérgio Martins, que recordando o saudoso José Maria Alves Caetano (pai de Marcello Caetano, dedicado colaborador de A COMARCA e que teve a iniciativa de erigir o monumento à Condessa), “um pampilhosense que viu que era justo que a comunidade reconhecesse uma pessoa que tendo aqui nascido, tenha sobressaído da maneira que sobressaiu, saiu daqui, conseguiu granjear alguma riqueza mas não esqueceu a sua terra natal, porque sabia que havia aqui uma instituição que ia usar da melhor forma essa sua atitude”,
E agradecendo à Misericórdia de Arganil “porque soube utilizar os recursos deixados pela Condessa ao longo dos anos”, o presidente do Secretariado Regional de Coimbra da União das Misericórdias Portuguesas não deixou de recordar também o professor José Dias Coimbra que “entendia muito bem que era importante reconhecer publicamente todos aqueles que de uma forma ímpar foram ajudando esta comunidade”, terminando por se dirigir aos responsáveis da Misericórdia fazendo votos para que “o exemplo da Condessa das Canas e de todos os beneméritos, continue a presidir no vosso dia-a-dia, na vossa acção, tal e qual como o têm feito até aqui, para que no futuro continuemos a ter um verdadeiro Estado Social” que, “infelizmente, tem sido muito maltratado e, só não estamos pior, porque temos estas instituições que mesmo com muito pouco conseguem fazer muito”.
A vereadora Elisabete Oliveira deixou também uma “palavra de agradecimento e de reconhecimento pelo trabalho que a Santa Casa da Misericórdia faz e, que todas fazem, em prol dos mais frágeis e vulneráveis”, recordou o professor José Dias Coimbra “pelo papel primordial que desempenhou no nosso concelho e de uma forma muito particular enquanto provedor da Misericórdia de Arganil”, salientando depois “que nós, enquanto cidadãos, possamos ter estes exemplos e conseguir de uma forma que pode tantas vezes ser simples, mas também marcante, fazer a diferença e perceber como através dos nossos talentos, património, do que temos, podemos escolher fazer a diferença na vida das pessoas e conseguir que a nossa vida faça sentido, através da diferença que faz na vida dos outros”, terminando por salientar que “a vida tinha permitido à Condessa ficar lá em cima, mas escolheu vir cá a baixo e, olhando para os que precisavam de ajuda fazer a diferença, fez durante a sua vida e, ainda hoje, com o seu património através da acção da Misericórdia”.
A evocação a Condessa das Canas junto ao monumento erigido em sua honra foi depois enriquecida pelos fados de Coimbra, magnificamente cantados pelo jovem enfermeiro (da instituição) Francisco Afonso, acompanhado à guitarra por João Castanheira e à viola por Tiago Mateus, com o provedor da Misericórdia a dizer que enquanto ouvia os fados “sempre tive no pensamento o homem que tanto trabalhou para esta Casa, José Dias Coimbra”, considerando que “estamos num espaço maravilhoso pelo qual ele tanto lutou, pois adorava a natureza e tudo o que estava ligado a esta Misericórdia, o homem que mais homenageou a Condessa das Canas e que continuou com a sua obra. Ela começou, ele continuou e cá estamos nós para também dar continuidade a essa obra, para a honrar e para que daqui a cem anos estas placas lembrem quem cá esteve e para que outros deem continuidade à grande obra da Condessa das Canas”.
E foi junto ao seu monumento, no Jardim da Misericórdia, que culminou a evocação à Condessa das Canas com um também belo concerto nocturno, apresentado por José Conde e proporcionado pela voz de Marta Mendes, acompanhada ao piano por Tiago Mateus, e ao violino por Carina Ferreira (complementado com algumas danças das aluna da Academia Condessa das Canas) e com as palavras de agradecimento de Támara Simão, de Tiago Mateus, do provedor e da vice-presidente da Câmara Municipal, Paula Dinis, que além de manifestar o gosto pelo Município em se associar, agradeceu e enalteceu também à Santa Casa da Misericórdia pela homenagem à grande benemérita que foi a Condessa das Canas, D. Maria Isabel de Melo Freire de Bulhões.